Para analistas, apesar de levar país a crescer , direita sofre por estar longe da sociedade
Janaína Figueiredo
BUENOS AIRES - O resultado da eleição presidencial de hoje no Chile é uma certeza que até mesmo o presidente Sebastián Piñera não conseguiu esconder durante a campanha eleitoral: embora durante seu mandato , o primeiro da direita desde a redemocratização , o país tenha crescido e apresentado baixos índices de desemprego e inflação , a ex -presidente socialista Michelle Bachelet (2006-2010) deverá retornar ao cargo com esmagadora vitória nas urnas.
Ela tem chances de ser eleita no primeiro turno no primeiro pleito de voto facultativo na História do Chile. A candidata do governo, a ex-ministra Evelyn Matthei, representa , na opinião de analistas como o reitor da Universidade Diego Portales, Carlos Peña, “uma direita moribunda ” que deverá fazer uma profunda autocrítica. — Na democracia, nunca é um fracasso que um presidente entregue a faixa a quem foi eleito democraticamente pelos chilenos — declarou recentemente o presidente, tentando minimizar o esperado triunfo da opositora.
Perguntado sobre a popularidade de Bachelet, que deixou o governo com cerca de 80% de respaldo e aparece como favorita desde o início da campanha, Piñera disse que “mudou o termômetro, as pessoas se tornaram mais exigentes ”. Para o chefe de Estado , Bachelet “conseguiu ficar for a dessa medição e é um fenômeno especial”. — Se não formos bem, todos teremos de fazer um exame de autocrítica — enfatizou Piñera. “A direita, tal como a conhecemos, está chegando ao fim ”, opinou Peña em artigo no jornal “El Mercurio ” intitulado “A direita moribunda”.
Para ele, uma das explicações possíveis é que “Piñera pode ter feito um bom governo, mas foi um mau presidente... Para ser um bom presidente , é necessário conectar -se com as maiorias , ter empatia ”. Paralelamente, afirmou, “um mau presidente com partidos ruins, mal comandados, não chega a lugar algum ”.
De fato, na visão de outros analistas chilenos, Matthei não fez uma boa campanha, mas seu principal obstáculo foi ser a candidata de uma direita em crise e de um governo e um presidente que não conseguiram construir um vínculo com a sociedade. Uma equação que tornou impossível desafiar o fenômeno Bachelet. — Muitas pessoas têm a percepção de que o governo de Piñera esteve mais preocupado com os negócios do que com os setores mais humildes.
Já Bachelet é vista como uma presidente que se preocupa genuinamente com os pobres — disse Patricio Navia, professor de Ciência Política da Universidade Diego Portales. Para ele, “a derrota da direita será um fracasso qualificado, porque será um fracasso para o governo, mas não para o país”. — Os chilenos querem a volta de Bachelet, apesar de considerarem, em sua grande maioria, que o país está no caminho correto em ter-mos econômicos — analisou.
Os chilenos, na visão do professor, “querem uma mudança de piloto e não tanto de plano de voo”. A expectativa não é de grandes transformações e sim de melhoras na qualidade dos serviços públicos de saúde e educação, e, principalmente, na “sensibilidade da pessoa que está no comando do país”. —No caso da educação, uma questão central, as pessoas sentem que pagam e não recebem um ensino de qualidade. Bachelet prometeu educação pública, gratuita e à altura das necessidades das futuras gerações — comentou Navia.
Durante seu primeiro governo, a ex-presidente enfrentou a chamada “Rebelião dos Pinguins”, uma onda de protestos estudantis que desgastou sua popularidade. Na reta final da campanha, Matthei acusou a ex-presidente de ter entregado um governo “com um déficit (fiscal) que equivalia a 3 pontos percentuais do PIB, quando tinha recebido um país que crescia ”.
Os chilenos reconhecem a boa gestão econômica do governo direitista, mas querem Bachelet de volta. E para voltar , a ex-presidente relançou a Concertação entre socialistas e social-democratas que nasceu para governar o Chile após o fim da ditadura (1973-1990), incorporando o Partido Comunista que, pela primeira vez desde o governo Allende (1970-1973), aceitou ser parte de um pacto eleitoral. — A ex-presidente representa proximidade, capacidade de ouvir e uma maior identificação com os setores mais negligenciados — enfatizou Guillermo Holzmann, professor da Universidade de Valparaíso.
Nove candidatos na disputa
Para ele, “Piñera fez um governo de tecnocratas, eficiente, mas no qual faltou diálogo e negociação com a cidadania”. — O projeto de reforma constitucional de Bachelet e de incorporação de leis sobre direitos humanos, ambientais, defesa de nossos recursos naturais, tudo isso atraiu muitos eleitores — explicou Holzmann.
A ex-presidente também prometeu reformas tributárias para dar ao Estado mais recursos para destinar a programas de saúde e educação. Um programa de governo que, somado à simpatia de Bachelet, tornou a candidata da chamada Nova Maioria numa adversária imbatível. Nesta eleição, nove candidatos (o maior número das últimas décadas) disputarão a Presidência do Chile. Além de Bachelet e Matthei, o jovem Marco Enríquez Ominami, filho de um integrante de um grupo guerrilheiro que foi morto em um tiroteio com a polícia secreta de Pinochet, fará uma nova tentativa depois de ter sido uma das revelações da campanha de 2009.
Outro destaque foi o empresário Franco Parisi, que, de acordo com algumas pesquisas, estaria empatado com Ominami no terceiro lugar . Para analistas chilenos, Parisi, chamado por alguns de “o economista do povo”, representa a “direita populista chilena, que demanda mais atenção aos setores humildes”.
O crescimento do badalado Parisi (que vive num dos bairros mais chiques de Santiago) afetou principal-mente a candidatura de Matthei e freou-se quando a candidata do governo o acusou de ter dívidas em torno de US$ 200 mil por demissões não pagas na época em que administrava duas escolas. Seu plano de governo inclui iniciativas como a descriminalização do aborto em caso de estupro e o aumento do imposto corporativo.
—Parisi cativou um setor populista da direita, jovens de classe média e baixa, que acham que o Chile tem dinheiro e que esse dinheiro está concentrado em poucas mãos — afirmou Holzmann. Mas nenhum dos oito rivais de Bachelet conseguiu ofuscar a ex-presidente, que hoje deverá dar o primeiro passo na construção de um novo governo socialista no Chile.
Fonte: O Globo
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