A rigor, a presidente Dilma Rousseff não precisaria ter-se dado ao trabalho de discursar na abertura da primeira reunião ministerial do segundo mandato. Bastaria ter distribuído à imprensa cópias de seu pronunciamento de posse e teria poupado o distinto público de 40 minutos de uma arenga que só serviu para confirmar o que todo mundo já sabe: ela não tem nada de novo a dizer.
Talvez a única diferença entre a fala presidencial de agora e a da solenidade de posse no Congresso Nacional tenha sido a preocupação de dar grande ênfase, mediante repetições exaustivas, à ideia de "gestão petista", que abrange 12 anos desde a primeira posse de Lula, em vez de se concentrar nos 4 anos do primeiro mandato da reeleita. Foi o recurso a que Dilma recorreu para poder se vangloriar, por exemplo, de que "nos últimos 12 anos, foram gerados 20,6 milhões de empregos formais". É claro que não entrou em detalhes sobre a qualidade desses empregos medida pelo nível salarial, nem sobre o fato de que os 396 mil empregos criados em 2014 representam uma queda de 64% em relação a 2013.
O grande problema que, de qualquer modo, tornaria missão quase impossível oferecer à Nação um projeto de governo consistente para os próximos 4 anos - afinal, imagina-se, este era o objetivo da reunião ministerial - é o fato de que Dilma Rousseff e seus associados estão mergulhados até o pescoço numa incômoda contradição. Acostumados à gastança, austeridade é a palavra de ordem para toda a equipe do governo daqui para a frente: "Estamos diante da necessidade de promover um reequilíbrio fiscal para recuperar o crescimento da economia o mais rápido possível, criando condições para a queda da inflação e da taxa de juros no médio prazo e garantindo, assim, a continuidade da geração de emprego e da renda". Tais palavras saíram obviamente remoídas.
Promover "reequilíbrio" fiscal só é necessário quando existe desequilíbrio. Só se pode "recuperar" o que se perdeu - no caso, o crescimento da economia. E só se fala em "queda da inflação e da taxa de juros" quando ambas estão altas. Já a "continuidade" da geração de empregos é hoje um exercício de imaginação. Colocar essas questões essenciais nesses termos é o mais perto que, em sua estupenda soberba, Dilma Rousseff consegue chegar de uma autocrítica. Afinal, todos os problemas citados são realizações de seu governo.
A grande contradição resulta de que, para o petismo, austeridade e conquistas sociais são incompatíveis. E Dilma, a seu modo, admitiu isso ao argumentar que é preciso mudar: "Nós absorvemos a maior parte das mudanças (...) no cenário econômico e climático em nossas contas fiscais para preservar o emprego e a renda. Nós reduzimos nosso resultado primário para combater os efeitos adversos desses choques sobre nossa economia e proteger nossa população".
O discurso populista da preservação "a qualquer custo" das conquistas sociais é tão essencial ao "governo dos trabalhadores" - como definiu a presidente em seu pronunciamento - que Dilma simplesmente não admite que a nova política de austeridade implicará, necessariamente, reduzir alguns benefícios trabalhistas, como já foi feito com o seguro-desemprego, o abono salarial, a pensão por morte e o auxílio-doença. Para a presidente, trata-se apenas de "adequar", com medidas de caráter "corretivo", os benefícios trabalhistas "às novas condições socioeconômicas do País". Não se deu ao trabalho de explicar quais são essas "novas condições". Nem quem as produziu nem por quê.
Outro ponto a destacar na fala presidencial é, também, uma enormidade. Tratando do escândalo da Petrobrás, aquele com o qual ela não tem nada a ver, Dilma saiu em defesa das empreiteiras que se acumpliciaram com lideranças políticas e seus operadores para sangrar a maior estatal brasileira:
"Nós devemos punir as pessoas e não destruir as empresas. As empresas, elas são essenciais para o Brasil". São palavras surpreendentes para quem, há menos de um mês, jurou solenemente respeitar e fazer respeitar as leis do País. Pois está em vigor a Lei Anticorrupção, sancionada por ela mesma, que pune empresas delinquentes assim como pessoas físicas criminosas. Ao pregar a impunidade, a presidente Dilma Rousseff escolhe claramente de que lado quer ficar: do lado oposto da lei e contra a gente honesta deste país.
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