terça-feira, 16 de dezembro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Ataque antissemita na Austrália é alerta para todo o mundo

Por O Globo

No lugar de alimentar discurso de ódio, Brasil deve resgatar tradição de tolerância que sempre o definiu

Não faltou aviso para o risco de crescimento do antissemitismo na esteira da resposta israelense ao ataque terrorista do Hamas no 7 de Outubro. Em agosto passado, o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, enviou carta ao australiano, Anthony Albanese, acusando-o de “lançar gasolina no fogo antissemita” e de “encorajar o ódio aos judeus” por atos que, dizia Netanyahu, favoreciam terroristas do Hamas. É compreensível que o morticínio e a violência dos ataques israelenses em Gaza tenham despertado uma onda de simpatia pela justa causa palestina, mas isso não pode justificar ser contra a existência de Israel. O atentado antissemita na Praia de Bondi, em Sydney, que deixou pelo menos 15 inocentes mortos numa das principais celebrações do judaísmo — a primeira noite da festa das luzes, Chanucá — , comprova que Netanyahu não falava no vazio. O ódio milenar a judeus encontrou na defesa dos palestinos um biombo atrás do qual se oculta para passar por aceitável.

Sempre é uma minoria que odeia, e uma minoria ainda menor transforma seu ódio em violência. Felizmente, há heróis como o comerciante muçulmano de origem síria Ahmed al-Ahmed, cidadão australiano, que desarmou sozinho um dos terroristas. Mas é justamente a minoria violenta que pratica o terrorismo selvagem. A leniência com o antissemitismo é salvo-conduto não somente para quem espalha o ódio, mas também para os terroristas.

O atentado em Sydney é apenas o mais recente numa série de incidentes antissemitas que vicejam em tais ambientes. Lá mesmo em Bondi, um restaurante judaico foi alvo de um ataque incendiário em 2024 e, dias depois, bombas foram lançadas contra uma sinagoga. Vândalos também atacaram bairros e uma creche de judeus australianos. Não se trata de problema restrito à Austrália. Em Manchester, Reino Unido, um terrorista esfaqueou fiéis numa sinagoga em outubro na data mais sagrada do judaísmo, o Dia do Perdão. Em Londres, no mesmo dia, uma manifestação brandindo bandeiras palestinas bradava pela decapitação de judeus. Nos Estados Unidos, uma marcha pacífica pela libertação de reféns foi alvo de lança-chamas e coquetéis molotov em Boulder, e um casal de diplomatas israelenses foi assassinado na saída de um evento judaico em Washington. Universidades americanas ainda são terreno fértil para o antissemitismo.

No Brasil, é um alento que a violência antissemita não tenha chegado a tal ponto. Mas a situação no ambiente acadêmico não é diferente. Sinal disso foi a inaceitável tentativa de censurar um palestrante pró-Israel na Faculdade de Direito da USP. O balanço de incidentes antissemitas da Confederação Israelita do Brasil (Conib) registrou aumentos de 255% em 2023 e 350% em 2024, na comparação com 2022 (os dados de 2025 não foram divulgados).

O aumento coincide com declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, como a comparação absurda entre Israel e nazistas ou o abuso do termo “genocídio” ao falar em Gaza. Palavras assim fazem com que a condenação dele a ataques contra judeus soe sempre protocolar. O Brasil tem sido historicamente um país onde cristãos, muçulmanos e judeus convivem em paz. Mas o atentado em Sydney mostra que palavras e atitudes de governantes não são inócuas. Onde há condescendência, cresce o ódio. O governo precisa resgatar a tradição de tolerância e integração que sempre nos definiu.

Vitória do ultradireitista Kast no Chile traz preocupação para América Latina

Por O Globo

No governo, novo presidente deveria deixar de lado discurso radical e adotar práticas moderadas

O ultradireitista José Antonio Kast venceu a comunista Jeannette Jara no segundo turno das eleições chilenas de domingo e substituirá o esquerdista Gabriel Boric. Com 58% dos votos válidos, Kast, um admirador do ditador Augusto Pinochet, conquistou o mandato com folga, apoiado num discurso contra imigrantes e no temor da população em relação à segurança pública. Mas o sucesso de seu governo dependerá de sua capacidade de fazer a leitura certa do humor dos chilenos. A análise rápida do histórico político recente do Chile sugere radicalização, indo de um extremo (Boric) ao outro (Kast). A avaliação mais atenta, porém, mostra um eleitorado mais moderado.

