Por Vandson Lima e Fabio Murakawa – Valor Econômico
BRASÍLIA - Para evitar uma derrota em sua despedida do comando do Senado, o presidente Renan Calheiros (PMDB-AL) se rendeu a um acordo para empurrar para 2017 a votação do projeto que impõe penas mais duras para crimes de abuso de autoridade.
Em guerra com o Judiciário, Renan tentou, com articulações e manobras regimentais até o último momento, buscar meios para emplacar a medida. Até um projeto semelhante, de 1999, foi desenterrado para ficar como opção de votação. Mas, pressionados pela rejeição da opinião pública e de magistrados e procuradores, que veem a proposta como um revide a investigações como a Operação Lava-Jato, os senadores não aceitaram levar o texto a voto. Líderes de DEM, Rede, PPS, PV e PSDB haviam apresentado requerimento para retirar o pedido de urgência para votação do projeto, com grandes chances de prosperar.
Em uma saída considerada honrosa para Renan, líderes fizeram nos bastidores um acordo para remeter o projeto à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), onde serão realizadas novas sessões de discussão, mas apenas no próximo ano. Uma data para votação em plenário será posteriormente fixada.
"Não pode haver aqui nem vencedor nem vencido. Tenho muito apreço por vossa excelência. Por isso, sugiro que essa proposta volte à discussão na CCJ e vamos marcar outra data para votar", defendeu Agripino Maia (DEM-RN), sendo prontamente atendido pelo presidente. Há um outro motivo para Renan ter aceitado a costura: ele tem tratado com aliados da possibilidade de, deixando a presidência da Casa, ser ele próprio o próximo presidente da CCJ.
"Se não podemos modernizar uma lei, o que estamos fazendo aqui? O que é isso? Pressão do magistrado, pressão no aeroporto? O que somos, senadores acovardados?", questionara Roberto Requião (PMDB-PR), relator da proposta, instantes antes. "Essa recusa em discutir, por pressão da opinião pública, é uma vergonha", protestou.
Companheira de PMDB de Renan e Requião, Simone Tebet (MS) fez um dos discursos mais fortes contra o projeto. "Chegamos ao fim do ano legislativo, mas não pode ser o fim deste Senado e de nós. Estamos enxovalhados, na vala comum. Não podemos dar um tapa na cara a opinião pública".
Líder do PT, Humberto Costa (PE) era favorável à votação ontem e criticou senadores que, nos bastidores, defendem uma nova lei de abuso, mas não assumem publicamente. "Eu sei a quantidade de companheiros que me abordaram dizendo: 'era tão bom que votasse'. Agora, na hora de colocar a impressão digital aí, ficam torcendo para que os outros votem e ele vá fazer discurso [contra] depois no Facebook".
Durante o dia, Renan chegou a ensaiar um movimento ainda mais ousado: ele ignoraria o substitutivo elaborado por Requião e colocaria em pauta um projeto de lei de 1999, elaborado pelo poder Executivo e assinado pelo então ministro da Justiça, Nelson Jobim, que estava parado desde 2003.
No site do Senado, que mostra a tramitação dos projetos, consta que o PLC 65/1999 foi "encaminhado por solicitação" ontem, às 11h36, à Mesa do Senado. O texto havia sido arquivado em 2007.
A proposta defendia justamente que a lei de 1965 encontrava-se defasada "sob vários aspectos, dado o desenvolvimento político, social e jurídico do país". Anotava ainda que contemplava o acréscimo "de novos tipos de abuso de autoridade, consistentes em atentado à liberdade de manifestação de pensamento; à vida privada; a direitos e garantias constitucionais assegurados aos acusados".
A proposta previa ainda, tal qual o projeto patrocinado por Renan, sanções como detenção até dois anos e multa; perda do cargo e inabilitação para o exercício de função pública por três anos a quem incorrer em abuso de autoridade. Mas não foi levada em frente.
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