quinta-feira, 24 de outubro de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Projeção para dívida exige controle de gastos

O Globo

Estimativas mostram que Lula não pode titubear ao apoiar programa de Haddad e Tebet

São preocupantes as projeções para a dívida pública do último relatório de acompanhamento fiscal da Instituição Fiscal Independente (IFI), vinculada ao Senado. Os técnicos da IFI avaliam que, apesar de a agência Moody’s ter elevado recentemente a nota do Brasil, as “incertezas fiscais dificultam a obtenção do grau de investimento”. “O nível de endividamento brasileiro está na média dos países da Zona do Euro, inferior aos países desenvolvidos do G7, mas bem acima dos países emergentes e da América Latina e Caribe”, afirma o documento.

Pelos cálculos da IFI, a dívida bruta do governo alcançou o patamar de 78,5% do PIB até agosto, mas deverá fechar este ano em 80%. A tendência é a alta prosseguir ao longo do mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, atingindo 82,2% em 2025 e 84,1% em 2026. Ao todo, o endividamento público terá crescido 12,4 pontos percentuais do PIB nos quatro anos do mandato de Lula, de acordo com as projeções (em dezembro de 2022, antes da posse, a dívida estava em 71,7% do PIB).

Os números da IFI expõem os limites da atual política econômica do governo. De um lado, a resistência de Lula a implantar um programa consistente de controle de gastos obriga o Tesouro a tomar mais dinheiro emprestado no mercado para o governo poder pagar suas contas. De outro, as sucessivas declarações de Lula semeando incerteza sobre o compromisso da atual gestão com a responsabilidade fiscal aumentam a desconfiança de quem empresta ao governo, obrigando o Banco Central a pagar juros maiores para captar o dinheiro.

Os dois fatores, segundo o relatório da IFI, têm contribuído para manter a trajetória da dívida em alta. “O crescimento da dívida, fica aqui demonstrado, resulta da não geração de superávits primários, da elevação dos juros e das emissões primárias líquidas de dívida pelo Tesouro Nacional”, afirma o documento. “O aumento da dívida até agosto de 2024 teve a contribuição da elevação de juros de 5,2 pontos percentuais e de 1,4 ponto percentual das emissões líquidas.”

Os ministros da Fazenda, Fernando Haddad, e do Planejamento, Simone Tebet, prometem para logo depois das eleições municipais um programa de controle de gastos da ordem de R$ 30 bilhões a R$ 50 bilhões, para tornar factível a meta fiscal do Orçamento de 2025. As propostas em estudo envolvem restrições a supersalários e mudanças em benefícios previdenciários. Mesmo sendo um pacote modesto ante a necessidade para trazer equilíbrio às contas públicas — da ordem de R$ 250 bilhões —, ele enfrenta resistência tanto dentro do próprio governo quanto nas alas mais vocais do PT.

Lula não deveria titubear em apoiar as medidas. A alternativa já traçada nos números da IFI para seu governo não é nada alvissareira. Ele não deveria piorar a situação. O aumento da dívida alimenta a desconfiança, repercutindo na inflação, pressionando os juros e reduzindo a perspectiva de crescimento. Tudo isso acaba por drenar recursos dos mesmos programas sociais que ele tanto fala em preservar. Caso se mantenha indiferente à crise fiscal, a herança que deixará ao próximo governo — dele próprio, caso reeleito — será necessariamente um choque recessivo de grande proporção. O Brasil já viveu história similar na gestão Dilma Rousseff. Lula deveria ter aprendido com os erros para não repeti-los.

Fim da revista íntima é chance para reduzir vulnerabilidade nos presídios

O Globo

Decisão de maioria do STF cria oportunidade para equipar prisões com instrumentos mais eficazes

O julgamento de um recurso no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre revistas íntimas em presídios abre caminho para que a Corte ponha fim a essa prática obsoleta, infelizmente ainda corriqueira no Brasil. Os ministros formaram maioria para proibi-la, mas um pedido de destaque do ministro Alexandre de Moraes interrompeu o julgamento. Ele pediu que o caso saia do plenário virtual e seja discutido numa sessão da Corte, onde pode haver mudança nos votos.

Até agora, prevaleceu o entendimento de que não se deve permitir a inspeção de partes íntimas dos visitantes e de que provas obtidas dessa forma não podem ser aceitas em tribunais. Para o ministro Edson Fachin, relator do caso, trata-se de prática “vexatória” e “abominável”, que viola os princípios da dignidade e constitui tratamento desumano e degradante. Fachin foi acompanhado pelos ministros Luís Roberto Barroso, Gilmar Mendes, Cármen Lúcia e Rosa Weber (antes de se aposentar). Decano da Corte, Gilmar sugeriu um prazo de 24 meses para os estados providenciarem o equipamento necessário a substituir a revista íntima. Por ter repercussão geral, a decisão será aplicada nas demais instâncias.