Kast está longe de ser unanimidade. No primeiro turno, conquistou 24% dos votos e ficou em segundo lugar. Venceu graças à transferência de votos de outros candidatos de centro e de direita. Para os eleitores que foram às urnas, era o mal menor. Isso deveria ser suficiente para ele moderar sua agenda, repleta de promessas populistas como deportação em massa ou construção de mais e mais presídios. Em segurança pública, avanços costumam exigir respostas específicas, e não promessas genéricas de ser duro com bandidos.

Caso não adote uma política menos radical, Kast repetirá o erro de Boric com sinal trocado. Boric também ficou em segundo lugar no primeiro turno em 2021 (atrás de Kast), venceu na reta final por ser considerado o menos ruim e, uma vez no Palácio La Moneda, prometeu “refundar” o país. Apoiou uma assembleia constituinte desvairada que produziu um texto cheio de alucinações esquerdistas, depois rechaçado nas urnas. Foi preciso tomar um choque dos eleitores para ele buscar um tom mais moderado.

Kast faria bem em evitar radicalismos. Os chilenos não querem mudanças extremadas. As ruas anseiam por políticas eficazes contra o crime, uma economia mais inclusiva e crescimento sustentável. Sem maioria parlamentar, ele terá de negociar para aprovar suas pautas. Congressistas decerto barrarão as promessas mais desvairadas, como aumentar o poder de ação das Forças Armadas dentro do território nacional, tema sensível dada a história da ditadura chilena.

É grave para a América Latina o sucesso de discursos extremistas como os de Kast ou Jair Bolsonaro. A democracia chilena já foi modelo de sucesso para o continente. Será essencial preservá-la. Na Europa, Kast pode encontrar inspiração num modelo negativo e noutro positivo. Viktor Orbán chegou ao poder na Hungria, ocupou as instituições com seus apaniguados e se tornou o maior autocrata da União Europeia (UE). A italiana Giorgia Meloni trilhou outro caminho. Quando ainda estava na oposição, criticava a UE, elogiava o Brexit e se opunha a sanções contra a Rússia. Ao chegar ao poder em 2022, mudou de opinião. Diante do desafio de governar e entregar resultados, Meloni tem provado ser pragmática, mesmo no tema da imigração. É um bom exemplo para Kast.

Chile polarizado agora dá guinada à direita

Por Folha de S. Paulo

Kast, que derrotou governista do Partido Comunista, afastou-se de discursos autoritários e antissistema

Triunfo da direita se soma a outros recentes no continente, como Rodrigo Paz Pereira, na Bolívia, e reeleição de Daniel Noboa no Equador

Democracia acostumada por décadas à alternância do poder entre centro-direita e a centro-esquerda, o Chile consagrou no domingo (14) o ultraconservador José Antonio Kast, do Partido Republicano, que derrotou na eleição presidencial a governista Jeannette Jara, do Partido Comunista.

Kast obteve 58,1% dos votos válidos, segundo o Serviço Eleitoral do Chile, enquanto a ex-ministra do Trabalho do atual presidente, Gabriel Boric, ficou com 41,8%, mesmo contando com o apoio da máquina governamental e de todos os setores da esquerda.

Mais do que se sobrepor, nas urnas, a um governo desgastado na opinião pública, Kast soube capturar a percepção de insegurança da população e sua contrariedade com o aumento da imigração, trazer tais temas ao centro do debate e apresentar-se como liderança capaz de equacioná-los.

Aprendeu com seus fracassos nas duas eleições presidenciais anteriores ao esquivar-se de promessas caras ao conservadorismo chileno, como o veto ao casamento homoafetivo e às brechas ao direito de aborto, limitadoras de seu potencial de inserção no eleitorado de centro.

Mesmo entusiasta declarado da ditadura militar de Augusto Pinochet, Kast manteve distância de discursos autoritários, disruptivos e antissistema observados na ultradireita ocidental.

