Evelyn Apolinaria, Maria Letícia Wendt , Ysadora Monteiro e Adrián Albala — membros do Observatório do Congresso/UnB / Correio Braziliense
O risco é de que a sucessão de pautas sensíveis no Congresso continue alimentando um ciclo de desgaste institucional e ceticismo da população
A movimentação da última semana no Congresso Nacional ocorreu em um momento em que pesquisas como a Quaest, divulgada em julho de 2025, apontam um padrão persistente de desaprovação da população em relação ao Poder Legislativo, hoje em torno de 51%. Mesmo sob esse cenário de baixa confiança, o Parlamento viveu dias de intensa atividade em pautas polêmicas: a Câmara avançou no PL da Dosimetria, deliberou o novo Plano Nacional de Educação (PNE) em comissão especial e pautou dois processos disciplinares envolvendo parlamentares de espectros ideológicos opostos: Carla Zambelli (PL-SP) e Glauber Braga (PSOL-RJ). O contraste entre a atividade legislativa e a avaliação negativa pela opinião pública compõe o pano de fundo para compreender o cenário político da semana e as tendências para essa reta final de legislatura.
Ao observar mais de perto os processos
disciplinares pautados nesta semana, os desfechos ajudam a iluminar as tensões
internas do Parlamento: Carla Zambelli saiu ilesa, sem qualquer sanção,
enquanto o plenário aprovou a suspensão de seis meses de Glauber Braga. Embora
nenhuma cassação tenha sido aplicada, a simultaneidade das pautas evidenciou o
funcionamento desigual do sistema disciplinar da Câmara, frequentemente
interpretado, como aponta a ciência política, à luz da polarização e da
hierarquização de posições de poder no interior das Casas, além das reservas
explicitadas por lideranças como Hugo Motta e Arthur Lira em relação ao
deputado do PSOL. O simbolismo da semana, portanto, não reside apenas nas
sanções em si, mas na percepção pública de seletividade e corporativismo no
processo decisório.
Essa leitura reforça-se quando se observa a
aprovação do PL da Dosimetria, que permite o cumprimento concorrente das
condenações relacionadas ao 8 de Janeiro e pode reduzir significativamente a
pena do ex-presidente Jair Bolsonaro: a proposta avançou sem apoio do governo,
em timing politicamente desfavorável (próximo ao anúncio de Flávio Bolsonaro
como pré-candidato à Presidência) e sob forte sensibilidade à conjuntura
jurídica e eleitoral. Mesmo com articulações entre o relator e o presidente da
Câmara envolvendo ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) para conferir
racionalidade técnica ao texto e afastá-lo da retórica explícita da anistia, a
votação transmitiu a imagem de um Parlamento operando sob pressões cruzadas e
desconectado das prioridades percebidas pela sociedade.
Apesar desses avanços na Câmara dos
Deputados, o Senado passou a operar como instância de contenção. Ou seja, o
desfecho dessa trama depende fundamentalmente da forma como o Senado decidirá
conduzir o debate e, de modo ainda mais decisivo, de como o Supremo responderá
aos próximos passos. Assim, a discussão sobre a dosimetria deve ser
interpretada como uma etapa inicial na recomposição das coalizões que estruturam
o sistema político.
A rejeição da população ao Congresso é
transversal ao espectro político da opinião pública, mas por motivos distintos:
setores da direita enxergam a Casa como distante de suas pautas e
excessivamente alinhada ao Executivo e ao Judiciário; setores da esquerda
criticam concessões feitas a figuras do bolsonarismo, a falta de firmeza em
mecanismos de responsabilização e a instabilidade das agendas sociais. Nas
mídias, famosos, políticos e acadêmicos repostam a frase "Congresso inimigo
do povo", um símbolo desse desgaste entre o eleitorado e seus
representantes.
Essa complexidade é reconhecida pelo Palácio
do Planalto. Em evento recente, o presidente Lula admitiu governar com "um
Congresso totalmente adverso", mas ressaltou que a "correlação de
forças" ainda permite avanços institucionais via negociação. A soma dessas
percepções reforça o diagnóstico de um Legislativo hiperativo, porém com
dificuldade de traduzir sua produção em legitimidade perante os eleitores.
O desafio dos próximos meses será transformar esse ritmo acelerado em uma produtividade legítima aos olhos da sociedade, sob risco de que a sucessão de pautas sensíveis continue alimentando um ciclo de desgaste institucional e ceticismo da população. A urgência dessa legitimidade acentua-se conforme o calendário avança. Segundo Lula, o clima já é de campanha, e 2026 será "o ano da verdade", no qual a avaliação da opinião pública dependerá menos de disputas ideológicas e mais do impacto real na vida das pessoas nas agendas de saúde, renda, educação e, sobretudo, segurança pública, que, segundo a Quaest, é apontada como o principal problema o país, por 38% da população. Resta saber se o Congresso conseguirá alinhar sua pauta a essa métrica de resultados concretos ou se permanecerá imerso em nas próprias batalhas internas.

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