terça-feira, 13 de julho de 2010

Presidente fica no cargo até o fim:: Raymundo Costa

DEU NO VALOR ECONÔMICO

Ninguém tem dúvidas sobre a amizade entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o deputado Devanir Ribeiro, do PT de São Paulo. Mas a hipótese de o presidente vir a se licenciar do cargo a fim de fazer campanha para Dilma Rousseff, como tem difundido o ilustre parlamentar, é uma bobagem que não deve ser levada a sério nos cálculos eleitorais.

Devanir é amigo de longa data de Lula. Um exemplo do apreço do presidente pelo deputado pode ser medido por um episódio ocorrido em 1988, na eleição da deputada Luiza Erundina, hoje no PSB, para a Prefeitura de São Paulo.

Com a apuração em andamento, manual pois ainda não havia urna eletrônica, Lula telefonou para um assessor de Erundina e perguntou: "Como é que está a apuração?". Entusiasmado com a perspectiva de vitória do PT na maior cidade do país, o assessor respondeu: "Acho que a Luiza vai ganhar. Ela está na frente".

Lula cortou para dizer que estava querendo mesmo saber era sobre os números de Devanir Ribeiro. "Pela contagem aqui o Devanir está eleito". Do outro lado da linha, o hoje presidente disse, aliviado, antes de desligar o telefone: "Graças a Deus!"

Petistas e sindicalistas conhecem essa história, mais uma no repertório de amizade entre os dois companheiros. Por isso, o que Devanir diz em geral seria interpretado como o desejo de Lula, o que nem sempre seria verdade. Essa é a versão que ainda hoje o PT tenta escrever em relação ao terceiro mandado para Lula.

Segundo o registro petista, Lula nunca quis o terceiro mandato. Se quisesse, teria conseguido aprovar uma emenda constitucional, nesse sentido, no Congresso. O presidente, segundo seu partido, sempre foi contrário a mudar a Constituição para beneficiá-lo ou mesmo em relação ao futuro, como acabar com a reeleição e instituir o mandato de cinco anos a partir da eleição de 2014, como cogitado à época.

Lula também sempre teve em mente que não conseguiria fazer um terceiro mandato tão bom como está fazendo agora, no segundo, quando até pode deixar o cargo como o presidente mais popular da história do país.

Além disso, nada então garantia que ele conseguiria a terceira reeleição. É só observar que no caminho houve uma crise econômica que Lula classificou de "marolinha", mas que poderia ter se transformado em um tsunami como aqueles que minaram o governo passado e levaram o PSDB ao naufrágio, em 2002.

É bem mais fácil contar e interpretar a história depois dos fatos passados. Quando a crise de 2008 (setembro) mostrou os dentes, nem Lula tinha a popularidade dos dias de hoje, nem o governo tinha a menor segurança de que conseguiria aprovar uma emenda que desse ao presidente o terceiro mandato.

Prova disso é que no final de 2007, apesar de todo o empenho de sua articulação política, o Palácio do Planalto perdeu a votação para prorrogar a cobrança da CPMF, o "imposto do cheque", o que na prática era visto como o teste real da chance de o Congresso aprovar emenda constitucional para a permanência de Lula.

É difícil deixar só na conta de Devanir as especulações que por mais de ano povoaram os debates no Congresso sobre o terceiro mandato (justiça seja feita, intenção sempre negada por Lula, mesmo que com alguma dubiedade, no início). Mas parecem sólidos os argumentos do PT sobre a inutilidade do pedido de licença de Lula para se engajar no corpo-a-corpo eleitoral - uma cortina de fumaça que de vez em quando encobre a campanha, em geral, mas nem sempre, soprada com entusiasmo por Devanir.

Lula pediria licença para fazer o quê? Para pedir voto? Para isso, o presidente da República não precisa deixar o cargo. Ele está em campanha mais ou menos aberta desde o lançamento do PAC, em 2007. Lula também fez campanha no período em que havia restrições legais para candidatos e não-candidatos, tanto que já foi multado seis vezes pela Justiça Eleitoral. Mas agora está mais livre que nunca para propagandear o nome de sua candidata, Dilma Rousseff.

Na campanha, Lula dispõe da televisão para dizer que seu nome é Dilma - esteja ou não no cargo. Na realidade, a coligação do PT dispõe de mais de dez minutos no horário eleitoral gratuito, o maior entre o de todas as outras alianças. Resultado de uma árdua negociação política que levou o partido a abrir mão de disputar os governos de Estados como Minas Gerais, o segundo maior colégio eleitoral do país, para firmar uma aliança com o PMDB e contar com seu tempo de rádio e televisão na disputa.

A campanha presidencial de 2010 será essencialmente eletrônica. Lula não irá com frequência a comícios, que perderam sentido desde que o Congresso proibiu a contratação de artistas para animar os discursos. Eram eles que atraiam as multidões. Muito mais efetiva é a participação num comercial de alguns segundos - no horário eleitoral gratuito - ou uma aparição limpa no "Jornal Nacional", o espaço do horário nobre da TV Globo mais ambicionado pelos candidatos, na disputa eleitoral.

A própria Dilma deve reduzir sua exposição aos comícios. Além de toda a logistíca necessária para a composição dos palanque e a arregimentação da claque militante, há os problemas políticos decorrentes da composição partidária heterogênea da chapa.

Dilma, no entanto, terá tempo mais que suficiente para dizer o que Lula fez em dois mandatos e o que ela pretende fazer nos próximos quatro anos. Se em algum momento o presidente ficar diante do dilema de ter ou não que pedir licença a fim de salvar a campanha de Dilma, isso não será apenas um fator de desgaste político, mas provavelmente significará também que já não haverá muito o que fazer por Dilma.

Passada a primeira semana oficial da disputa presidencial, a avaliação na campanha governista é que o tucano José Serra levou alguma vantagem ao se posicionar como um candidato preocupado com o social, enquanto a divulgação do programa de governo do PT foi uma trapalhada. Mas nada que exija de Lula sair de folga para resgatar Dilma.


Raymundo Costa é repórter especial de Política, em Brasília. Escreve às terças-feiras

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