Houve divergência sobre a abrangência da medida. Moraes afirmou que, apesar de invasiva, nem toda revista íntima pode ser declarada ilegal, vexatória ou degradante. Defendeu que possa ser feita de forma excepcional, desde que “devidamente motivada para cada caso específico” e com anuência do visitante. Foi acompanhado pelos ministros Dias Toffoli, Nunes Marques e André Mendonça.

O julgamento no Supremo tem o mérito de pôr em discussão um problema que o país já deveria ter enfrentado. Não é admissível que visitantes em presídios — a maioria mulheres — ainda sejam submetidos ao constrangimento de se desnudar e expor partes íntimas para comprovar que não levam às celas objetos ou substâncias ilícitos. O caso em questão diz respeito a uma mulher que portava 96 gramas de maconha para o irmão preso.

A situação nos presídios brasileiros, em particular nos estaduais, é de descalabro. Apesar dos protocolos de segurança, drogas, armas e celulares continuam a entrar livremente. Nesta semana, a polícia do Rio deflagrou uma operação contra uma facção criminosa acusada de comandar de dentro das celas golpes como o falso sequestro, que depende essencialmente de celulares.

É preciso controlar com firmeza o acesso aos presídios, onde se comete todo tipo de delito. Mas é fundamental buscar meios civilizados, compatíveis com a dignidade dos cidadãos e os direitos humanos. Há tecnologia para isso. Scanners, aparelhos de raios X, detectores de metais substituem revistas vexatórias com eficácia até maior. Alguns estados, como São Paulo e Goiás, já os adotaram como padrão. É claro que não basta ter equipamento. Ele deve funcionar, e deve haver pessoal capacitado a operá-lo. O julgamento no STF é uma oportunidade para discutir não só as visitas íntimas, mas também como acabar com as vulnerabilidades constrangedoras dos nossos presídios.

A saída para a forte alta dos juros da dívida é o ajuste fiscal

Valor Econômico

Há outro bom motivo para pôr as contas públicas em dia: quanto mais tempo o governo demorar para fazer isso, mais alto será o custo do ajuste

As taxas de juros futuras brasileiras estão embutindo riscos de todos os tipos e prêmios substanciais. Em maio, os juros futuros estavam já há um bom tempo acima do nível de quando o Banco Central começou seu ciclo de afrouxamento monetário (agosto de 2023). O Brasil teve melhoria de sua nota de crédito soberano em julho, mas os mercados a ignoraram solenemente, e o rendimento dos títulos prefixados do Tesouro com vencimento em 2029 atingiram 13% ao ano, em um movimento de alta que vem afetando toda a curva dos juros. Consumidores e empresas pagam pela desconfiança dos investidores, que se resume à fragilidade da situação fiscal.

Os investidores temem a repetição do descalabro com as contas públicas ocorrida no governo petista anterior, de Dilma Rousseff, reforçado por declarações de descaso para com resultados fiscais positivos do presidente Lula. No entanto, o déficit primário está sendo reduzido. Mas para que os juros declinassem, seria preciso atingir logo um superávit (prometido para 2025 e adiado), cortes de gastos inteligentes e relevantes, e menos tentativas de utilizar a criatividade para retirar despesas da meta.

A inflação implícita, medida pela diferença entre o título prefixado de 2029 (13% na segunda-feira) e o Tesouro IPCA de maio do mesmo ano (7%), chegou a 6%, um percentual muito inferior à variação esperada dos preços sinalizada pelo boletim Focus, aponta o especialista Marcelo D’Agosto (Valor, ontem). Para ele, a inflação teria de subir muito mais para justificar os altos juros precificados. A economista Zeina Latif fez um exercício com as taxas futuras de um ano e chegou à conclusão de que poderiam estar entre 10,4% e 11,1%, e não em 12,5% (O Globo, ontem).

