Liminar do ministro Fux considerou irregular tramitação na Câmara
As dez propostas do projeto anticorrupção terão de ser novamente apreciadas pelos deputados e, desta vez, serem analisadas como o texto original de iniciativa popular
Liminar do ministro Luiz Fux, do STF, anulou a votação da Câmara que desfigurou o pacote anticorrupção. Respaldado por dois milhões de assinaturas de cidadãos brasileiros, o texto inicial com dez medidas anticorrupção terá agora de tramitar como proposta de iniciativa popular. Fux afirma que houve “evidente sobreposição do anseio popular pelos interesses parlamentares ordinários”. No mesmo dia, o presidente do Senado, Renan Calheiros, tentou votar a proposta que define crimes de abuso de autoridade de juízes e procuradores, mas não conseguiu.
De volta à Câmara
Liminar de Fux, do STF, anula votação que desfigurou pacote anticorrupção; Maia critica decisão
Renata Mariz, Manoel Ventura Leticia Fernandes - O Globo
-BRASÍLIA- Uma liminar do ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou ontem a anulação da votação da Câmara dos Deputados que desfigurou o pacote das dez medidas anticorrupção, no início deste mês. Na decisão, Fux determina que o projeto, que já tinha sido encaminhado ao Senado, retorne à Câmara e comece a tramitar como uma proposta de iniciativa popular, respeitando o texto original apoiado por mais de duas milhões de assinaturas. Quando foi apresentado ao Legislativo, o projeto fora encampado por um grupo de deputados, e tramitou como se fosse uma iniciativa de parlamentares.
A liminar, que é um tipo de decisão provisória, foi assinada por Fux no mesmo dia em que o Senado tentava votar outra proposta que estabelece crimes de abuso praticados por magistrados e procuradores, sob a batuta do presidente, Renan Calheiros (PMDB-AL). Fux justificou o caráter emergencial da liminar pelo risco de os senadores decidirem apreciar, na mesma sessão, o projeto vindo da Câmara, por tratar de assunto semelhante. A decisão do ministro, porém, restringe-se ao pacote das dez medidas anticorrupção.
Fux proferiu a decisão em mandado de segurança protocolado pelo deputado Eduardo Bolsonaro (PSC-SP), que questionou a inclusão da emenda sobre o abuso de autoridade, tema estranho à essência da proposta popular, durante a votação no plenário da Câmara. O ministro foi além na liminar, ao decidir que toda a tramitação estava viciada, por não ter sido feita sob o procedimento estabelecido para projetos de iniciativa popular.
Segundo o ministro, neste caso ficam vedados “emendas e substitutivos que desfiguram a proposta original para simular apoio público a um texto essencialmente distinto do subscrito por milhões de eleitores” — embora não seja proibido que os parlamentares apresentem projetos próprios para serem apensados. Por isso, Fux determinou que a matéria retorne à Câmara, que deverá adotar o procedimento que o ministro considera correto para a tramitação de projetos de iniciativa popular.
O projeto teria que ter sido votado em Comissão Geral no plenário, com orador para defender o texto, entre outras regras.
Fux considerou também que houve ilegalidade na inclusão da proposta de abuso de autoridade porque o próprio STF “já entendeu ser vedada pela Constituição a prática de introdução de matéria estranha ao conteúdo da medida provisória no processo legislativo, por vulnerar o princípio democrático e o devido processo legislativo”. No caso de iniciativa popular, emendas estranhas ao tema afrontam ainda mais as matérias, que acabam distorcidas.
“Há apenas simulacro de participação popular quando as assinaturas de parcela significativa do eleitorado nacional são substituídas pela de alguns parlamentares, bem assim quando o texto gestado no consciente popular é emendado com matéria estranha ou fulminado antes mesmo de ser debatido, atropelado pelas propostas mais interessantes à classe política detentora das cadeiras no Parlamento nacional”, sustentou Fux, na liminar.
Para o ministro, ocorre “evidente sobreposição” dos desejos da população pelos interesses dos parlamentares, frustrando objetivo de projetos de iniciativa popular, que se “destinam a abrir à sociedade uma porta de entrada eficaz, no Congresso Nacional, para que seus interesses sejam apreciados e discutidos nos termos apresentados”. O ministro disse que, embora haja a possibilidade de projetos de iniciativa popular, nunca houve qualquer matéria discutida sob os ritos previstos desde a Constituição de 1988, porque parlamentares sempre adotam as propostas. Fux ressalvou, porém, que a decisão proferida não atinge leis já em vigor que não tenham respeitado o trâmite adequado. A Lei da Ficha Limpa é exemplo emblemático de norma nascida da coleta de assinaturas entre a população.
“Não há o que se falar em violação à segurança jurídica. Abrange apenas os projetos de lei ainda não publicados após sanção do presidente da República ou derrubada do veto, inclusive o projeto de lei impugnado no presente feito. Tratando de meros projetos, não configura mácula à segurança jurídica”, escreveu o ministro.
PARA RODRIGO MAIA, “INTROMISSÃO INDEVIDA”
Fux mandou ofício às mesas da Câmara e do Senado, “com urgência”, para informar sobre a decisão e evitar que o projeto fosse votado no Senado, além de pedir manifestação da Procuradoria-Geral da República (PGR). Em resposta a Fux, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse que, na lógica usada pelo ministro do STF, a Lei da Ficha Limpa também não deveria ter valor. Maia afirmou que a decisão é uma “intromissão indevida” do Judiciário no Poder Legislativo:
— Se o ministro Fux tem razão na liminar, significa que a Lei da Ficha Limpa não vale mais. A assessoria da Câmara está analisando e, infelizmente, parece-me uma intromissão indevida do Poder Judiciário na Câmara dos Deputados.
