- O Globo
As diversas facções em que se divide a esquerda brasileira aliada ao governo petista estão atônitas com a chegada ao Ministério do segundo mandato de Dilma de Joaquim "mãos de tesoura" Levy, que pretende, como anunciou ontem em linguagem diplomática, colocar ordem na bagunça em que se encontra a economia nacional.
Num primeiro momento, correntes diversas uniram-se para tentar barrar a nomeação, sob o argumento fantasioso de que ela ia de encontro ao modelo econômico que fora vitorioso nas urnas. Como se a presidente Dilma, reeleita por estreita margem, tivesse perdido a noção de que era a grande vencedora das eleições de outubro e, do nada, tivesse escolhido um ministro da Fazenda para fazer tudo ao contrário do que defendia no seu primeiro mandato.
Como se o próprio Lula, que batalhou para nomear Luiz Trabuco, o presidente do Bradesco, para o Ministério da Fazenda, tivesse perdido a sanidade da noite para o dia. O que esse pessoal não quer enxergar, e que Dilma foi obrigada a entender, é que a vitória eleitoral do PT em outubro não correspondeu a uma vitória política, pois forjada à base do abuso da máquina pública e mentiras, sejam as divulgadas pela propaganda eleitoral, ou as espalhadas em diversas formas pelo país para amedrontar os menos informados.
Da mesma forma que Collor espalhava em 1989 que Lula confiscaria a poupança dos brasileiros, para depois fazer ele mesmo o que criticava no adversário, também hoje estamos vendo o governo Dilma anunciar "medidas impopulares" que seriam a base do governo de seu adversário "neoliberal".
Os que assinaram o tal manifesto contra a nomeação do economista Joaquim Levy para a Fazenda acreditam piamente que banqueiros roubam comida dos pratos dos pobres, e se chocaram com a decisão de colocar o Bradesco no lugar do Itaú na Fazenda, e de ter um colaborador de Arminio Fraga em seu lugar.
Quem, ao que tudo indica, já desconfiava do que seu marqueteiro dizia era a própria Dilma, insegura de suas próprias convicções que na prática deram errado, e talvez por isso se enrolasse toda quando tentava explicar alguma coisa. Provavelmente, nem mesmo o próprio João Santana acreditasse no que seus filmetes mostravam, já que ele confessadamente diz que não lida com conceitos como verdade, mas com a percepção do cidadão.
O fato é que, acreditando ou não no que defendia, Dilma viu-se obrigada a dar um salto triplo carpado para tentar recuperar a credibilidade de um governo que termina seu primeiro mandato com os piores indicadores econômicos de todos os tempos de nossa República, salvo dois outros governos, um deles o do próprio Collor.
E a nova equipe econômica pontuou em sua apresentação o que talvez seja a chave para o entendimento do que está acontecendo: ter uma economia saudável é bom para as famílias brasileiras e garante a manutenção dos avanços sociais conquistados.
O que estava sendo ameaçado com a performance dos últimos anos era justamente a joia da coroa petista, os programas sociais, que agora serão garantidos por uma política econômica que os petistas chamam de "neoliberal", mas que na verdade é apenas sensata e equilibrada, que usa o mercado privado para ajudar o governo a atingir metas que, sozinho, ele não conseguiu nos últimos quatro anos e nem conseguiria nos próximos quatro, mantidas as premissas que vigoravam e que foram formalmente rejeitadas pela nova equipe econômica.
Talvez constatando que espernear não levará a nada, o futuro ex-ministro Gilberto Carvalho, que já tem até substituto no próprio PT no Planalto, tentou, ele sim, dar um salto triplo carpado para encontrar uma explicação que não deixassem mal os petistas revoltados.
Disse Carvalho que, ao contrário do que parece, é Levy quem está aderindo ao projeto petista. Por esse estranho raciocínio, o mesmo economista que já trabalhou no 1º governo Lula e era execrado pelos petistas, assim como outros do mesmo grupo, como Murilo Portugal e Marcos Lisboa, teria sido chamado de volta não por virtudes necessárias à mudança de rumos, mas por aderir ao projeto que está para ser mudado.
Por essa lógica, Mantega pode perfeitamente substituir Levy no Bradesco, afinal, pensam de modo similar. O que estraga a tentativa de Carvalho de fingir que não houve mudanças de orientação econômica é o estranho caso de um ministro nomeado para um governo de continuidade ser da equipe de transição desse mesmo governo, formalizando a mudança de postura.
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