Os preços exorbitantes para rolar a dívida do Tesouro se baseiam em expectativas negativas formadas pelo aumento muito significativo do endividamento bruto e pela frustração da ideia de que o novo regime fiscal faria o contrário e atenuaria bem a trajetória da dívida. De qualquer forma, o déficit não entrou em trajetória explosiva, mas o Brasil caminhará para uma crise fiscal no futuro se medidas adicionais para a contenção de despesas não forem adotadas tempestivamente. O aumento da dívida bruta, que ultrapassou R$ 1 trilhão em 12 meses, graças aos juros em ascensão, mobilizou o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que prometeu cortar gastos o quanto for necessário para atingir a meta. No entanto, em outras situações de aperto semelhantes, no primeiro semestre, também foram feitas promessas de contenção, mas as de fato executadas foram as de aumento das receitas.

Não precisaria ser assim, pois as receitas da União bateram recorde praticamente mês a mês durante o ano e foi assim também em setembro. O resultado dos nove meses de 2024 foi o maior da série histórica, R$ 1,9 trilhão, com uma alta de 9,7% acima da inflação. Mas as despesas vinham crescendo até agosto a um ritmo muito superior aos excelentes resultados da arrecadação. É difícil para o governo cumprir até mesmo as regras do regime fiscal que propôs, e que foram alteradas para dar-lhe mais margem de manobra. Em menos de dois anos de governo Lula, a relação dívida bruta/PIB subiu de 71,7% para 78,5%, um salto de mais de sete pontos percentuais do PIB.

Ontem, ao lançar a edição de outubro de seu Monitor Fiscal, o Fundo Monetário Internacional apontou o Brasil, ao lado de França, Itália, África do Sul, Reino Unido e EUA, como um dos países em que a dívida continuará aumentando. Pelas projeções do FMI, ela será de 92% do PIB em 2025 e de 97,6% do PIB em 2029. Os números são mais altos porque a instituição conta como dívida os títulos do Tesouro em poder do BC, e o Brasil, não. As tabelas do relatório mostram que o endividamento do Brasil, de 87,6% em 2024, é o sexto maior entre 38 países emergentes - atrás de Bahrein, Ucrânia, Argentina, Egito e China. As despesas públicas são bem superiores às da média dos emergentes do G20 (46,2% do PIB ante 33,4%), assim como as receitas (39,3% do PIB ante 27%). A dívida média de seus pares do G20 é de 75,8% do PIB, quase 14 pontos percentuais acima dos 87,6% do PIB do Brasil.

Além disso, as projeções do FMI indicam que o Brasil não conseguirá cumprir as metas do regime fiscal. O déficit primário (exclui juros) estimado é de 0,5% do PIB (a margem do sistema é -0,25% do PIB) este ano, piora no ano seguinte para 0,7%, cai para 0,6% em 2026 e atinge um tímido superávit de 0,1% apenas em 2027.

Países com alto endividamento precisam consertar suas contas a tempo, segundo o FMI, porque “esperar é arriscado”, tanto pela reação adversa dos investidores, como as que se observam agora nos mercados financeiros domésticos, quanto pela perda da margem de manobra necessária para enfrentar eventuais choques negativos. Há vários deles rondando o ambiente global, já revolto pelas tensões geopolíticas e pelo aumento do protecionismo. Outro bom motivo para pôr as contas públicas em dia: quanto mais tempo o governo demorar para fazer isso, mais alto será o custo do ajuste.

Partidos precisam reduzir dependência de verba pública

Folha de S. Paulo

Agremiações têm de reduzir uso de fundo eleitoral; crimes como caixa dois e compra de votos não podem passar em branco

Partem de todos os lados relatos consternadores sobre a qualidade e a lisura do financiamento do processo eleitoral no Brasil, tema delicado em qualquer democracia.

Políticos de um polo ao outro do espectro ideológico descrevem uma percepção inaudita sobre a circulação de dinheiro vivo em meio ao período eleitoral, com a escalada de práticas como caixa dois, compra de votos e infiltração do crime organizado.

A ministra Cármen Lúcia, presidente do Tribunal Superior Eleitoral, também manifestou preocupação com o tema, e a Polícia Federal corroborou as suspeitas com evidências materiais. Neste ano, segundo o órgão, foram apreendidos R$ 50,4 milhões relacionados a crimes eleitorais, dos quais R$ 21,8 milhões em espécie.

A cifra representa um salto sem precedentes em relação ao último pleito municipal, quando os valores ficaram em R$ 6 milhões (R$ 1,5 milhão em dinheiro vivo), e mesmo na comparação com a disputa geral de 2022, com o confisco de R$ 10 milhões (sendo R$ 5,5 milhões em espécie).

Diante desse cenário, políticos outrora defensores do financiamento público exclusivo das campanhas começam a rever suas posições. Provou-se ingênua a ideia de que o fim das doações empresariais extinguiria o caixa dois e reduziria uma das fontes de distorção das corridas eleitorais.

