No fim do governo Temer, proporção era de 30%. Criação de vagas foi acompanhada de achatamento salarial
Por Fernanda Trisotto / O Globo
BRASÍLIA - A falta de experiência e a pouca
idade fizeram com que Beatriz Pinheiro, de 20 anos, ficasse um ano procurando
emprego quando saiu de um programa de jovem aprendiz ao terminar o ensino
médio. Moradora de Planaltina, cidade-satélite de Brasília, ela demorou, mas
conseguiu um trabalho em 2020: operadora de caixa em um supermercado na capital
federal. O pagamento? Um salário mínimo.
Os R$ 1.212 que recebe por mês vão para
bancar as contas da casa que divide com o namorado. As maiores despesas são as
fixas — aluguel, água e luz — que ela não tem como deixar de pagar, para não
correr o risco de ter os serviços cortados. Mas o salário rende cada vez menos,
e trabalhando em um supermercado ela sente a pressão dos preços diariamente:
— Um dia você repara num produto que custa
R$ 10, mas na semana seguinte já está R$ 20 ou R$ 25. Tem mês que o salário dá
para bancar tudo, mas tem meses que preciso correr para o cartão de crédito.
Casos como o de Beatriz não são isolados: o Brasil é, cada vez mais, o país do salário mínimo. O total de profissionais brasileiros que ganham até o piso era de 27,6% dos trabalhadores no último trimestre de 2015 e foi a 30,09% no mesmo período de 2018, no fim do governo Temer.
Já em 2022, no primeiro trimestre, mesmo
considerando os efeitos da sazonalidade no mercado, a quantidade de
trabalhadores, formais e informais, que recebia até um salário mínimo chegou a
38,22% do total da força ocupada, segundo levantamento feito pelo economista
Lucas Assis, da Tendências Consultoria, a pedido do GLOBO.
Apenas no governo Bolsonaro esta
participação dos trabalhadores que ganham até o salário mínimo cresceu 8,2
pontos percentuais. Em números absolutos, são 36,415 milhões de pessoas, 8,3
milhões a mais que no fim do governo Temer.
Isso ocorreu tanto no emprego formal como
no informal. Entre os que têm carteira assinada, o total de pessoas que ganham
o piso passou de 14,06% no fim do governo Temer para 22,48% no primeiro
trimestre deste ano. Entre os informais, o salto foi de 53,46% para 61,73%. No
grupo de trabalhadores sem carteira assinada, há, inclusive, um grande
contingente que ganha menos que o piso.
Renda em queda
Assis, da Tendências, destaca, nesta
comparação, que o quadro é grave, pois o mercado de trabalho já tinha sofrido
muito com a recessão do biênio 2015-2016, especialmente com a pressão da taxa
de desemprego, que ultrapassou no período a barreira dos 12%. Mais
recentemente, em abril, houve movimento de recuperação, e a taxa ficou em
10,5%.
O economista aponta que entre o primeiro
trimestre de 2016 e o mesmo período de 2022, o Brasil registrou um saldo de
criação de 4,6 milhões de postos de trabalho (considerando admissões e
demissões), sendo 76% no mercado informal.
O problema é que essa geração de postos
ocorreu majoritariamente pelo achatamento salarial: foram criadas, no período,
7 milhões de vagas com rendimento de até um salário mínimo. Em contrapartida,
foram destruídos 2,4 milhões de postos de trabalho com rendimento superior a
esse patamar.
— Na pandemia, a gente observou que todo o
cenário econômico e sanitário contribuiu para a queda de massa de renda,
especialmente na população de menor escolaridade. Desde o fim de 2020, houve
recuperação do contingente de ocupados, mas a renda média permaneceu bastante
fragilizada e permanece abaixo do que havia antes da pandemia — diz Assis.
