Em um passo decisivo para garantir o que julga ser seu direito, a China entrou na segunda-feira, um dia após expirar o prazo para que fosse considerada "economia de mercado", com uma queixa na Organização Mundial do Comércio contra as fórmulas de cálculo para definir a prática de dumping. Após 15 anos, entende o governo chinês, muda o jogo das medidas antidumping contra seus produtos, aceitas até domingo pela organização. Em vez de a averiguação da lisura de seus preços de exportação ocorrer por meio de comparação com idênticos produtos de outros países, passará a ser feita em relação aos preços praticados no mercado doméstico. EUA e União Europeia, porém, negaram o status de economia de mercado à China e os europeus ainda criaram nova fórmula para esse fim. Se não houver acordo em 60 dias sobre isso com a China, abre-se um panel em que uma solução será definida, possivelmente válida para todos.
Esse é apenas o início do que pode se transformar em uma guerra comercial entre China e os principais países desenvolvidos. No caso americano, Pequim vem levando estocadas de Donald Trump antes mesmo dele assumir a Presidência dos EUA. Além de culpar os chineses pelos enormes déficits americanos e pela decadência industrial americana, Trump acusa a China de desvalorizar artificialmente sua moeda e "não seguir as regras do jogo". Trump prometeu sobretaxar as importações vindas da China, e, pior, rompeu um acordo de quatro décadas de diplomacia: conversou por telefone com a presidente da Taiwan, Tsai Ing-wen. Em seguida questionou a política de "uma só China", na qual os EUA não reconhecem Taiwan como legítima representante do povo chinês.
Quinze anos após ingressar na OMC, a China se tornou a segunda maior potência econômica do mundo - a segunda maior consumidora de produtos importados e a maior exportadora do planeta. Mas, apesar dos enormes avanços, é difícil encontrar quem seriamente acredite que sua economia é governada pelas leis de mercado. A formação dos preços domésticos e de suas exportações tem a interferência capilar do Estado seja no financiamento, no preço de insumos básicos como energia, numa rede invisível de subsídios, no protagonismo das empresas estatais que dominam o mercado, para não falar na taxa de câmbio controlada.
Não há transparência no sistema político chinês, uma ditadura partidária que intervém ativamente em todos os domínios da vida social. O que a China tenta agora com uma ação da OMC é que os demais países aceitem seu sistema econômico como ele é, com o ônus da prova para disputas em torno de práticas concorrenciais desleais recaindo sobre quem se sentir prejudicado. O país pretende usar seu enorme peso político e econômico nessa tarefa, em insinuação implícita de que grandes investimentos maciços da China e importações vultuosas poderão ser moeda de troca para que seus desejos sejam atendidos.
Os EUA não têm motivo algum para se dobrar à exigência de Pequim e na sexta-feira, colocou tarifas antidumping na importação de máquinas de lavar chinesas e abriu um processo para fazer a mesma coisa com madeira compensada vinda da China. A União Europeia prometeu ampliar a contenda e mudar a metodologia para avaliar dumping, incluindo mercadorias provenientes de países com "distorções significativas de mercado" ou "influência excessiva do Estado". É evidente que esse modelo não é talhado exclusivamente ao figurino chinês, e pode ser usado contra vários outros países, inclusive o Brasil.
Para a OMC, caberá a cada país dar seu veredito sobre o status chinês. Para o Brasil, que tem na China o seu segundo maior parceiro comercial e destino de 75% de suas exportações de soja e de metade das vendas externas de minério de ferro, uma definição imediata não é interessante. O Brasil, porém, é um dos que mais aplicam tarifas antidumping a produtos chineses e os produtores domésticos aceleraram seus pedidos de proteção antes de 11 de dezembro. A definição no âmbito da OMC deve estabelecer um norte para o tratamento da questão para os demais países. O regime chinês continua sendo um dos mais fechados do mundo nas regras que movem seu sistema financeiro, político e econômico e a aceitação de um status diferente, além de mistificador, seria claramente inconveniente. Resta ver a resposta da China a partir de agora ante novas medidas contra seus produtos - guerra comercial ou contemporização.
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