Pelo que se afirma, o dinheiro não contabilizado continua prática corrente —o interesse das empresas, afinal, não desapareceu. Já distorções cresceram com a enxurrada de recursos públicos.

Somados, os fundos eleitorais alimentados com o esforço do contribuinte montam a R$ 6,2 bilhões, uma quantia fabulosa. A situação piora quando se leva em conta a distribuição das emendas parlamentares, que superaram R$ 50 bilhões e tiverem influência decisiva em diversas cidades.

Os visíveis danos ao arranjo político-institucional precisam ser reparados. Do lado das emendas, não há segredo: trata-se, se não for politicamente viável reduzir seu montante, de aplicá-las nas necessidades mais prementes da população, com planejamento, fiscalização e critérios republicanos, para que não funcionem como ferramenta de poder.

Quanto aos recursos para campanhas, importa reduzir de forma drástica os fundos públicos e ampliar os mecanismos de controle, pois não são poucos os desvios para finalidades desconectadas da função eleitoral.

Há que se ter em mente, ademais, a necessidade de punir com rigor os crimes cometidos, para que as ilicitudes não sejam, no fim das contas, um bom negócio —isso quando elas não são perdoadas por anistias vexatórias.

Partidos deveriam se mostrar capazes de levantar verbas por si mesmos, seja pelas doações de pessoas físicas, seja por outros meios permitidos em lei.

Sem mudanças dessa natureza, o sistema eleitoral se tornará cada vez mais convidativo para candidatos que não representam ninguém além do próprio bolso.

Aliar demandas individuais e benefício social no SUS

Folha de S. Paulo

Norma do STF para conter judicialização por remédios é bem-vinda; ideal é que avaliação de seja feita por especialistas

O presidente do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso, e a ministra da SaúdeNísia Trindadeanunciaram medidas pertinentes para reduzir a judicialização no SUS. A principal é a decisão vinculante que cria regras para o fornecimento de drogas aprovadas pela Anvisa, mas não incluídas na lista do sistema.

O Judiciário só poderá determinar acesso a esse tipo de medicamento se o demandante provar, por meio de "evidências científicas de alto nível", que ele é eficaz e não pode ser substituído por outro já incluído no rol do SUS.

A norma é correta, mas soa redundante. É claro que juízes só deveriam determinar custeio de uma despesa extraordinária se o requerente provasse a necessidade com bons níveis de evidência.

A dificuldade está no fato de que as demandas são sempre apresentadas como exceção necessária, e magistrados raramente têm conhecimento técnico para decisão respaldada. Compreende-se, ademais, a situação delicada de lidar com casos que podem tratar de vida ou morte.

Na dúvida, concede-se a liminar. Não parece garantido, pois, o impacto da mudança.

O problema da judicialização se origina no artigo 196 da Constituição: "A saúde é direito de todos e dever do Estado". Trata-se de uma norma programática, não imperativa. Afinal, na realidade, não há como garantir que todos os cidadãos sejam saudáveis.

Tampouco há sistema público de saúde no mundo que arque com qualquer demanda pessoal sem considerar eficácia e custos.

Não obstante, o artigo 196 vem alimentando a judicialização, inclusive no setor privado. É com base nele que pacientes e familiares fazem pedidos que vão de colchões e outros itens que guardam leve relação com a saúde até terapias sem respaldo científico.

Por óbvio, também há demandas legítimas. Ocorre que, mesmo nesses casos, a judicialização pode gerar iniquidades. Quanto mais recursos são destinados a demandas individuais, menos sobram para políticas públicas, que em tese têm alcance mais amplo.

Por vezes, o remédio solicitado na Justiça de fato traz benefício, mas ele pode ser marginal e o fármaco custar muito mais do que outro que está na lista do SUS.

É preciso não só avaliar a efetividade da droga, mas o custo-benefício social. E é mais racional que tal decisão seja tomada no âmbito administrativo, por especialistas que olham para o setor como um todo, do que por juízes que se debruçam sobre solicitações específicas. Assim se dá na maioria dos países que mantêm sistemas públicos de saúde.