Até por pragmatismo, Kast mantém um compromisso com o mesmo Estado de Direito que avalizou sua vitória eleitoral e o investirá na liderança do Poder Executivo em março. Compor-se com setores de centro-direita do Congresso será chave para o êxito de sua gestão.

Ao propor controles imigratórios, distanciou-se do modelo persecutório de Donald Trump, nos Estados Unidos. Ao prometer um corte de US$ 6 bilhões nos gastos públicos em 18 meses e a redução do tamanho do Estado, mostrou intenção de preservar os atuais programas sociais.

Num país com bons fundamentos macroeconômicos, reformas liberais bruscas e agressivas, ao estilo do argentino Javier Milei, mostram-se desnecessárias. O Chile tem o maior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da América do Sul e mantém contas públicas e inflação sob controle.

Sua dívida pública está pouco acima dos 40% do PIB (são 90% no Brasil, pelos critérios do FMI), pagando juros em torno de 5% anuais (15% aqui).

A vitória da direita se soma a outras recentes no continente. Assim foi na Argentina, onde Milei, eleito em 2023, voltou a mostrar força no pleito legislativo deste ano; na Bolívia, onde o centro-direitista Rodrigo Paz Pereira venceu o pleito presidencial em outubro; e no Equador, com a reeleição de Daniel Noboa em abril.

As instituições chilenas se fortaleceram no período de estabilidade política e econômica a partir da redemocratização, em 1990, e resistiram à turbulência iniciada com os protestos populares de 2019. Kast, felizmente, parece ter compreendido isso.

Antissemitismo letal na Austrália

Por Folha de S. Paulo

Ataque em celebração judaica é resultado de preconceito histórico nefasto que se intensificou recentemente

É preciso um esforço de esclarecimento para impedir a associação impensada entre abusos do governo de Israel e a comunidade judaica

Neste domingo (14), dois homens armados abriram fogo em direção a um evento de celebração do Hanukkah na praia de Bondi em SydneyAustráliamatando 15 pessoas e ferindo outras 40. A escolha do local no dia da festividade judaica evidencia a motivação antissemita da chacina.

Trata-se do ataque mais letal no país desde 1996 —quando 35 pessoas foram assassinadas por um atirador numa colônia prisional no sudeste da Tasmânia.

O primeiro-ministro da Austrália, Anthony Albanese, qualificou o ato como "incidente terrorista devastador". De acordo com a investigação, os atiradores eram um homem de 50 anos, morto no local, e seu filho de 24 anos, que foi detido pela polícia.

Uma criança de dez anos e um sobrevivente do Holocausto estão entre as vítimas. O país tem a terceira maior população de judeus do mundo, atrás apenas de Israel e EUA, estimada entre 110 mil e 120 mil pessoas. Houve aumento de casos de antissemitismo recentemente.

Organizações judaicas australianas registraram ao menos 1.654 incidentes contra o grupo etnorreligioso entre outubro de 2024 e setembro de 2025. O número inclui de ataques a bomba em sinagogas a grafites agressivos em escolas judaicas, entre outros.

A onda de preconceito se deu após o ataque terrorista do Hamas a Israel, em outubro de 2023, que gerou a guerra na Faixa de Gaza. É preciso levar a cabo um esforço de esclarecimento para impedir a associação impensada entre os abusos cometidos pelo governo Binyamin Netanyahu e a comunidade judaica —bem como punir responsáveis e usar inteligência para prevenção.

Além de sua brutalidade, o atentado em Bondi foi ainda mais chocante para os australianos porque ataques a tiros são raros no país, que possui uma das leis de controle de armas mais rigorosas do mundo, instituída após o ataque na Tasmânia em 1996.

Apesar disso, o atirador mais velho, morto no ataque, obteve licença para posse de armas de fogo em 2015 e tinha seis delas registradas em seu nome.

O governo da Austrália prometeu endurecer ainda mais a legislação, restringindo licenças por tempo indeterminado e criando um registro nacional.

Leis são cruciais para o controle de armas, mas é necessário aplicá-las de modo eficaz. Especialistas estimam que o número per capita de dispositivos atualmente é maior do que o de 1996. Bondi mostra que o antissemitismo, ainda mais armado, é letal, e precisa ser contido para que novas tragédias não se repitam.

