domingo, 17 de novembro de 2013

Ecos do Mensalão - Ex-diretor do BB foge para a Itália; Delúbio se entrega

Dirceu, Genoino e Valério e mais 8 réus já se encontram em presídio de Brasília

Um mensaleiro foragido

Pizzolato, ex-dir etor do BB, deixou o país pela fr onteira com o Paraguai há 45 dias, e está na Itália

Frederico Goulart, Clarissa Pains e André de Souza

RIO e BRASÍLIA- O ex -diretor de Marketing do Banco do Brasil Henrique Pizzolato , condenado a 12 anos e sete meses de prisão , está for agido na Itália. O delegado Marcelo Nogueira, da Polícia Federal, disse ter sido informado pelo advogado Marthius Lobato de que Pizzolato deixou o país clandestinamente, há cerca de 45 dias, pela cidade de Pedro Juan Caballero, no Paraguai.

De lá , ele teria ido para Assunção, capital do país. Pizzolato é o único dos 12 condenados do mensalão que tiveram a prisão decretada que não se apresentou à Polícia Federal. Pizzolato , que também tem cidadania italiana, estava com seus dois passaportes , o brasileiro e o da comunidade europeia, retidos há cerca de um ano, por ordem do Supremo Tribunal Federal. Desde então , segundo o delegado, seu nome constava da lista de procurados e impedidos de deixar o país, que é checada nos aeroportos e postos de fronteira.

O delegado informou que a PF já pe-diu ajuda à Interpol, polícia internacional, para localizar Pizzolato . O nome do mensaleiro está na Difusão Vermelha da Interpol, que é consultada por todas as polícias do mundo. Para Nogueira, a hipótese mais provável é que Pizzolato tenha obtido no Paraguai novo passaporte europeu, para poder viajar à Itália. —A Interpol já foi acionada.

O nome e as fotos de Pizzolato já circulam na lista de foragidos da instituição. É preciso contar com a ajuda das autoridades italianas nas buscas. No entanto, é importante lembrar que, já na Itália, o ex-diretor poderá solicitar asilo político — explicou o delegado. Agora, de acordo com o delegado, cabe ao Ministério da Justiça pedir a extradição judicial do condenado.

Anteontem, agentes da PF chegaram a procurar Pizzolato em dois endereços no Rio. O advogado dele chegou a informar que o ex-diretor de Marketing iria se entregar ontem ao meio-dia na sede da PF , em Brasília. Um pouco antes da hora combinada, Marthius Lobato divulgou uma carta em que Pizzolato alega que foi vítima de injustiça no STF e diz que, aproveitando a dupla cidadania, vai apelar para novo julgamento italiano .

“Por não vislumbrar a mínima chance de ter julgamento afastado de motivações político-eleitorais, com nítido caráter de exceção, decidi consciente e voluntariamente fazer valer meu legítimo direito de liberdade para ter um novo julgamento, na Itália, em um tribunal que não se submete às imposições da mídia empresarial, como está con-sagrado no tratado de extradição Brasil e Itália”, diz Pizzolato na carta.

Pizzolato: 4 meses na itália, em 2012
Em 2012, Pizzolato já tinha dado sinais de que poderia fugir do país. Ele levantou um alerta na Polícia Federal, no Supremo Tribunal Federal e no então procurador-geral da República, Roberto Gurgel, por ter deixado o Brasil rumo à Itália, durante o julgamento, sem avisar . As autoridades brasileiras apenas sentiram sua falta três meses após sua viagem.

Ele acabou regressando em outubro daquele ano, após quatro meses de inquietação sobre a possibilidade do então réu não retornar ao Brasil. Ontem, o STF não confirmou se Pizzolato havia entregue ou não seu passa-porte italiano. Joaquim Barbosa, que estava no Rio, não deu entrevistas para falar sobre o assunto.

O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, já começou preparar um pedido para ser apresentado ao Supremo Tribunal Federal na tentativa de garantir a prisão de Pizzolato. Janot, que não gosta de antecipar as ações que faz, analisa as medidas jurídicas que poderia utilizar . A princípio, um pedido de extradição não estava nos planos do chefe do Ministério Público Federal.

Como Pizzolato também tem nacionalidade italiana, isso poderia ser utilizado pelo governo daquele país para rejeitar o pedido das autoridades brasileiras. O tratado de extradição entre Brasil e Itália faculta ao país negar pedido de extradição se o alvo é pessoa com nacionalidade local, caso de Pizzolato. De acordo com o tratado, uma das alternativas é o governo pedir a prisão do condenado na Itália para que seja processado naquele país, alternativa defendida justamente por Pizzolato .