Boulos tropeça no caminho de Damasco

O Estado de S. Paulo

PT e PSOL, que se opõem a todas as tentativas de aliviar o peso do Estado sobre os negócios, querem que o eleitor acredite que sua vedete se converteu num campeão do empreendedorismo

O candidato pela chapa PSOL-PT à Prefeitura de São Paulo, Guilherme Boulos, fala muito em “esperança”, mas parece ter entrado mesmo no modo “desespero”. Amargando uma distância de 10 pontos porcentuais de seu adversário, o prefeito Ricardo Nunes (MDB), Boulos propagandeou na segunda-feira “um anúncio inédito na história das campanhas eleitorais, que pode mudar tudo”. Nem tão inédito assim, o anúncio era uma versão mimeografada da Carta ao Povo Brasileiro fabricada pelos marqueteiros do “Lulinha paz & amor” na campanha de 2002.

A Carta ao Povo de São Paulo faz um arremedo de mea culpa: de tanto olhar para os “invisíveis”, a esquerda teria tapado os olhos – além de ouvidos, boca e quiçá o nariz – aos pequenos empreendedores. Na ânsia de provar que, em seu caminho de Damasco, o feroz extremista de esquerda havia se convertido num campeão das liberdades individuais, Boulos admite que “deixamos de falar com tanta gente que batalha, sofre o dia-a-dia das periferias e que buscou encontrar sua própria forma de ganhar a vida”. E vem a epifania: “A periferia mudou”.

De fato, mudou, e não é de hoje. Já em 2016, a Fundação Perseu Abramo, ligada ao PT, fez uma pesquisa em bairros pobres de São Paulo e identificou que categorias como “luta de classes” simplesmente “não habitam o imaginário da população”, para quem “o principal confronto existente na sociedade não é entre ricos e pobres, entre capital e trabalho, entre corporações e trabalhadores”, e sim “entre Estado e cidadãos, entre sociedade e seus governantes”. Para os entrevistados, “todos são vítimas do Estado que cobra impostos excessivos, impõe entraves burocráticos, gerencia mal o crescimento econômico e acaba por limitar ou sufocar a atividade das empresas”. Eis algo que não mudou: em rankings de liberdade econômica e ambiente de negócios, o Brasil segue atolado nos últimos pelotões.

Não por mera coincidência, naquele mesmo 2016 se encerrava um ciclo de 13 anos do PT no poder e inaugurava-se um ciclo de reformas, como a trabalhista e a da previdência, além do teto de gastos, o marco do saneamento e as leis das estatais, das agências reguladoras e da autonomia do Banco Central. Um elemento comum era reduzir o peso e as arbitrariedades do Estado que freiam o potencial de crescimento e perpetuam desigualdades de renda e oportunidades. O outro foi a feroz oposição do PT e do PSOL.

O Partido Socialismo e Liberdade, que por sinal nasceu de uma costela do PT, gosta de se apresentar como a “nova” esquerda. Mas de novo trouxe apenas as pautas identitárias – coqueluche dos apparatchiks das elites que geram repulsa nas classes médias e baixas. Já em política econômica, o PSOL nasceu mais à esquerda e mais retrógrado que o PT, sintomaticamente num motim contra a reforma da previdência de Lula em 2003. Expulsos do PT sob vaias e gritos de “stalinistas”, os fundadores do PSOL inscreveram em seus estatutos a defesa apaixonada da “superação da ordem capitalista” em nome da “necessidade histórica da construção de uma sociedade socialista”.

Quando Boulos deixou de queimar pneus e invadir propriedades para tentar a sorte nas urnas, em 2018, era natural que se filiasse ao PSOL. Afinal, “o Movimento dos Trabalhadores sem Teto”, dizia o seu líder, “não é um movimento de moradia”, mas “um projeto de acumulação de forças para mudança social”. A um repórter do Estadão em 2014, Boulos se disse “um marxista com a missão de acumular forças políticas para a revolução socialista”. Já de barba aparada e terno bem cortado, o deputado Boulos, eleito em 2022, vocalizou sua intenção de derrubar as reformas e o marco do saneamento e votou contra o arcabouço fiscal do próprio governo Lula.

Que ironia ver uma candidatura impulsionada com milhões do contribuinte que formam o pedaço do fundo eleitoral nos cofres do PT buscando seduzir o eleitor “descrente da política, que perdeu a esperança por achar que são todos iguais” e aparecem “de quatro em quatro anos repetindo o que o marqueteiro falou”. Verdade seja dita: em geral, como diz a tal Carta ao Povo de São Paulo, é difícil mesmo “diferenciar quem está de verdade do seu lado dos que querem te enganar”. Mas no caso do PT, do PSOL e de seu candidato a prefeito de São Paulo, talvez não seja tão difícil assim.

