DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
A Confederação Nacional da Agricultura (CNA) preparou um documento técnico-político em que, nas palavras da senadora Katia Abreu, "apresenta ideias, aflições e reivindicações do setor". Certa ou errada, a percepção do produtor rural é de que a agropecuária tem sido uma galinha de ovos de ouro para o País, mas tratada pelos governos e, em certo sentido, pela sociedade como um patinho feio, rejeitado e aceito de maneira envergonhada. Os números apresentados no estudo confirmam a importância do setor: PIB de US$ 369 bilhões em 2009, representando quase 24% de toda a riqueza produzida no País; produção de 147 milhões de toneladas de grãos em 2009/10 e responsável por 42% das exportações. Em 1965, a agropecuária produzia 250 kg de grãos e 21 kg de carne por habitante e, em 2008, 758 kg de grãos e perto de 100 kg de carne. Enquanto a produção total de grãos e carne se multiplicou, respectivamente, por 7 e quase 10 vezes, neste mesmo período a área cultivada cresceu 2,5 vezes e a de pastagem, só 15%. O progresso se sustentou na incorporação de inovações e ganhos de eficiência em geral.
Não seria justo com os governantes não reconhecer progressos institucionais e nas políticas agrícolas, em particular desde o Plano Real, que permitiu o início da recomposição das políticas de financiamento público e a expansão do financiamento privado, sem o qual o setor não teria dado tamanho salto qualitativo e quantitativo. Desde então foram inúmeras medidas e políticas - do Pronaf, criado em 1996, ao Programa de Subvenção ao Seguro Rural, de 2003; do Moderfrota ao Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar, passando por várias rodadas de renegociações das dívidas que permitiram a sobrevivência de produtores endividados até o pescoço em parte por causa das más políticas anteriores e em parte pela persistente ausência de proteção contra os riscos da agricultura - que, se não resolveram os entraves estruturais que afligem o setor, pelo menos criaram bases para que o novo governo o faça.
Mas o produtor rural, aventureiro e tomador de risco por natureza, tem razão quando se sente tratado como patinho feio. Tem faltado aos governos um reconhecimento que se traduza em política consistente de desenvolvimento da agropecuária, com visão articulada de curto, médio e longo prazos, atenção às reais necessidades e prioridade expressa na alocação efetiva de recursos. Neste particular, é eloquente a pobreza do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, seja em pessoal ou em disponibilidade financeira para executar as funções institucionais necessárias para transformar o País em celeiro do mundo, como se propaga.
A imagem projetada pelo setor para o futuro é adequada: empresários formais com alta capacidade de gestão, modelo mundial de produção e preservação ambiental e líder na produção de alimentos seguros. Apesar dos inegáveis progressos, o País real está ainda muito distante da imagem pretendida, e chegar lá exigirá esforço dos produtores, do governo e da própria sociedade.
O documento faz um bom diagnóstico e a agenda reúne dez temas cruciais para se chegar lá, sobre os quais cabem visões distintas, não posições dúbias: insegurança jurídica, política agrícola, meio ambiente, relações de trabalho, tributação, logística e infraestrutura, inovação tecnológica, negociações internacionais, educação e pobreza rural. Como cabe numa democracia, a CNA apresentou o ponto de vista do setor, que é sem dúvida portador de créditos e cujos interesses gerais convergem com os da sociedade. Ainda assim, soluções e propostas deverão passar pelo crivo da polêmica transparente e incorporar e se enriquecer pela contribuição de outros segmentos sociais. Nesse sentido, é lamentável que só José Serra tenha comparecido à reunião organizada pela CNA. Os milhares de produtores rurais que se prepararam para seguir os debates perderam a oportunidade de avaliar o pensamento de cada um dos candidatos sobre temas relevantes para o setor e suas propostas para o seu futuro. Espera-se que tenha sido um acidente de percurso e não a regra da campanha presidencial.
