• Governo não explicou como chegou à economia de R$ 18 bi
Valor Econômico
Quando assumiu o comando da economia, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, encontrou as contas públicas desarrumadas, no vermelho, e com grandes passivos a serem equacionados. É provável que somente dentro de algum tempo ele e o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, consigam ter clareza sobre todos os problemas que encontraram e como vão enfrentá-los. Não há dúvidas no mercado sobre a disposição de Levy e de Barbosa de entregar a meta de superávit primário de 1,2% do Produto Interno Bruto (PIB) para o setor público neste ano. Desde o início, no entanto, eles disseram que a transparência das ações do governo seria um elemento fundamental para ajudar a resgatar a credibilidade na área fiscal, vítima da famosa "contabilidade criativa" dos últimos anos.
O Valor passou todo o dia de ontem tentando esclarecer se as novas regras para o abono salarial, instituídas pela Medida Provisória 665/2014, valeriam para os pagamentos a serem realizados em 2015. Essa questão foi levantada pelo jornal "O Estado de S. Paulo", que publicou matéria informando que as modificações só seriam válidas a partir de 2016. Segundo a matéria, os pagamentos em 2015 serão feitos com base nas regras válidas até 2014. O jornal citou o presidente do Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), Quintino Severo, segundo quem, em 2015, será pago o direito adquirido em 2014.
O Valor solicitou esclarecimentos aos Ministérios do Planejamento, da Fazenda e, por fim, ao Ministério do Trabalho sobre essa questão e não obteve resposta. O jornal queria saber apenas qual é a regra válida para os pagamentos do abono salarial neste ano. Ou seja, se em 2015 só terão direito ao abono os trabalhadores que mantiveram vínculo formal por, no mínimo, 180 dias ininterruptos no ano anterior.
Além disso, se o valor do benefício passará a ser proporcional aos meses trabalhados, variando de meio salário mínimo para aqueles que trabalharam no mínimo seis meses a um salário mínimo para aqueles que trabalharam 12 meses. Essas regras foram estabelecidas pela MP 665. Antes da MP, o benefício era pago aos trabalhadores que mantiveram vínculo formal por um mês no ano anterior ao do pagamento. O valor do benefício era de um salário mínimo, independentemente do número de meses trabalhados.
Ter clareza sobre essa questão não interessa apenas aos milhões de trabalhadores que ganham até dois salários mínimos e têm o direito a receber o benefício. Ela é importante também para todos aqueles que acompanham a política fiscal do governo e querem saber como as contas da União serão fechadas neste ano e como o governo espera obter o superávit primário de 1,2% do PIB.
Ao anunciar as mudanças no seguro-desemprego, no abono salarial, na pensão por morte e no auxílio-doença, a área econômica estimou que haveria uma economia, já em 2015, de R$ 18 bilhões. O ministro do Planejamento informou, em entrevista à 'Folha de S. Paulo", que do total, R$ 9 bilhões resultariam das mudanças nas regras do seguro-desemprego, R$ 7 bilhões nas normas do abono salarial e R$ 2 bilhões por conta das alterações no benefício da pensão por morte e do auxílio-acidente. Se as novas regras para o abono salarial não valerem para os pagamentos a serem feitos em 2015, o governo não poderá contar com a economia de R$ 7 bilhões neste ano e, assim, o ganho fiscal com as medidas cairia para R$ 11 bilhões. Com isso, outras medidas terão que ser tomadas para compensar a redução.
Há falta de clareza também sobre a estimativa para o ganho com as mudanças do seguro-desemprego. Um estudo feito pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) estima que as alterações do seguro-desemprego resultem em uma economia para o governo de R$ 14,78 bilhões e não de R$ 9 bilhões como estimou a equipe econômica. Com as mudanças no abono, o Dieese projetou uma redução de R$ 8,45 bilhões na despesa. No total, apenas com o abono e o seguro-desemprego, a estimativa do Dieese é de que a economia será de R$ 23,2 bilhões.
O Dieese fez a sua análise para subsidiar os dirigentes sindicais que vão negociar as MPs 665 e 664 com o governo e com o Congresso. Os técnicos da entidade informaram que não sabem onde encontrar o detalhamento do cálculo que resultou na estimativa de R$ 18 bilhões de economia com as duas MPs. Como a diferença entre o que a equipe econômica projetou de ganho fiscal e o cálculo do Dieese é muito grande, é provável que o governo tenha deixado margem para ceder em alguns pontos durante as negociações.
Ontem, o governo divulgou que a arrecadação de tributos federais em 2014 apresentou uma queda real de 1,79% - a primeira desde 2009, quando a redução real foi de 2,96%. O péssimo desempenho da receita está diretamente relacionado com a estagnação da economia brasileira e com a elevada desoneração tributária executada no primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff. No ano passado, a Receita Federal estima que as desonerações ficaram em R$ 104 bilhões, contra R$ 78,6 bilhões em 2013.
O baixo crescimento reduziu a lucratividade das empresas. Com isso, a arrecadação do Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) caiu 4,58% no ano passado, em comparação com 2013. A atividade em desaceleração reduziu, igualmente, a receita do PIS e da Cofins, que caiu 3,47% em termos reais.
O resultado da arrecadação carrega duas más notícias para a nova equipe econômica. A primeira é que a receita do IRPJ e da CSLL tende a ser ruim também neste ano, pois ela irá refletir a baixa lucratividade e os prejuízos das empresas em 2014. A segunda é que o resultado do ano passado só não foi pior por causa de uma receita extraordinária de R$ 24,9 bilhões, proveniente, principalmente, de pagamentos de débitos tributários que foram parcelados em condições vantajosas, com redução de multas e juros. Isto significa que o governo terá que contar também com receitas extraordinárias neste ano para fechar suas contas e alcançar a meta fiscal.
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