- Valor Econômico
Não há previsibilidade no STF. Cada ministro atua a seu modo
O Supremo Tribunal Federal é uma instituição peculiar. A maioria das suas decisões, como mostra o Supremo em Números, uma publicação da FGV, são monocráticas. Em português corrente: são tomadas individualmente, por um ministro apenas. Decisões coletivas, após debate e deliberação, não são frequentes.
Com a morte de Teori Zavascki, os cidadãos brasileiros descobriram que a distribuição de tarefas entre os ministros é feita por sorteio. Não ficou inteiramente claro como trabalha o algoritmo que atribui relatorias. As probabilidades com que ministros são considerados não são as mesmas, mas a chance tem seu papel. Na Lava-Jato, a roleta retornou a pedra cantada e Edson Fachin herdou a relatoria.
Depreende-se que cabe à roda da fortuna distribuir relatorias de medidas cautelares e que, desta forma, coube ao algoritmo definir que Gilmar Mendes se pronunciaria sobre a nomeação de Lula e Celso de Mello sobre a de Moreira Franco.
Há de se convir que - não importa em qual dos lados você tenha se alistado nos últimos anos - Dilma teve menos sorte do que Temer. Ou não? Teria Celso de Mello autorizado a posse de Lula? Teria Gilmar Mendes negado a nomeação de Moreira Franco? Não há como saber ao certo. Teria sido mais interessante se a bolinha tivesse indicado o mesmo relator para os dois casos...
Dada a polarização vigente, provavelmente, as duas nomeações não são equiparáveis para boa parte dos eleitores. É o esperado. Cada um enxerga as coisas com seus olhos, com sua perspectiva política. O PPS e o PSDB questionaram a nomeação de Lula, mas não a de Moreira Franco. A Rede questionou o ato de Temer, não o de Dilma. O STF, contudo, como o "Guardião da Constituição" deveria ser capaz de se pronunciar com imparcialidade.
Os ministros, portanto, equipararam as duas nomeações. Em suas manifestações, centraram fogo nas consequências do ato: a obtenção do foro privilegiado. Aceitas as nomeações, Lula e Moreira Franco passariam a ter foro privilegiado, mesmo que esta não tenha sido a razão principal pela qual foram convocados pela e pelo presidente. Foi esta consequência que levaram em conta.
Lidos os votos e consideradas apenas as justificativas apresentadas, algo difícil de fazer dada a aridez proposital dos textos, compostos por um pomposo emaranhado de preliminares, remissões, citações e abuso do latim, conclui-se que Mello teria permitido a posse de Lula enquanto Mendes teria negado a de Moreira. Senão vejamos.
Mais fácil começar pelo voto de Celso de Mello. O decano parte da suposição da inocência do ato e da necessidade do denunciante comprovar que a nomeação visava trazer vantagem ao indicado. Esta presunção, contudo, acaba sendo desnecessária, porque o ministro veio a concluir que, mesmo que houvesse a intenção de conferir vantagens e proteção, a estratégia não surtiria o efeito desejado. A prerrogativa de foro, escreve Celso de Mello, "não confere qualquer privilégio de ordem pessoal a quem dela seja titular". Acrescenta: a nomeação não "importa em obstrução e, muito menos, em paralisação dos atos de investigação criminal."
Gilmar Mendes trilha caminho diametralmente inverso. Seu ponto de partida é de que, posto que resulta em "deslocamento da competência", "a simples nomeação, assim, como a renúncia, demonstram suficientemente a fraude à Constituição." A consequência e, independente da intenção, é suficiente para caracterizar o desvio de finalidade. Segundo o ministro "é muito claro o tumulto causado ao progresso das investigações pela mudança de foro. E 'autoevidente' que o deslocamento da competência é forma de obstrução ao progresso de medidas judiciais." O STF, reconhece o ministro, daria continuidade a tais medidas, mas não "sem atraso e desassossego."
As fundamentações e conclusões, portanto, independem dos casos específicos a que se aplicam. O que pesou, o que foi decisivo, foram os juízos diversos que os ministros fizeram sobre o Supremo. Celso de Mello fez uma profissão de fé em linha com seu discurso em homenagem ao colega falecido: ser denunciado no Supremo não é privilégio ou traz vantagens, quem viver verá. Mendes foi realista, não é assim que as coisas têm sido, quem viveu está vendo.
Ao longo da semana passada, os ministros Luís Roberto Barroso e Edson Fachin se pronunciaram sobre o foro privilegiado, alinhando-se com o diagnóstico realista de Gilmar Mendes, contraditando as promessas do decano da Corte. Ainda que não o tenham dito explicitamente, as declarações de ambos implicam admitir que Moreira Franco, junto com o cargo criado, ganhou a certeza da blindagem.
A favor do ministro Luís Roberto Barroso, registre-se que ele se pronunciou nos autos e que, além disto, buscou forçar uma decisão coletiva sobre a matéria. A estratégia do ministro, porém, tudo leva a crer, não surtirá efeito. Não é assim que as coisas funcionam no STF. As decisões individuais prevalecem e são ciosamente protegidas. O poder concentrado nas mãos de cada ministro é enorme e pode ser usado sem maiores limitações, como mostram os pedidos de vistas.
No caso das decisões que afetam o mundo político, sejam elas as relativas ao desenho institucional, sejam as que incidem sobre as investigações e suspeições que pesam sobre políticos específicos, não há previsibilidade. O STF não atua, atuam os ministros, cada um a seu modo e com suas inclinações.
Cabe ao Supremo o papel de guardião da Constituição. Difícil que desempenhe bem a função enquanto permanecer monocrático e aleatório.
*Fernando Limongi é professor do DCP/USP e pesquisador do Cebrap.
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