O Congresso não é inimigo do povo

Por O Estado de S. Paulo

Críticas a projetos de lei ou a parlamentares são legítimas, mas retratar o Congresso como adversário dos brasileiros, como fazem os petistas, revela vocação autoritária

No domingo passado, milhares de cidadãos foram às ruas para protestar contra o Congresso, mais uma vez. O alvo principal das manifestações foi o chamado PL da Dosimetria, que propõe nova interpretação jurídica dos crimes contra o Estado Democrático de Direito pelos quais foram condenados Jair Bolsonaro e outros envolvidos no 8 de Janeiro, com o efeito prático de reduzir suas penas. Com menos ênfase, os atos também pugnaram pela criação de um código de conduta para os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), reforçada pela publicação de fatos perturbadores que ligam Dias Toffoli e Alexandre de Moraes ao Banco Master.

Promovidas pelo PT e por outros partidos de esquerda, além de movimentos sociais, centrais sindicais e artistas alinhados ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, as manifestações vocalizaram ataques ao presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e ao Congresso em geral, classificado como “inimigo do povo” – mote criado pela máquina de propaganda petista instalada no governo. O tom, malgrado ser politicamente compreensível, merece uma reflexão mais serena – menos por seus excessos retóricos e mais pelos riscos institucionais que encerra.

Ao rotular o Congresso como “inimigo do povo”, a esquerda presta ao País o mesmo desserviço que a direita radical tem prestado ao tachar o STF como um reduto de “tiranos”, “psicopatas” ou “ditadores”. Nem uma coisa nem outra corresponde à realidade. E ambos os discursos corroem a confiança pública em instituições essenciais à República. Deslegitimar o Congresso implica minar os próprios alicerces do regime democrático que se pretende defender. Revela espírito autoritário.

O Congresso não é inimigo do povo, muito ao contrário. É a sua mais fiel representação institucional. É ali que os cidadãos se fazem representar, delegando a parlamentares eleitos a tarefa de deliberar sobre leis, políticas públicas e o Orçamento da União que dizem respeito a todos. Ver-se mais ou menos representado por uma dada legislatura é parte do jogo democrático; pressupor que seja “inimiga” da sociedade equivale a sugerir que haveria um Congresso “amigo” ou “aliado” do povo – como se houvesse uma instância iluminada capaz de arbitrar quais maiorias são aceitáveis e quais não são. Goste-se ou não, o Congresso é a face política da sociedade que o elegeu.

Isso não significa, evidentemente, absolver o Legislativo de suas muitas e graves deformações. A crítica à atuação do Congresso é não só legítima, como necessária. O busílis é quando a crítica se converte em demonização indistinta da instituição, abrindo espaço para saídas autoritárias ou messiânicas. A história recente do País mostra que esse caminho, à direita ou à esquerda, cobra um preço caro demais à democracia.

Ao mesmo tempo, seria desonesto de nossa parte ignorar que o atual Congresso, por sua vez, tem dado razões de sobra para esse mal-estar social. A percepção de que parlamentares são lenientes com colegas envolvidos em condutas reprováveis, para dizer o mínimo, alimenta a percepção de um Legislativo mais preocupado em se blindar do que em cumprir sua missão institucional. A aprovação, na Câmara, da chamada PEC da Blindagem, um evidente instrumento para dificultar investigações policiais contra parlamentares, reforçou ainda mais essa impressão.

Some-se a isso a corrupção do Orçamento da União por meio de emendas parlamentares distribuídas sem transparência, critérios técnicos ou coerência programática. A operação da Polícia Federal deflagrada na sexta-feira passada contra uma assessora parlamentar de Arthur Lira (PP-AL), suspeita de atuar como espécie de “secretária-geral” do orçamento secreto na Câmara, mostra quão vivo está o esquema a despeito dos honrosos esforços do STF para acabar com essa perversão antirrepublicana.

Diante de tudo isso, não surpreende que parcelas expressivas da sociedade se sintam ultrajadas. Há, de fato, uma crise de representatividade que as lideranças do Congresso precisam tratar com seriedade e autocrítica. Contudo, nada autoriza a retórica da esquerda que trata o Congresso como “inimigo”. Esse discurso irresponsável, mesmo travestido de virtude democrática, pavimenta o caminho para a desinstitucionalização da política, um enorme perigo para uma democracia ainda tão jovem como a nossa.

