segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

'Quem fala o que quer ouve o que não quer', diz Freire sobre Raduan Nassar

Marina Dias | Folha de S. Paulo (19/2/2017)

BRASÍLIA - Após o embate com Raduan Nassar na entrega do Prêmio Camões, o ministro da Cultura, Roberto Freire, afirmou à Folha que o governo "não poderia ficar calado" diante das críticas feitas pelo escritor brasileiro, que chamou a gestão peemedebista de "golpista" e "repressora". "Quem fala o que quer ouve o que não quer", disse Freire

Segundo o ministro, a entrega da maior honraria da literatura em língua portuguesa a um "adversário político" é prova de que o governo Temer "não é ilegítimo".

Freire afirmou ainda que as vaias que recebeu no evento vieram de "expressivos líderes do PT" que estavam na plateia, porém, não soube nomear nenhum deles. "Foi uma ação preparada e não só por um ou outro que participava do evento", declarou.

Procurado, Raduan Nassar não quis comentar as declarações desta entrevista.
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Folha - O escritor Raduan Nassar chamou o governo Temer de 'golpista' durante discurso na entrega do Prêmio Camões de Literatura? Por que o sr. resolveu responder a ele na hora?

Roberto Freire - Não tinha outra oportunidade. Não só pela deselegância, mas pelo tratamento que alguns petistas que estavam na plateia, agredindo e tentando me impedir de falar. Precisava mostrar a contradição de chamar de "golpista" o governo, com a liberdade que eles ali estavam, e ele sendo premiado por esse governo que é, para ele [Raduan Nassar], ilegítimo.

O prêmio foi concedido a Raduan 17 dias após Dilma Rousseff ser afastada pela abertura do processo de impeachment, em maio do ano passado.

Não importa, isso é irrelevante. Quem assinou, convidou e pagou o prêmio foi o governo que aí está. Se isso vinha do governo anterior é a demonstração de que o processo democrático implicava em cumprir aqueles compromissos anteriormente acordados. Se tivesse havido alguma ruptura, um regime ilegítimo ou golpista não iria patrocinar nem dar continuidade a esse patrocínio. O adversário político não significa alguém que tenha que sofrer represália. Não tinha como o governo que aí está não respeitar esse processo.

Por que uma cerimônia daquele tipo se tornou palco de disputa política?

Não foi de disputa política. Foi um palco eleitoral para os adeptos ao petismo. Fomos para agraciar alguém que estava recebendo um prêmio. Precisa ficar claro: aquilo foi um ato patrocinado e organizado pelo governo Temer.

O cerimonial inverteu a ordem do evento para que o sr. discursasse por último?

Não. O cerimonial cumpriu as normas. Como é evento patrocinado pelo MinC, quem encerra é, evidentemente, a maior autoridade do evento. Ele [Raduan Nassar] quis inverter. Querem subverter até isso?

O sr. já esperava um discurso de Raduan crítico ao governo?

Esperava, claro, porque quando Raduan quis inverter [a ordem do discurso], quando percebemos todas aquelas pessoas que lá estavam, era evidente que o discurso estava preparado, mas não imaginava que fosse naquele tom. Podia crítica, e é normal, mas é normal também a reação que eu tive que ter. Não disse que não é democrático, eu disse que é agressivo e deselegante e que transformou uma homenagem num episódio de palanque para a oposição ao governo. Ele imaginou que fosse falar e não teria resposta, tentando subverter o cerimonial, e que o governo ficaria calado. Há um ditado que eu prezo muito: "quem fala o que quer ouve o que não quer".

Não é a primeira vez que um ministro da Cultura de Temer é hostilizado. Marcelo Calero foi chamado de 'golpista' no festival de cinema de Petrópolis. A que o sr. credita esse tipo de reação?

Não vou discutir outros episódios, até porque isso, a cada dia que passa, menor impacto tem.

Mesmo que continue acontecendo?

A vida está começando a voltar ao rumo natural, a economia está voltando aos trilhos e esse processo vai virar pequenas páginas na história.

A nota do Ministério da Cultura afirma que o PT aparelhou órgãos públicos e organiza ataques para desestabilizar a democracia. Pretende fazer um pente-fino na estrutura do MinC?

O Ministério da Cultura percebeu isso com a presença de expressivos líderes do PT no evento.

Quais líderes?

Não vou estar citando, eu não sei. A nota percebeu que foi uma ação preparada e não só por um ou outro que participava do evento.

O senhor pretende fazer um pente-fino em órgãos ligados ao MinC para evitar esse aparelhamento?

Não estou preocupado com aparelhamento. A nota falou de aparelhamento ontem, no evento, e isso continuamos afirmando.

Durante a ditadura, manifestações de artistas eram essenciais para o debate político. O sr. acredita que isso mudou?

E daí? O que aconteceu ontem não é a livre expressão, é desrespeito. Houve respeito à crítica que foi feita [por Raduan ao governo] e a tentativa de impedir que eu falasse, mas não conseguiram.

O sr. acha que Raduan precisa devolver o prêmio de 100 mil euros?

Não me coloque numa situação de aconselhar e ditar normas a quem quer que seja. Isso é problema dele e da consciência dele.

Quais são as mudanças que o sr. pretende anunciar em relação à Lei Rouanet?

Na próxima semana vamos estar definindo essa nova instrução normativa que vai fixar limite. Não sabemos se vamos lançar antes ou depois do Carnaval, mas não posso antecipar nada senão cria problema, porque estamos em pontos cruciais da discussão.

Cineastas brasileiros estão preocupados com possíveis mudanças nos mecanismos de fomento ao audiovisual. A troca de gestão na Ancine pode prejudicar filmes menores?

Evidentemente que esse é um temor infundado. A mudança vai ser feita, vamos corrigir distorções mas vamos preservar aquilo que foi conquistado, além de aprimorar e avançar.

O ajuste fiscal promovido pelo governo prevê contingenciamento de verba para a cultura? Se sim, quais ações em curso seriam privilegiadas e quais ficariam em segundo plano?

Pode até ter [contingenciamento], mas tudo indica que há sinais de reversão do processo recessivo e de uma retomada de crescimento, então, a tendência é que não tenha. Em relação à cultura, o orçamento é muito baixo, então muda pouco. No governo Temer, tivemos até um pequeno aumento dos recursos, baixo, mas tivemos, baseado na PEC do Teto de Gastos Públicos.

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