Sem celulares nas escolas

O Estado de S. Paulo

Sustentados em pesquisas que mostram prejuízos à aprendizagem ligados aos smartphones, governo e oposição aceleram o bem-vindo debate sobre a proibição de celulares em salas de aula

Ministério da Educação, parlamentares governistas e de oposição e representantes dos conselhos estaduais e municipais de Educação parecem ter chegado a um consenso, e deve ser enviado em breve um projeto de lei proibindo o uso de celulares nas redes públicas e particulares de ensino de todo o Brasil. Caso se confirmem as informações e os prognósticos apresentados pela reportagem de Renata Cafardo e Paula Ferreira publicada recentemente no Estadão, o País dará um passo gigantesco na contenção dos malefícios causados pelo uso excessivo de smartphones por crianças e adolescentes. Já são fartas as evidências dos prejuízos de aprendizagem, concentração e foco, além de graves consequências à saúde mental, com aumento do vício, ansiedade, depressão, automutilação e suicídios. Países como Finlândia, Holanda, Portugal, Espanha e EUA já têm políticas de proibição ou restrição dos aparelhos nas escolas. O Brasil precisa segui-los sem tardança.

O consenso e o apoio popular são importantes combustíveis para fazer a medida avançar. Recente pesquisa realizada pelo Datafolha mostrou que 62% dos brasileiros com mais de 16 anos são favoráveis à proibição do uso de celulares nas escolas. O apoio aumenta entre os pais que têm filhos de até 12 anos. Para 76% dos entrevistados, o celular traz mais prejuízos do que benefícios ao aprendizado, índice que sobe entre os pais – evidência da crescente preocupação com o mau uso da tecnologia na educação, algo confirmado e ampliado por pesquisas. “O uso de smartphones nas salas de aula leva os alunos a se envolverem em atividades não relacionadas à escola, o que afeta a memória e a compreensão”, sintetizou a Unesco, por exemplo, em seu Relatório Global de Monitoramento da Educação, intitulado A tecnologia na educação, uma ferramenta a serviço de quem?.

Não se trata de conflito geracional nem de recorrer a comparações saudosistas, com uma possível – e inútil – pregação de retorno a um passado supostamente melhor. Tampouco se trata de demonizar a tecnologia, que, afinal, é uma importante aliada em alguns processos educacionais, e parece imprescindível às escolas manter seu uso dentro de sala de aula de forma monitorada, consciente e a serviço do aprendizado – além de ser parte integrante do cotidiano de jovens e adultos. Mas o uso mais cuidadoso dos celulares e das redes sociais ganhou escala com obras de repercussão internacional, como o livro A geração ansiosa, do psicólogo social Jonathan Hardt. Ele investigou o que chama de “colapso da saúde mental” entre os jovens, sobretudo aqueles nascidos depois de 2010, quando várias tendências tecnológicas convergiram: a rápida expansão da banda larga, a chegada de smartphones, a nova era das redes sociais que estimulam o engajamento e a atenção permanentes.

A regulamentação é a consequência inevitável do avanço das pesquisas sobre os riscos. Muitos países europeus e alguns Estados americanos passaram leis que proíbem o celular em escolas, o ambiente crucial para aprendizagem e interação social que claramente já sofre impactos com as novas tecnologias. Em alguns casos, as regulamentações têm ultrapassado as divisas escolares. A União Europeia, por exemplo, aprovou regras de design apropriado para crianças em redes sociais, enquanto o Estado de Nova York, nos EUA, já vem discutindo uma legislação que impeça o uso de algoritmos pelas plataformas em conteúdos infantis.

Para o consenso funcionar, no entanto, não basta só considerar as mais relevantes e atuais pesquisas sobre o tema. É preciso aceitar que essa é uma decisão que une igualmente governos e sociedade, políticos, especialistas e pais. E que é importante renunciar a protagonismos de qualquer espécie entre governo e Congresso, governistas e oposição. No mês passado, tão logo o ministro da Educação, Camilo Santana, ganhou os holofotes por pautar o tema, o deputado Nikolas Ferreira (PL-MG), presidente da Comissão de Educação da Câmara, se apressou a encaminhar a tramitação de um projeto de relatoria do colega Diego Garcia (Republicanos-PR).

O holofote, neste caso, precisa estar na solução e nos jovens, não nos oportunistas que pretendem capitalizar politicamente a ansiedade de pais e educadores.

