No entanto, na medida em que permanece abstrata, o que depõe em favor de uma alternativa política bem fundamentada é apenas sua força capaz de criar perspectivas – ela mostra um objetivo político, mas não o caminho daqui para lá. Os obstáculos visíveis presentes nesse caminho apoiam uma avaliação pessimista da capacidade de sobrevida do projeto europeu. É a combinação de dois fatos que tem de inquietar os defensores do “Mais Europa”.
De um lado, a política de consolidação (nos moldes do “freio às dívidas”) visa instaurar uma constituição econômica europeia que estabeleça “regras iguais para todos” e que deve permanecer subtraída à formação democrática da vontade. Ao desacoplar desse modo os encaminhamentos tecnocráticos, plenos de consequências para os cidadãos europeus em seu todo, da formação da opinião e da vontade nas esferas públicas e parlamentos nacionais, essa política desvaloriza os recursos políticos desses cidadãos, os quais têm acesso apenas às suas arenas nacionais. Por conta disso, a política para a Europa se torna cada vez mais intangível.
Essa tendência de autoimunização é reforçada, por outro lado, pela circunstância fatal de que a ficção preservada da soberania fiscal dos Estados membros direciona a percepção pública da crise para uma direção falsa. A pressão dos mercados financeiros sobre os orçamentos públicos politicamente fragmentados promove uma autopercepção coletivizada das populações atingidas pela crise – a crise instiga os “países credores” e os “países devedores” uns contra os outros, atiçando o nacionalismo.
Wolfgang Streeck chama a atenção para esse potencial demagógico: “Na retórica da política internacional da dívida, as nações concebidas de maneira monística aparecem como atores morais totalizados com responsabilidade comunitária. Relações de classe e de dominação internas permanecem fora de consideração” (p. 134).* É assim que se reforçam mutuamente uma política de crise, que se mune da posição constitucional, imunizando-se dessa maneira contra as vozes críticas, e a percepção recíproca dos “povos”, distorcida nas esferas publicas nacionais.
Esse bloqueio só poderá ser rompido se os partidos europeus se reunirem, para além dos próprios países, em campanhas contra essa falsificação que transforma questões sociais em questões nacionais. O enunciado segundo o qual “na Europa ocidental de hoje o nacionalismo não é mais o maior perigo, já nem mesmo o alemão” (p. 256), eu o considero politicamente imbecil. Apenas o medo dos partidos democráticos quanto ao potencial da direita pode explicar para mim a circunstância de que, em todas as esferas publicas nacionais, faltam lutas de opinião acesas por alternativas políticas corretamente colocadas. As confrontações sobre o rumo político no núcleo europeu só são esclarecedoras, e não apenas sublevadoras, se todos os lados confessam que não há alternativas sem riscos ou sem custos.
Em vez de abrir falsas frentes ao longo das fronteiras nacionais, a tarefa dos partidos e dos sindicatos seria distinguir os perdedores e os ganhadores com a superação da crise segundo os grupos sociais que são mais ou menos onerados, independentemente de suas nacionalidades.
Os partidos de esquerda europeus estão prestes a repetir seu erro histórico do ano de 1914. Também eles se dobram por medo da propensão ao populismo de direita presente no centro da sociedade. Fora isso, na Alemanha, uma paixão midiática indescritivelmente devotada a Angela Merkel corrobora todos os interessados em não começar pelo ferro quente da política para a Europa na campanha eleitoral e em cooperar no jogo habilmente ruim de Merkel de não tocar no tema. É por isso que se deseja êxito à "alternativa em prol da Alemanha".
Eu espero que ela consiga forçar todos os outros partidos a despir-se de suas capas invisíveis em relação à política para a Europa. Nesse caso, depois da eleição para o Bungdestag, poderia surgir a oportunidade de que delineie, como um primeiro passo impreterível, uma "grandíssima coalizão. Pois, dada a situação das coisas, é somente a República Federal da Alemanha que poderia tomar a iniciativa para um projeto tão adverso.
(Abril de 2013).
*. Streeck, Gekaufte Zeit. Die vertagte Krise des demoktischen Kapitalismus. Frankfurter
Adorno-Verlesungen 2012.
[Cf. J. Habermas, Democracia ou capitalismo? Da miséria de uma sociedade mundial fragmentada pelos Estados nacionais e integrada pelo capitalismo, in J. Habermas, Na esteira da tecnocracia, S. Paulo, UNESP, 2014].
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