Para Juliana Inhasz, professora do Insper,
a deterioração do mercado de trabalho vem em linha com a dificuldade de o
Brasil voltar a crescer. E o mercado de trabalho acaba sendo mais sacrificado:
— As crises econômicas e a redução do
produto acabam fazendo com que o empregador pense duas vezes antes de contratar
e, quando contratam, sabe que não é o ideal, mas opta pelo mais barato, o
informal, que não tem segurança e carece de assistência.
Yago Magalhães Machado, de 20 anos, está no
segundo emprego com carteira assinada, novamente por salário mínimo. Como está
se preparando para fazer faculdade — quer estudar TI — e mora com a mãe,
ajudando nas despesas da casa, o rendimento não é o foco principal na busca por
trabalho. Ele aceitou a vaga, em uma loja de sorvetes, porque se adaptaria à
rotina:
— Passei por três entrevistas com outras
empresas até aceitar a vaga. A maior parte dos trabalhos que aparece agora paga
salário mínimo.
A criação da maioria das vagas apenas com
salário mínimo ajuda a derrubar a renda do trabalho no país, segundo dados da
Pnad. Em janeiro de 2015, a renda média do trabalhador era de R$ 2.764, em
valores corrigidos pela inflação. Em julho de 2020, turbinado com o Auxílio
Emergencial, que aqueceu a economia, chegou ao recorde recente de R$ 2.967. Mas
desde então teve diversas quedas e agora está em R$ 2.569.
— Com o mercado ocioso, em crise, o poder
de barganha do trabalhador diminui. E tem casos de pessoas que aceitam
trabalhos com qualificação menor, o que vale para o formal. Tem exemplos mais
extremos, como o cara que faz doutorado e trabalha como Uber, mas também tem o
trabalhador CLT que foi demitido e volta para outra empresa ganhando menos —
pontua Bruno Imaizumi, da LCA Consultores.
Para ele, essa perda de poder de compra tem
diversos fatores. O mais óbvio é a inflação. Atualmente, no patamar de dois
dígitos — em 12,13% na taxa acumulada em 12 meses — corrói a renda. Imaizumi
cita questões estruturais, como a substituição de mão de obra humana por
capital tecnológico, impactando nas opções de emprego e trabalho:
— Além disso, há um movimento de
pejotização e precarização que já acontecia antes. Muitas pessoas vão trabalhar
na informalidade, que em média já paga menos, tem renda mais variável e não tem
tanta segurança.
Menor poder de compra
Como mostrou O GLOBO, Bolsonaro vai
terminar o mandato em dezembro deste ano como o
primeiro presidente, desde o Plano Real, a deixar o salário mínimo valendo
menos do que quando entrou. Nenhum governante neste período, seja no
primeiro ou no segundo mandato, entregou um mínimo que tivesse perdido poder de
compra.
A cesta básica, em abril, por exemplo,
estava custando R$ 803,99 em São Paulo, de acordo com pesquisa do Dieese. Isso
equivale a 66,3% do salário mínimo atual. Em abril de 2019, início do governo
Bolsonaro e antes da crise da pandemia, o custo da cesta básica na capital
paulista era de R$ 522,05, correspondente a 52,3% do salário mínimo da época,
de R$ 998.
E como fazer para os salários subirem? A
resposta, para Juliana Inhasz, está na melhoria consistente da economia e na
queda vigorosa do desemprego. Para ela, mudança, de fato, só daqui um ano ou um
ano e meio:
— O que a gente tem hoje, uma taxa de desemprego que deve cair lentamente e produto que cresce pouco, não cria para o trabalhador espaço para barganhar. Há muita gente desempregada ou trabalhando menos do que gostaria, em contratos temporários ou intermitentes, que gostaria de estar empregada por um salário mínimo. O desenho desse mercado de trabalho não favorece o crescimento de renda, e a condição econômica do país corrobora com essa estagnação.
Um comentário:
A prefeitura da minha cidade paga só meio salário mínimo para as varredeiras de rua,chamada frente de trabalho.
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