O cidadão paulistano exige respeito

Por O Estado de S. Paulo

No meio do tiroteio entre a Enel, o governo federal e as autoridades de SP, os cidadãos paulistanos padecem com a falta constante de luz, insumo básico para a vida cotidiana e a economia

Mais uma vez, milhões de pessoas de São Paulo ficaram no escuro por horas – em alguns casos, dias – após os estragos nas redes de energia causados por um ciclone extratropical. Mais uma vez, o que se viu não foram explicações consistentes ou ao menos razoáveis sobre as dificuldades para restabelecer o fornecimento de energia no menor tempo possível, mas um jogo de empurra entre autoridades públicas e a Enel São Paulo no qual o principal objetivo é terceirizar responsabilidades.

Perdem-se tempo, alimentos, eletrodomésticos, compromissos, dinheiro e vidas cada vez que um blecaute acontece. A população, com toda a razão, está furiosa e não sabe a quem recorrer. Tudo que se pede é um mínimo de planejamento para que esses incidentes, por óbvio inevitáveis, durem minutos ou horas, e não dias, para serem solucionados. Mas, se faltam respostas, sobram acusações que em nada aliviam o sofrimento dos paulistanos.

São Paulo é certamente uma área desafiadora em termos de atendimento, já que cada problema que acomete a rede, por menor que seja, tem o potencial de afetar milhares de consumidores. Mas a recorrência com que eventos climáticos extremos têm atingido a capital paulista torna rotineiros os apagões, que deveriam ser episódicos sobretudo em se tratando da maior cidade do País e da América Latina.

A Enel São Paulo diz que cumpre o que está no contrato. Se isso é verdade, o contrato é muito ruim, porque os paulistanos não têm nenhuma garantia de que, em caso de blecaute, terão a energia restabelecida num prazo razoável. As inúmeras multas que a empresa vem tomando há tempos mostra, contudo, que o problema não é exatamente o contrato, mas a incompetência. E note-se que a Enel nem é a pior concessionária de distribuição de energia do País, como mostram os indicadores de qualidade apurados pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). O Brasil, portanto, está mal servido nessa área.

É verdade que a AES Eletropaulo, empresa que antecedeu a Enel São Paulo, deixou de fazer investimentos importantes na região metropolitana de São Paulo quando estava à frente da concessão, e as consequências dessa imperícia só agora começam a aparecer. Mas também é inegável que o grupo italiano tem deixado a desejar não apenas em São Paulo, mas em outras áreas em que atua no País, como na Baixada Fluminense e no Ceará.

Apagões anteriores e tão duradouros quanto esse ensejaram a aplicação da maior multa da história da Aneel à Enel São Paulo. Mas o fato de eles continuarem a ocorrer a despeito dessas penalidades desmoraliza a agência e mostra que os mecanismos que tem à mão para fiscalizar o setor, inclusive os planos de contingência, não têm funcionado à altura.

Aí está um foco de atuação prioritário para a Aneel. Está claro que os contratos de concessão que vigoraram desde a década de 1990, quando as distribuidoras estaduais foram privatizadas, precisam ser adaptados não só a novas tecnologias, mas também a eventos climáticos extremos, que serão cada vez mais comuns.

A renovação desses contratos, como é o caso do da Enel São Paulo, que vence em 2028, é uma oportunidade para fazer exigências críveis e que não inviabilizem as tarifas, tornando-as ainda mais caras. Ter equipes técnicas mais numerosas de prontidão é uma solução mais barata e ágil que o enterramento de fios, panaceia que ressurge a cada blecaute.

Quanto às autoridades públicas, fariam bem se fizessem seu trabalho. Passou da hora de o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes, executar um plano de manejo para lidar com as árvores que caem a cada dia chuvoso na cidade. Essa responsabilidade não é da Enel.

Do mesmo modo, é compreensível que o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, explore politicamente o desgaste causado pelo apagão, que em última análise é problema da esfera federal, à qual cabe a regulação da distribuição de energia elétrica. No entanto, esse discurso, com viés eleitoral, não ajuda a religar a luz dos paulistanos. Serve apenas para capitalizar a frustração e a raiva dos moradores da cidade.