A extraordinária retomada gaúcha

O Estado de S. Paulo

Reabertura do Salgado Filho atesta a formidável recuperação do RS após a tragédia das enchentes

O Aeroporto Internacional Salgado Filho, em Porto Alegre, acaba de retomar voos comerciais, um marco na recuperação da economia do Rio Grande do Sul após as chuvas sem precedentes que deixaram boa parte do Estado inundada por dias a fio no primeiro semestre deste ano. À época da catástrofe não se tinha ideia de quando o aeroporto seria reaberto. Por isso, a retomada dos voos comerciais, ainda que de forma parcial (o retorno completo é previsto para dezembro), é por si só um atestado da resiliência da economia gaúcha, reconhecida inclusive pelo Fundo Monetário Internacional (FMI).

Na edição mais recente do relatório Perspectiva Econômica Global, o FMI eleva a projeção de crescimento do Brasil em 2024 de 2,1% para 3% e cita o impacto menos drástico que o esperado das enchentes gaúchas como uma das razões que levaram à revisão para cima da estimativa de PIB. A atividade econômica do Rio Grande do Sul, que por razões óbvias caiu fortemente em maio, quando o Estado estava paralisado, já em junho apresentava uma retomada em “V”. Renda e emprego também estão em recuperação.

Parte da retomada está relacionada à diversificação da indústria gaúcha. Além disso, se eventos trágicos como o das inundações recentes provocam perdas de valor incalculável como as de vidas humanas, estas jamais recuperáveis, na economia, quando algo de que se necessita deixa de ser oferecido por alguém, o mercado se impõe e um substituto aparece, o que vem ocorrendo na Região Sul.

Até agora, o setor com recuperação mais lenta vem sendo, sem surpresas, o de serviços, o que só reforça a importância da reabertura do principal aeroporto gaúcho para voos comerciais, que traz alento para atividades econômicas como turismo e eventos. Campanhas para visitas às atrações turísticas gaúchas estão a pleno vapor. Note-se ainda que o fechamento do Salgado Filho não dificultou apenas a vida dos gaúchos, o que por si só já é ruim, mas a de viajantes regionais e estrangeiros, já que o aeroporto é um importante hub internacional.

Óbvio que nem tudo são flores e que parte do que ficou submerso está destruída para sempre. Ainda assim, a recuperação em curso é formidável, ainda mais quando, há poucos meses, as imagens do Rio Grande do Sul eram de completa desolação. É fundamental também destacar que, embora as chuvas que castigaram impiedosamente o Estado tenham sido sem precedentes e que parte da destruição era inevitável, é essencial que a recuperação em andamento seja pensada para o longo prazo, contemplando a ocorrência mais frequente de fenômenos climáticos.

Por fim, cabe ressaltar ainda que tentativas desavergonhadas de politizar a tragédia provaram-se improdutivas. Um leilão anunciado pelo governo Lula da Silva para uma desnecessária compra de arroz importado foi cancelado por suspeita de fraude. Já a Secretaria Extraordinária de Apoio à Reconstrução do Rio Grande do Sul, na verdade uma plataforma para as pretensões políticas do petista Paulo Pimenta, deixou de existir e não há notícia de que faça alguma falta. Tanto melhor para a recuperação gaúcha.

Paralisia infantil ainda preocupa

Correio Braziliense

A baixa cobertura vacinal é o principal motivo para essa situação de alerta máximo. Desde 2016, a taxa de imunização do Brasil está abaixo da meta de 95%, aumentando o risco de retorno da circulação do poliovírus

Sousa, na Paraíba, registrou, em 1989, o último caso de poliomielite no Brasil. Encerrava-se, há 35 anos, a disseminação de uma doença altamente contagiosa cujas sequelas marcam o corpo e a memória de quem testemunhou os surtos ocorridos no país desde 1968. No período, foram 26.827 casos de infecção por poliovírus, que, em casos graves, leva a paralisias irreversíveis — a maioria em crianças. Cinco anos depois do caso paraibano, a Organização Mundial da Saúde (OMS) considerou que a poliomielite tinha sido oficialmente eliminada do território nacional. Agora, a mesma agência das Nações Unidas alerta que o Brasil faz parte da lista de países com risco "altíssimo" de retorno da também chamada paralisia infantil, o que demanda uma reação rápida e bem-estruturada das autoridades de saúde.

A baixa cobertura vacinal é o principal motivo para essa situação de alerta máximo. Desde 2016, a taxa de imunização do Brasil está abaixo da meta de 95%, aumentando o risco de retorno da circulação do poliovírus. Em 2021, 71% do público-alvo — crianças abaixo de 5 anos — foi imunizado. No ano seguinte, o número subiu para 77% e chegou a 86% em 2023, segundo o Ministério da Saúde. Algumas unidades da Federação se aproximaram ainda mais do patamar recomendado pela OMS, ultrapassando a cobertura de 90%, como Ceará, Piauí, Santa Catarina e Distrito Federal. Há de se destacar o esforço do novo governo para reverter um movimento  de negação aos benefícios das vacinas que ganhou força com a chegada de Jair Bolsonaro à Presidência da República. 