“Quando a pessoa reclamada, no momento do recebimento do pedido , for nacional do Estado requerido , este não ser á obrigado a entregá-la, Neste caso , não sendo concedida a extradição , a parte requerida (o governo da Itália), a pedido da parte requerente (o Brasil), submeter á o caso às suas autoridades competentes, para eventual instauração de procedimento penal. Para tal finalidade , a parte requerente deverá fornecer os elementos úteis.

A parte requerida comunicará sem demora o andamento dado à causa e, posteriormente , a decisão final”, diz o tratado . No caso de um pedido de extradição, o trâmite burocrático começa com a requisição judicial que deve ser feita pelo STF ao Ministério da Justiça. O Supre-mo precisa mandar toda a documentação para o Departamento de Estrangeiros, que analisa o pedido e repassa ao Itamaraty. Caberá à embaixada do Brasil em Roma adotar as medidas para ingressar com o pedido de extradição e prisão preventiva de Pizzolato

STF pediu passaporte estrangeiro
Em decisão tomada em 7 de novembro de 2012, Barbosa determinou que os 25 ré us condenados no julgamento do mensalão teriam 24 horas para entregar os seus passaportes, inclusive os “obtidos em razão de dupla ou múltipla nacionalidade, ou seja, emitidos por estados estrangeiros”.

Também decretou a “proibição de ausentar-se do país, sem prévio conhecimento e autorização do Supremo Tribunal Federal”. No Rio, segundo o porteiro do prédio onde Pizzolato morava, em Copacabana, há cerca de dois meses o ex-diretor saiu de madrugada com uma mala e desde então não é visto no edifício. Ele diz ainda que, cerca de duas semanas atrás, a esposa dele saiu também de madrugada com duas malas e não foi mais vista no local.

O advogado de Pizzolato , que foi ontem ao apartamento de Copacabana, confirmou que o ex -diretor do Banco do Brasil está na Itália. Segundo ele, a decisão de Pizzolato deixar o Brasil não foi discutida entre eles e teria sido uma opção pessoal de Pizzolato . —Minha participação nesse caso se encerrou a partir do momento em que ele foi julgado e condenado .

Agora, ele é meu ex -cliente — disse, acrescentando que só soube da viagem de Pizzolato ontem . Na carta divulgada ontem , Pizzolato critica em vários momentos a imprensa e destaca que sua decisão levou em conta o que considerou “conduta agressiva” ao não permitir que tivesse um julgamento por uma corte diferente . Desde o início do processo , Pizzolato afirmava que Barbosa escondia o fato de que o dinheiro do Visanet se tratava de recurso privado e não tinha origem pública. (Colaboraram Waleska Borges e Thayna Rodrigues)

Itália negou extradição de Salvatore Cacciola
A fuga para a Itália de Henrique Pizzolato, já condenado pelo Supremo Tribunal Federal, não é novidade para a Justiça brasileira. Em 2000, após obter habeas corpus provisório no STF, o ex-banqueiro ítalo-brasileiro Salvatore Cacciola, condenado no Brasil a 13 anos de prisão por crimes financeiros, seguiu para a Itália, onde ficou foragido por quase seis anos.

Depois que o habeas corpus foi revogado, Cacciola, que já estava em solo italiano, decidiu não voltar ao país. Na época, o governo italiano negou o pedido de extradição feito pelo Brasil com a argumentação de que a Justiça brasileira costuma negar a extradição de cidadãos brasileiros. Em 1997, o STF recusara a extradição de Karam Nagib, um libanês naturalizado brasileiro que tivera a prisão decretada por um juiz de Palermo, na Itália, por envolvimento com o tráfico de drogas.

Em Roma, Cacciola ficou até 2007, protegido da extradição por sua dupla cidadania. Existia contra ele ordem de extradição que se aplicava em qualquer outro país europeu, fora a Itália. Foi preso em setembro de 2007, quando foi visitar a namorada no principado de Mônaco. Ogoverno brasileiro entregou o pedido de extradição um mês depois de sua prisão, mas a defesa de Cacciola manobrou para tentar impedir sua vinda para o Brasil, com recursos na Justiça de Mônaco, na Corte Europeia de Direitos Humanos e até mesmo no Comitê contra a Tortura da ONU.

De volta ao Brasil, após dez meses preso em Mônaco, Cacciola passou três anos e 11 meses no Complexo Penitenciário de Gericinó, em Bangu, de onde saiu em liberdade condicional em agosto de 2011.