A ‘intifada globalizada’

Por O Estado de S. Paulo

Massacre na Austrália mostra que os judeus não estão seguros em lugar nenhum do mundo

Um dos gritos de guerra de movimentos que diziam atuar pela causa palestina ao longo da guerra em Gaza era “globalizem a intifada”. Intifada é o nome que se dá aos levantes palestinos contra Israel, que incluíram atentados terroristas sangrentos contra civis; logo, “globalizar a intifada” significa levar a reação violenta contra Israel para o mundo todo. Os judeus então se tornaram alvos óbvios desse discurso de ódio, e não à toa os casos de antissemitismo dispararam. O massacre de judeus numa cerimônia religiosa na Austrália no final de semana passado foi o ápice, até aqui, dessa violência – e pode-se dizer que, infelizmente, prova que os judeus não estão seguros em nenhuma parte do mundo.

O ataque deixou 16 mortos, entre os quais uma criança de 10 anos e um sobrevivente do Holocausto, em uma praia australiana até então conhecida por atrair a população local, turistas e praticantes de surfe. Houve ainda dezenas de feridos.

Os assassinos, pai e filho, abriram fogo contra uma multidão que se reunia na praia de Bondi por ocasião do primeiro dia do Chanuká, celebração judaica também conhecida como Festival das Luzes, que rememora a resistência do povo judeu diante da perseguição.

A carnificina só não foi maior porque um homem de origem síria chamado Ahmed al-Ahmed arriscou a própria vida para desarmar um dos atiradores.

Enquanto Ahmed rapidamente converteu-se em herói, detalhes sobre o pai e o filho assassinos ainda estão vindo a público. O pai, que tinha licença para portar armas, foi morto pela polícia. O filho, nascido na Austrália, já havia sido investigado por suspeita de associação ao extremismo.

Na esteira dos ataques, o pior da história da Austrália em quase 30 anos, lideranças do país prometeram dificultar ainda mais o acesso a armas, que já é bastante restrito naquele país. Mas a real questão nesse caso não é o acesso a armas, e sim o antissemitismo crescente, que agora já provoca banhos de sangue até mesmo em lugares idílicos como a famosa praia australiana.

Ainda não se sabe se o massacre na Austrália tem alguma relação direta com a guerra em Gaza ou com os movimentos pró-Palestina e anti-Israel, mas é fato que a exortação à “globalização da intifada” nunca foi desestimulada por importantes líderes mundo afora, sobretudo de esquerda.

No caso mais recente, o prefeito eleito de Nova York, o democrata Zohran Mamdani, recusou-se a condenar esse chamamento à violência durante sua campanha e até hoje não o fez de modo explícito. “Quando você se recusa a condenar e apenas ‘desencoraja’ o uso da expressão ‘globalizar a intifada’, você ajuda a facilitar (não a causar) o pensamento que leva ao massacre da praia de Bondi”, comentou Deborah Lipstadt, uma das maiores historiadoras do Holocausto e que trabalhou no governo de Joe Biden no combate ao antissemitismo.

Portanto, cabe às autoridades, seja de que partido forem, desestimular de forma clara o discurso que deslegitima Israel e expõe os judeus à violência.

Sem planos, país fica indefeso diante de desastres climáticos

Por Valor Econômico

Mais de 85% dos municípios brasileiros não têm planos de adaptação para as mudanças climáticas

A passagem de um ciclone extratropical no Centro-Sul do país este mês reafirmou tragicamente que eventos extremos agora são o “novo normal”, em decorrência das mudanças climáticas. São Paulo, a maior metrópole da América Latina, viveu cenas de caos e paralisia ao ser atingida pelo quarto apagão da primavera desde 2023, evidenciando o despreparo da empresa concessionária de energia e da gestão dos governos locais, municipal e estadual, e federal. Não há progresso na contenção de danos ou na agilidade de resposta de todos os envolvidos.