Surge, agora, um novo desafio. O Ministério da Saúde vai substituir as duas doses de reforço com gotinhas por uma dose injetável. A pasta argumenta que a decisão é baseada em evidências científicas e segue recomendações internacionais para deixar o esquema vacinal ainda mais seguro — Estados Unidos e países da Europa adotaram o novo  modelo, por exemplo. Não se pode desconsiderar, porém, que há a possibilidade de poucas informações sobre a mudança virarem combustível para a disseminação de fake news, podendo, inclusive, comprometer os avanços recentes na imunização. 

Considerando que a mudança ocorrerá até o próximo dia 4, como anunciou o ministério, a adoção, o quanto antes, de uma campanha robusta sobre os benefícios do novo esquema vacinal da poliomielite pode ajudar a conter possíveis efeitos do negacionismo. O próprio Zé Gotinha, uma marca nacional da luta contra a paralisia infantil e que não será aposentado pelo governo, pode impulsionar uma investida federal de esclarecimento sobre o novo protocolo, evitando que esse processo se limite a iniciativas no âmbito estadual ou municipal. 

Uma mobilização de grandes proporções também se justifica pelo fato de os países vizinhos voltarem a registrar casos de paralisia infantil. Um bebê indígena do Peru foi diagnosticado com a doença em março do ano passado. O distrito em que ele vive fica a cerca de 500 km da fronteira com o Brasil. Em 2018, um surto de poliomielite na Venezuela também acendeu o sinal vermelho entre médicos brasileiros. Os venezuelanos estavam livres da doença havia 30 anos.

Áreas fronteiriças representam um risco ainda maior de reintrodução do poliovírus no Brasil porque nesses lugares há a combinação de baixa cobertura vacinal e grande fluxo de pessoas e mercadorias, favorecendo a circulação desse patógeno altamente contagioso. A região das Américas foi a primeira do mundo a eliminar a paralisia infantil, conquista comemorada em todo o 24 de outubro, Dia Mundial de Combate à Poliomielite. O Brasil, como uma liderança regional, precisa dar o exemplo. Vacinar as suas crianças é expressão de afeto, de respeito à vida e à coletividade.

 


4 comentários:

Anônimo disse...

A volta da pólio e do sarampo pode ser "creditada" ao Bolsonarismo tosco.

Anônimo disse...

Dizem que quem traiu Tiradentes foi Bolsonaro!
Essa galera Cabeça oca da esquerda consegue ser tão idiota que dá dó
Governo atual já está aí há quase dois anos e a culpa é do Bolsonaro KKKKK
É por isso que Lula deita e rola Com essa galera

Anônimo disse...

A incompetência do PT em administrar a coisa pública já é antiga Saúde educação e segurança pioraram nos últimos 20 anos que eles tiveram à frente do governo brasileiro
O resto da conversa fiada
O candidato Guilherme Boulos está usando pele de cordeiro mas o paulista sabe que embaixo tem um lobo Velhaco

Mais um amador disse...

Esse texto do Estadão sobre o Bolos ( sic ) me fez lembrar de outra personagem: Djamila Ribeiro. Pois bem.

Certo dia vi uma foto da distinta portanto uma bolsa Prada, em campanha publicitária para a empresa. De minha parte, absolutamente nada contra. Ao contrário. Mas, como a pulga atrás da orelha e a curiosidade falaram mais alto, resolvi buscar algumas informações sobre o passado da, digamos assim, influenciadora. Pesquiso por seus textos no blog da Boitempo, e o que encontro? A mais pura defesa dos princípios revolucionários marxistas. A legitimação da luta de classes, travestida em luta antirracista, pela " superação do capitalismo, da exploração do homem pelo homem " e tudo o mais.

A comparação entre os contextos da evolução da, hmmm, intelectual me reportou ao ( salvo engano ) Radical Chic, livro do jornalista Tom Wolfe, e à cena de uma das suntuosas festas promovidas por Leonard Bernstein e a fina flor da elite nova-iorquina com a participação ( mais que especial ) dos panteras negras. O mais puro suco da esquerda com pedigree.

Nada como um dia após o outro.

😏😏😏