Brasil negou extradição de Battisti para Itália
Em 2010, foi o então presidente Lula quem negou a extradição, pedida pela Itália, do ex-ativista Cesare Battisti. Integrante do grupo Proletários Armados pelo Comunismo, Battisti é considerado culpado pelo assassinato de quatro pessoas (um militante, um carcereiro, um policial e um joalheiro) e foi condenado à prisão perpétua pela Justiça da Itália, em 1988. Em 2004, ele fugiu para o Brasil. Em 2007, ele teve a prisão preventiva decretada e foi transferido, do Rio, onde morava, para a Penitenciária da Papuda, em Brasília.

Ele teve, então, reconhecida a condição de refugiado político pelo Ministério da Justiça brasileiro. Em 2010, o Supremo Tribunal Federal (STF) aprovou o parecer do relator, Gilmar Mendes, favorável à extradição de Battisti, mas com recomendação de que a decisão final fosse dada pelo presidente da República, o que ocorreu sete meses depois: no último dia de 2010, Lula seguiu oparecer da Advocacia Geral da União (AGU), negando a extradição, sob a alegação de que isto agravaria a situação do italiano.

Em 2011, a defesa pediu que o ex-ativista fosse solto. E o governo italiano contestou a decisão, apelando por uma revisão da presidente Dilma Rousseff. No fim de 2011, o Supremo voltou a discutir o caso: por 6 votos a 3, decidiu por sua libertação. Logo em seguida, ele deixou a Penitenciária da Papuda, onde estava desde 2007. Ele permanece no país, onde se tornou escritor. O caso gerou rusgas diplomáticas entre os dois países. A Itália insistiu, durante todo o tempo, que Battisti tinha que cumprir pena em seu país, onde fora condenado.

Transcrição
‘Liberdade para ter novo julgamento’
A seguir, a íntegra da carta de Henrique Pizzolato: "Minha vida foi moldada pelo princípio da solidariedade que aprendi muito jovem quando convivi com os franciscanos e essa base sólida sempre norteou meus caminhos. Nos últimos anos minha vida foi devassada e não existe nenhuma contradição em tudo que declarei quer seja em juízo ou nos eventos públicos que estão disponíveis na internet.

Em meados de 2012, exercendo meu livre direito de ir e vir, eu me encontrava no exterior acompanhando parente enfermo quando fui mais uma vez desrespeitado por setores da imprensa. Após a condenação decidida em agosto retornei ao Brasil para votar nas eleições municipais e tinha a convicção de que no recurso eu teria êxito, pois existe farta documentação a comprovar minha inocência. Qualquer pessoa que leia os documentos existentes no processo constata o que afirmo.

Mesmo com intensa divulgação pela imprensa alternativa — aqui destaco as diversas edições da revista Retrato do Brasil — e por toda a internet, foi como se não existissem tais documentos, pois ficou evidente que a base de toda a ação penal tem como pilar, ou viga mestra, exatamente o dinheiro da empresa privada Visanet. Fui necessário para que o enredo fizesse sentido. A mentira do "dinheiro público" para condenar. Todos. Réus, partido, ideias, ideologia.

Minha decepção com a conduta agressiva daquele que deveria pugnar pela mais exemplar isenção é hoje motivo de repulsa por todos que passaram a conhecer o impedimento que preconiza a Corte Interamericana de Direitos Humanos ao estabelecer a vedação de que um mesmo juiz atue em todas as fases de um processo, a investigação, a aceitação, e o julgamento, posto a influência negativa que contamina a postura daquele que julgará. Sem esquecer o legítimo direito moderno de qualquer cidadão em ter garantido o recurso a uma corte diferente, o que me foi inapelavelmente negado.

Até desmembrarem em inquéritos paralelos sigilosos para encobrir documentos, laudos e perícias que comprovam minha inocência, o que impediu minha defesa de atuar na plenitude das garantias constitucionais. E o cúmulo foi utilizarem contra mim um testemunho inidôneo. Por não vislumbrar a mínima chance de ter julgamento afastado de motivações político-eleitorais, com nítido caráter de exceção, decidi consciente e voluntariamente fazer valer meu legítimo direito de liberdade para ter um novo julgamento, na Itália, em um tribunal que não se submete às imposições da mídia empresarial, como está consagrado no tratado de extradição Brasil e Itália.

Agradeço com muita emoção a todos e todas que se empenharam com enorme sentimento de solidariedade cívica na defesa de minha inocência, motivadas em garantir o estado democrático de direito que a mim foi sumariamente negado”

Fonte: O Globo

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