Chuvas e ventos de até quase 100 quilômetros por hora derrubaram árvores e a rede elétrica da região metropolitana de São Paulo na semana passada. Na quarta-feira (10), mais de 2,2 milhões de clientes da concessionária de energia Enel estavam sem luz, e a normalização do fornecimento de energia se deu lentamente, para desespero de cidadãos, comerciantes e empresas. Até ontem, a região metropolitana ainda tinha quase 56 mil imóveis sem energia. A Fecomércio-SP estima um prejuízo de ao menos R$ 2,1 bilhões com o apagão, sendo R$ 1,4 bilhão em serviços e R$ 696 milhões no comércio.

Depois dos outros apagões provocados por fortes temporais nos meses de primavera — os anteriores foram em 3 de novembro de 2023, 11 de outubro e 21 de dezembro de 2024 —, o Ministério de Minas e Energia afirmou, no domingo, que a Enel poderá perder a concessão para operar se não cumprir integralmente os índices de qualidade e as obrigações contratuais previstas. A Enel tem o pior desempenho entre as concessionárias de energia, segundo levantamento das agências Aneel e Arsesp. Vale ressaltar que qualquer concessionária teria dificuldade em apresentar uma resposta dentro do padrão na capital paulista após um evento climático extremo, considerando sua elevada densidade demográfica e uma rede elétrica quase toda aérea, totalmente vulnerável a queda de árvores e ventos fortes, mas a empresa tem falhado sistematicamente. E, às vésperas de mais um ano eleitoral, a catástrofe não deixou de ser explorada politicamente pelo prefeito Ricardo Nunes (MDB), que abriu uma queixa junto à Aneel, e pelo governador do Estado, Tarcísio de Freitas (Republicanos), que pede a intervenção na Enel e rejeita uma possível renovação da concessão.

Só que o enfrentamento do novo normal exige uma mudança estrutural de todas as esferas do setor público — federal, estadual e municipal — e do setor privado, no caso a concessionária de energia. A chegada da primavera no Sul e no Sudeste sempre trouxe consigo riscos de temporais e vendavais, que nos últimos anos se tornaram cada vez mais destrutivos. Falta investir em ações de adaptação climática.

Estudo na revista científica Sustainable Cities and Society de julho aponta que mais de 85% dos municípios brasileiros não têm planos de adaptação para as mudanças climáticas, segundo o índice geral de adaptação urbana (UAI, sigla em inglês). Dos 5.569 municípios brasileiros em 2021, 40% tiveram nota baixa (0,21-0,40) e 33%, nota média (0,41-0,60), enquanto só 1,4% teve uma nota alta, com destaque para Curitiba (0,98), Brasília (0,95) e São Paulo (0,89). O valor do UAI varia de 0, a nota mais baixa, a 1, a mais elevada. Porém, ter uma nota alta no índice não significa que um município está bem adaptado para enfrentar as mudanças climáticas, apenas que dispõe de dados e mecanismos, como leis de uso e de ocupação do solo e planos para gestão de riscos ambientais e climáticos, que podem ser empregados no processo de adaptação. Em outras palavras, o município teve um potencial de adaptação, mas não necessariamente o utiliza.

No caso de São Paulo, a rede de energia aérea é uma vulnerabilidade óbvia, mas sucessivos governos municipais se esquivam desse desafio citando o investimento astronômico para tornar a rede subterrânea — de cinco a oito vezes mais que a aérea. No entanto, deixam de fazer o cálculo dos danos evitados, uma contabilidade que poderia ser favorável a fazer os investimentos necessários, apesar dos custos.

O governo federal aprovou ontem o Plano Clima, documento que visa a orientar, implementar e monitorar as ações do país, com diretrizes setoriais e orientações para Estados e municípios, para zerar as emissões de CO2 até 2050 e promover a adaptação aos efeitos das mudanças climáticas por meio de estratégias de curto, médio e longo prazos. Estudos apontam que 1.942 municípios brasileiros são vulneráveis à emergência climática, que exigem mais do que mitigação e adaptação para enfrentá-la. No entanto, a aprovação do documento exigiu concessões que ilustram uma mentalidade mais voltada ao passado do que os desafios à frente, como o veto ao termo desmatamento, substituído por supressão de vegetação.