É professor de economia da Unicamp
A Confederação Nacional da Agricultura (CNA) preparou um documento técnico-político em que, nas palavras da senadora Katia Abreu, "apresenta ideias, aflições e reivindicações do setor". Certa ou errada, a percepção do produtor rural é de que a agropecuária tem sido uma galinha de ovos de ouro para o País, mas tratada pelos governos e, em certo sentido, pela sociedade como um patinho feio, rejeitado e aceito de maneira envergonhada. Os números apresentados no estudo confirmam a importância do setor: PIB de US$ 369 bilhões em 2009, representando quase 24% de toda a riqueza produzida no País; produção de 147 milhões de toneladas de grãos em 2009/10 e responsável por 42% das exportações. Em 1965, a agropecuária produzia 250 kg de grãos e 21 kg de carne por habitante e, em 2008, 758 kg de grãos e perto de 100 kg de carne. Enquanto a produção total de grãos e carne se multiplicou, respectivamente, por 7 e quase 10 vezes, neste mesmo período a área cultivada cresceu 2,5 vezes e a de pastagem, só 15%. O progresso se sustentou na incorporação de inovações e ganhos de eficiência em geral.
Não seria justo com os governantes não reconhecer progressos institucionais e nas políticas agrícolas, em particular desde o Plano Real, que permitiu o início da recomposição das políticas de financiamento público e a expansão do financiamento privado, sem o qual o setor não teria dado tamanho salto qualitativo e quantitativo. Desde então foram inúmeras medidas e políticas - do Pronaf, criado em 1996, ao Programa de Subvenção ao Seguro Rural, de 2003; do Moderfrota ao Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar, passando por várias rodadas de renegociações das dívidas que permitiram a sobrevivência de produtores endividados até o pescoço em parte por causa das más políticas anteriores e em parte pela persistente ausência de proteção contra os riscos da agricultura - que, se não resolveram os entraves estruturais que afligem o setor, pelo menos criaram bases para que o novo governo o faça.
Mas o produtor rural, aventureiro e tomador de risco por natureza, tem razão quando se sente tratado como patinho feio. Tem faltado aos governos um reconhecimento que se traduza em política consistente de desenvolvimento da agropecuária, com visão articulada de curto, médio e longo prazos, atenção às reais necessidades e prioridade expressa na alocação efetiva de recursos. Neste particular, é eloquente a pobreza do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, seja em pessoal ou em disponibilidade financeira para executar as funções institucionais necessárias para transformar o País em celeiro do mundo, como se propaga.
A imagem projetada pelo setor para o futuro é adequada: empresários formais com alta capacidade de gestão, modelo mundial de produção e preservação ambiental e líder na produção de alimentos seguros. Apesar dos inegáveis progressos, o País real está ainda muito distante da imagem pretendida, e chegar lá exigirá esforço dos produtores, do governo e da própria sociedade.
O documento faz um bom diagnóstico e a agenda reúne dez temas cruciais para se chegar lá, sobre os quais cabem visões distintas, não posições dúbias: insegurança jurídica, política agrícola, meio ambiente, relações de trabalho, tributação, logística e infraestrutura, inovação tecnológica, negociações internacionais, educação e pobreza rural. Como cabe numa democracia, a CNA apresentou o ponto de vista do setor, que é sem dúvida portador de créditos e cujos interesses gerais convergem com os da sociedade. Ainda assim, soluções e propostas deverão passar pelo crivo da polêmica transparente e incorporar e se enriquecer pela contribuição de outros segmentos sociais. Nesse sentido, é lamentável que só José Serra tenha comparecido à reunião organizada pela CNA. Os milhares de produtores rurais que se prepararam para seguir os debates perderam a oportunidade de avaliar o pensamento de cada um dos candidatos sobre temas relevantes para o setor e suas propostas para o seu futuro. Espera-se que tenha sido um acidente de percurso e não a regra da campanha presidencial.
É professor de economia da Unicamp
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