terça-feira, 16 de dezembro de 2025

Nossa tragédia é o devaneio”- conivência parafrastica. Por Aylê-Salassié Filgueiras Quintão*

Acho um pouco reducionista, mas brilhante, a abordagem do jornalista Antonio Machado no artigo publicado, nesse fim de semana (14.12), para o jornal Correio Braziliense, intitulado “Questão de ordem”. Referindo-se à conjuntura brasileira, observa que “… o País se perde em bravatas, cassações de parlamentares, operações policiais midiáticas, embates (puramente) regimentais e monólogos de autoridades”. Uma demonstração de que “o Brasil real segue largado à margem”.

O articulista ampara suas afirmações em três hipóteses: “A política alheia ao País”, “O que não se discute”, “Sabemos fazer, e não fazemos”. Reducionista, porque não escancara a ferida da política econômica voltada claramente para redistribuição da riqueza (dos outros), sem uma contrapartida do aumento da produção e da produtividade, legando a tarefa ao ativismo do MST e aos trabalhadores urbanos sindicalizados que, ao contrário, estão conquistando um dia mais de folga na semana: de 6x1 para 5x2. No modelo de trocas que aí está, o redistributivismo tende a beneficiar, sim, os burocratas hegemônicos no Poder: o Judiciário, recorrente, já voltou a reivindicar aumento de 28 % nos salários dos seus ministros e servidores; o Ministério da Fazenda – o órgão redistribuidor – propõe estender para os funcionários da Carf -Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, as vantagens pecuniárias da “periculosidade”. E, assim por diante. Absurdos compatíveis com os devaneios organizacionais da atual gestão de governo.

O problema levantado por Machado centra-se no que ele chama de “Questão de ordem”, numa alusão à indisciplina a que chegou a administração pública e a governabilidade. Conseguiu-se atingir o pico da desordem plena. Uma disputa de Poder entre o Executivo, o Legislativo e o Judiciário. Deve-se muito a contaminação ideológica do “trabalhismo”, conduzida pelas classes médias e intelectuais que, supostamente, deram origem ao PT. Trata-se de um pretenso partido único, revolucionário, intuído por Lênin. Está mais para uma agremiação mussolinista, no caso da Itália, criado por um ex-socialista que o desenvolveu a partir de uma ideologia nacionalista. Não parece ser mesmo também o caso da gestão política em curso. Confuso: busca a internacionalização, sem apegos à integração continental. Por aqui, conseguiu desestruturar o Estado Brasileiro. Na verdade, desde a Proclamação da República, o Brasil não encontrou seu caminho nas ideologias, nem conseguiu organizar-se devidamente como Estado, por causa da herança patrimonialista, do filhotismo, da troca de favores e das fragilidades impostas à burocracia de Estado como estratégias de governança.

A primeira hipótese de Machado é que “A política alheia ao País”. Ninguém governa. Os cidadãos estão abandonados. A coreografia da desestruturação do Estado somada às barganhas para construção da hegemonia política terminou transferindo para a iniciativa privada uma elite tecno burocrática, com formação superior apurada em gestão de política públicas. Saindo das mãos de uma elite rural, caímos nas mãos de um grupo de intelectuais acadêmicos (doutores em Sociologia, Administração e Economia: Delfim, Símonsen, Celso Furtado, FHC, pessoal do IPEA, da FGV e outros), para chegar ao controle dos sindicatos, cujos afiliados são pouco dado à leituras, sem se dar conta de que foram eles que sustentaram o regime de Benito Mussolini. O Governo abandona as tradições da integração continental para tomar a direção de socialismos em crise – chamados de “nova esquerda” -, e alia-se a líderes que só conseguem se manter no Poder pelo uso explícito da força, e que nada tem à ver com o pensamento e os problemas do nosso Continente. A política externa brasileira sempre se pautou pela autonomia e o não alinhamento. Agora mistura tudo. A mudança de postura se expressa pelo flerte, cada vez mais insistente e inconsistente historicamente, com lideranças autoritárias que se opõe à cultura do Ocidente. Amadurecida por anos de mandatos repetidos, pode, na próxima eleição, criar maior confusão, no caso da eleição de um opositor ao atual grupo no Poder.

O que não se discute (segunda hipótese) …. é a origem de tudo isso na contemporaneidade. Os nomes são conhecidos. Mas só aflora o dos agentes: Lula, Fidel e Zé Dirceu (militei com ele no movimento estudantil: um pequeno burguês, sempre conspirando, nas sombras (Caso UNE), estimulado por partidos ideológicos, e desestruturados pela militarização do Poder ao longo de vinte anos. Aquele trio, agregado de Hugo Chavez, instituiu a polarização, (esquerda x direita) contrariando a democracia pluripartidária, oferecendo no cardápio apenas duas plataformas de convergência política para os que tinham outras opções. Radicalizaram, estigmatizando-os de “extrema-direita”, em atitudes pouco convencionais não necessariamente revolucionárias. Vem aparelhando gradualmente o Estado à busca do Poder hegemônico. Terminam sempre numa Comissão Parlamentar de Inquérito que, por sua vez, tem concluído em pizzas e, ambiguamente, pela culpabilidade dos agentes, porém todo mundo solto e liberados para retornar ao Poder.

Sabemos fazer, e não fazemos. Uma hipótese ousada. Acho que é o contrário; não sabemos fazer. Construímos nosso caminho, vivenciando por décadas “conflitos inúteis”, “devaneios políticos” e não temos programas consistentes de absorção de novas tecnologias. Os projetos de governo estão “presos à poeira do presente”. “Sabemos fazer”. Acho que não. Nossa massa crítica é limitada, a ciência um devaneio e fica-se sem espaço até mesmo em um Parlamento Digital, popular, como ocorreu no norte da África. Em nome das “fake news” encerram-se atividades blogueiras dos parlamentos digitais, cassam-se importantes debatedores, enterram abordagens criativas e teses embrionárias. A intelectualidade corporativa, introduz a desordem na governabilidade, tornando cada vez mais difícil a escalada para chegar a qualquer Prêmio Nobel.

*Jornalista, professor

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