Maia disse que ainda hoje encaminhará uma resposta ao Supremo para explicar que não houve qualquer irregularidade na tramitação do pacote anticorrupção.
— O parlamentar tem a prerrogativa de apresentar emenda em qualquer projeto, de onde quer que ele venha. E o parlamentar sempre patrocina o projeto, como foi na Ficha Limpa. Então, se há irregularidades em um, há irregularidades no outro — afirmou.
Ele disse que tem admiração pelo ministro Fux, e que tem certeza que essa questão será superada, apesar de ter gerado perplexidade:
— Parece-me que fere um pouquinho o rito de votação da Casa, a prerrogativa do Parlamento de legislar, mas vamos ler com cuidado, porque Fux é um ministro que temos muito respeito e admiração e não queremos gerar nenhum conflito na relação da Câmara com o Poder Judiciário. Mas, de fato, nos gerou um pouco de perplexidade num primeiro momento.
Na liminar, Fux diz ainda que “ficam sem efeitos quaisquer atos, pretéritos ou supervenientes, praticados pelo Poder Legislativo em contrariedade à presente decisão”. Dessa forma, o ministro tentar blindar a decisão contra um eventual descumprimento por parte da Câmara ou do Senado. A decisão veio dias depois que o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), ignorou liminar do ministro Marco Aurélio Mello, que determinava seu afastamento do comando da Casa. A ordem acabou sendo derrubada pelo plenário do Supremo.
A DESFIGURAÇÃO DO PACOTE ANTICORRUPÇÃO
DAS DEZ MEDIDAS DO TEXTO-BASE, SALVARAM-SE APENAS DUAS
O QUE FOI RETIRADO DO PACOTE
ENRIQUECIMENTO ILÍCITO DE FUNCIONÁRIOS PÚBLICOS
Trecho retirado tornava crime o enriquecimento ilícito de funcionários públicos e previa o confisco dos bens relacionados ao crime
“REPORTANTE DO BEM” Um dos itens mais caros ao relator que ficou de fora previa a criação da figura do “reportante do bem” para incentivar o cidadão a denunciar crimes de corrupção em qualquer órgão, público ou não. Como estímulo, o texto previa o pagamento de recompensa em dinheiro para quem fizesse isso
PRESCRIÇÃO DE PENAS
Também foram derrubadas as mudanças para dificultar a prescrição de penas (quando o processo não pode seguir adiante porque a Justiça não conseguiu conclui-lo em tempo hábil)
“CONFISCO ALARGADO”
Com o objetivo de recuperar o lucro do crime, o texto previa o chamado “confisco alargado”, em casos como o de crime organizado e corrupção. O objetivo era impedir que o criminoso não tivesse acesso ao produto do crime, para que não continuasse a delinquir e também para que não usufruísse o produto do crime
ACORDOS ENTRE DEFESA E ACUSAÇÃO
Outro ponto que não passou foi o que permitia a realização de acordos entre defesa e acusação no caso de crimes menos graves, com uma definição de pena a ser homologada pela Justiça. O objetivo era tentar simplificar os processos
RESPONSABILIZAÇÃO DE PARTIDOS
O plenário rejeitou pontos do relatório que previam a responsabilização dos partidos políticos e a suspensão do registro da legenda por crime grave
O QUE PERMANECEU
VENDER VOTO
O eleitor que negociar seu voto ou propor a negociação com candidato ou seu representante em troca de dinheiro ou outra vantagem será sujeito a pena de reclusão de 1 a 4 anos e multa
CRIME HEDIONDO
Vários crimes serão enquadrados como hediondos se a vantagem do criminoso ou o prejuízo para a administração pública for igual ou superior a 10 mil salários-mínimos vigentes à época do fato. Incluem-se nesse caso peculato, inserção de dados falsos em sistemas de informações, a concussão, corrupção passiva e ativa e a corrupção ativa em transação comercial internacional Apesar de aprovado o texto foi modificado, veja como era: Aumentava a pena do estelionato (hoje de 1 a 5 anos de cadeia) para 2 a 8 anos. Seriam considerados hediondos quando a vantagem ou prejuízo para a administração pública fosse igual ou superior a cem salários-mínimos vigentes à época do fato
PROPOSTA SOBRE ABUSO DE AUTORIDADE INCLUÍDA APÓS EMENDAS AO PROJETO
A) Juízes e promotores
Responsabilização de magistrados e de membros do Ministério Público por atuação com motivação político-partidária
B) Divulgação de opinião
Proferir julgamento quando, por lei, deva se considerar impedido; e expressar por meios de comunicação opinião sobre processo em julgamento. Pena de reclusão de seis meses a dois anos e multa
C) Ministério Público
Instauração de procedimento “sem indícios mínimos da prática de algum delito” e a manifestação de opinião sobre processo pendente de atuação do Ministério Público. Mesma pena do caso de juízes e promotores
D) Acusação temerária
Prevê como crime a proposição de ação contra agente público ou terceiro beneficiário com ato classificado como “temerário”. A pena de detenção (que hoje é de seis a dez meses) será aumentada para seis meses a dois anos
E) Ação civil pública
Nas ações civis públicas “propostas temerariamente por comprovada má-fé, com finalidade de promoção pessoal ou por perseguição política”, a associação autora da ação ou o membro do MP será condenado ao pagamento de custas, emolumentos, despesas processuais, honorários periciais e advocatícios
Nenhum comentário:
Postar um comentário