Como raio em céu azul, a decisão do presidente em exercício da Câmara dos Deputados, Waldir Maranhão (PP-MA), de anular a votação do pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff, acrescentou o rocambolesco a um processo cheio de surpresas. O ato de Maranhão, que votou contra o impedimento de Dilma, ameaçou atrapalhar os planos da maioria dos políticos, que já davam como desimpedido o caminho para retirar a presidente do cargo por 180 dias na quarta-feira, data prevista para o plenário votar pela aceitação ou rejeição do pedido aprovado pela Câmara.
Nervosos, os investidores fizeram o dólar dar um salto de quase 5% e derrubaram os preços das ações, mas ambas as cotações se acomodaram ao longo do dia. As dúvidas legais sobre a validade e alcance do ato de Maranhão dominaram as reuniões em Brasília e investidores desde perto do meio-dia, quando o presidente em exercício da Câmara anunciou sua intenção. A conclusão do imbróglio foi a de que tudo poderia acontecer - inclusive nada. De concreto, foi demonstrada mais uma vez a intenção da Advocacia Geral da União (AGU) de tentar até a última hora evitar o desfecho desfavorável ao governo. Maranhão se reuniu no fim de semana com José Eduardo Cardozo e com o governador de seu Estado, Flávio Dino (PCdoB), antes de intranquilizar o Congresso com suas palavras.
O parecer da AGU enviado à Câmara menciona argumentos, acatados por Maranhão, para refazer a votação (367 deputados a favor e 137 contra), realizada em 17 de abril. Um dos principais motivos alegados é que o artigo 23 da lei 1979/50, ao definir o ritual para a votação dos crimes de responsabilidade do presidente da República, determina que, encerrada a discussão do parecer, a votação nominal deverá se seguir sem "questões de ordem ou encaminhamento da votação". Segundo Cardozo, "a despeito de ser proibida, a orientação partidária aconteceu". A AGU considera também, e Maranhão com ela, que a mesma lei veda o fechamento de questão pelos partidos na votação do impeachment. Cardozo disse ontem, em entrevista, que o processo de impeachment, como conduzido até agora, fere os preceitos estabelecidos pela Corte Interamericana de Direitos Humanos.
Em tese, ainda que prevalecesse a decisão de Maranhão, o resultado final não seria alterado, apenas adiado por alguns dias. Quase não há dúvidas de que o placar na Câmara continuaria registrando dois terços a favor do impedimento, maioria que ainda não está delineada no Senado, que julgará a presidente. Mas a anulação da votação ampliaria o desgaste dos partidos que querem destituir Dilma. Em um processo que segue um ritmo apressado e tem contra si a artilharia do governo qualificando-o de "golpe", máculas nos procedimentos reforçariam ainda mais essa impressão, coadjuvada pelo fato de que pedaladas fiscais não são um assunto de imediata compreensão para o cidadão e também o de que muitos dos que querem que Dilma saia do poder terão contas sérias a ajustar com a Justiça em breve.
A intenção do governo de ganhar tempo e evitar o impeachment, porém, foi barrada pelo presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), que resolveu desconsiderar o ato de Maranhão, ao qual chamou de "brincadeira com a democracia". Renan disse que não devolverá os autos à Câmara e que a sessão de votação da aceitação do pedido de impeachment será feita na quarta-feira.
A questão, mais uma vez, baterá às portas do Supremo Tribunal Federal. O governo vai recorrer e senadores governistas contestarão a decisão do presidente do Senado. Em parecer sobre o mesmo assunto, um mandato de segurança do deputado petista Paulo Teixeira contra o fechamento de questão na votação da Câmara pelos partidos, o ministro Luiz Fux rejeitou o pedido afirmando que essa era uma questão interna da Câmara dos Deputados que não estava "sujeita ao controle judicial". Há, porém, uma lei disciplinando o assunto, o que significa que haverá mais discussão legal sobre o assunto.
Os recursos de última hora não mudaram até agora o rumo do processo, que dificilmente deixará de culminar com o afastamento da presidente Dilma. Há, porém, incertezas sobre se os desenrolar da Lava-Jato não interromperá o governo de Michel Temer. Há cada vez mais depoimentos apontando que dinheiro de propina das empreiteiras foi parar nas contas de campanha de Dilma, logo da chapa vencedora, em 2014.
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