quarta-feira, 12 de abril de 2017

Trump eleva as apostas com política externa improvisada – Editorial | Valor Econômico

Mesmo para seus padrões rudes de governar e se relacionar com o mundo, o presidente Donald Trump se superou. Às vésperas de reunir-se na quinta-feira com Xi Jinping, presidente da China, ele voltou a tuitar críticas ao país e deixou claro, em entrevista ao Financial Times que se os chineses não convencessem o ditador coreano Kim Jong-un a parar de desenvolver armas nucleares e testar mísseis os EUA agiriam unilateralmente. Depois, em jantar com o líder da segunda maior economia do mundo, Trump serviu como sobremesa a notícia de que ordenara um ataque à Síria. E mal Xi Jinping virou as costas, porta-aviões dos EUA singraram no rumo da Coreia do Norte.

Os ataques à Síria e as ameaças à Coreia, porém, foram lances de risco calculado para desembaraçar seu governo em várias frentes. Trump traçou linha diferente da administração Obama, ao mostrar que não hesitará em fazer uso da força unilateralmente, quando e aonde julgar necessário. Colocou o presidente russo, Vladimir Putin, na defensiva na Síria, assim como aumentou a pressão sobre ele para que contenha e, de preferência, se livre do sanguinário ditador sírio Bashar Assad. Como subproduto importante dessa ação, diluiu parte das suspeitas de admiração e desejo de aproximação com a Rússia, que infernizam Trump desde antes de sua eleição. Por último, fez ofensiva sobre os chineses, que mantêm na Coreia um tirano cruel e imprevisível.

Mas ações têm consequências e talvez Trump não esteja preparado para elas. É certo que ele deu um primeiro passo de autoafirmação na política externa, mas há enormes e generalizadas dúvidas sobre se ele de fato sabe para aonde vai. Como ato isolado, os ataques não produzirão grandes mudanças na guerra civil síria. As pegadas da improvisação apareceram antes do ataque à Síria, com declarações de Trump e de seu secretário de Estado, Rex Tillerson, de que retirar Assad do poder não era prioridade americana. E, depois dos mísseis despencarem sobre uma base síria, a embaixadora americana na ONU, Nikki Haley, afirmou o contrário, que "não vemos uma Síria em paz com Assad no poder".

Parece claro que Trump constrói uma política externa ao sabor das circunstâncias e busca reorientar, após desorientar, seus principais assessores. O Conselho de Segurança Nacional está sendo expurgado de seus membros radicais, como o braço direito de Trump, Steve Bannon e, agora, a sub-conselheira Kathleen McFarland. Isso fortalece o poder do general Herbert McMaster, em um movimento que tenta resolver disputas entre os assessores mais graduados da Casa Branca. Bannon tem desavenças com o pragmático genro de Trump, Jared Kushner, com o qual se alinham Gary Cohn e Dina Powell, ambos ex-executivos do Goldman Sachs. Dina irá para o Conselho de Segurança no lugar de McFarland.

Os russos reagiram com raiva ao ataque à Síria e disseram que Trump pôs todo o trabalho de Putin a perder. Assad é refém da Rússia, que virou o rumo da guerra civil a favor do ditador. Após a conquista de Aleppo, com a irrestrita proteção da Rússia e o público desinteresse dos EUA, que diz só pretender combater o Exército Islâmico, Assad viu-se livre para agir por conta própria contra a oposição, da maneira costumeira: com ataques cruéis e indiscriminados, para aterrorizar a população civil. Uma mudança da política americana em direção a ejetar Assad do poder pode abrir caminho para uma negociação de acordo com os russos que não implique a desonra de um recuo de Putin. Sob Assad, a oposição só tem duas opções: rendição ou morte (e possivelmente as duas).

Mas os EUA até agora, não demonstraram interesse em uma escalada total contra Assad, o que envolveria colocar tropas no terreno, com o risco de um conflito de consequências imprevisíveis com a Rússia. Trump não disse qual será seu segundo passo.

A questão da Coreia do Norte é mais complicada. A destruição dos arsenais de Jong-un provocaria retaliação massiva contra a Coreia do Sul, que só poderia ser detida com investidas que no fim levariam à destruição do regime norte-coreano. A China não aceitaria um aliado americano em suas fronteiras - e uma solução que evite o uso da força passa pelos chineses, que até agora nada fizeram.

As ações militares americanas podem desestabilizar a Ásia e dilacerar ainda mais o mapa do Oriente Médio. Trump precisa ter um plano e um rumo definido - a ansiedade só cresce quando se desconfia que ele na verdade não tem nenhum dos dois.

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