Em 2024, as catástrofes naturais — incluindo as enchentes no Rio Grande de Sul, queimadas recordes e seca — causaram prejuízos de pelo menos US$ 6,7 bilhões (cerca de R$ 36,3 bilhões), de janeiro a setembro, segundo relatório da britânica Aon, de gestão de riscos e resseguros. Essa conta tende a se multiplicar à medida que cresce a frequência de eventos climáticos extremos. O custo de enfrentamento das mudanças climáticas é alto, e os esforços para prevenção e adaptação são complexos, mas eles salvam vidas e poupam bilhões de reais em prejuízos evitáveis.

Nova fase no combate à dengue

Por Correio Braziliense

Não se pode mais fechar os olhos para a nova possibilidade sanitária que se avoluma no país a partir dos avanços da ciência nacional. É dever coletivo mudar os rumos do enfrentamento à dengue no Brasil

Batendo à porta, a próxima temporada da dengue vai encontrar nova barreira sanitária: uma vacina 100% nacional, produzida pelo Instituto Butantan, com características que, na opinião de especialistas, podem mudar o curso do combate à doença. Mais oportuno impossível. O ciclo de 2024 foi o pior da história — com 6,4 milhões de casos, cerca de 6 mil mortes e estruturas de saúde que quase colapsaram diante do excesso de pacientes —; no seguinte, os números arrefeceram; e o de agora deve manter o patamar. Fora da excepcionalidade, portanto, o Brasil tem condições mais propícias para reforçar o arcabouço protetivo contra a traiçoeira infecção. 

No momento, estão prontas para a distribuição 1 milhão de unidades da Butantan-DV e trabalha-se com a projeção de 1,8 milhão de infectados entre outubro de 2025 e outubro de 2026, sendo de 65% a 70% moradores da Região Sudeste. Ao Correio, o presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Leandro Safatle, afirmou que profissionais de saúde devem ser os primeiros imunizados, em razão da limitação de imunizantes, e que a ampliação de protegidos se dará à medida que a produção deslanchar — estima-se a oferta de mais de 30 milhões de doses em meados de 2026.

Seguido o roteiro, quando o novo ciclo perigoso da dengue começar — tradicionalmente, os surtos são espaçados por períodos de dois a quatro anos —, o país poderá estar mais preparado para contê-lo. Duas características da Butantan-DV sustentam tal afirmação: ela protege contra os quatro sorotipos do vírus da doença e por meio de dose única, diferenciando-se da tecnologia já disponível. "Há, agora, a possibilidade de resposta rápida em regiões com surtos. Vacinas que exigem duas aplicações dependem de intervalo de meses para alcançar efeito pleno. A nova formulação permite ação imediata e amplia a adesão, especialmente em operações de bloqueio", resume Leandro Safatle.

Para tanto, será preciso vencer um movimento de negação à eficácia de vacinas que contamina o país há anos. Em janeiro último, apenas metade das doses de Qdenga disponíveis desde fevereiro de 2024 havia sido aplicada — isso logo depois da epidemia histórica. Também altamente infeccioso, o sarampo teve um aumento recente na cobertura da segunda dose — de 57,6% em 2022 para 80,1% em 2024 —, mas está longe da meta de 95% indicada por especialistas. Ainda que os esforços do governo atual contra o movimento antivacina tenham ganhado fôlego, os números não deixam dúvidas de que é preciso investir em novas estratégias de imunização.

Também são incabidos questionamentos à robustez da Butantan-DV. Resultados publicados em revistas científicas renomadas, como a britânica The Lancet, indicam eficácia geral de 74,7% e proteção de 91,6% contra formas graves de dengue. Não à toa, agências de outros países têm demonstrado à Anvisa interesse em integrar a fórmula a seu repertório de tecnologias em saúde coletiva, reafirmando a importância do Brasil como um player estratégico no cenário sanitário internacional.

A recente escolha de  Luciano Moreira entre os 10 nomes que mais influenciaram a ciência em 2025, lista elaborada pela prestigiada revista Nature, é outra prova da força do país no combate à doença. O engenheiro agrônomo, pesquisador da Fiocruz, lidera uma iniciativa que, há uma década, altera o Aedes aegypti para bloquear a transmissão da dengue, zika e chikungunya. Levantamentos mostram que a soltura do mosquito modificado reduziu em até 70% o número de pessoas infectadas.

 Não se pode mais fechar os olhos para a nova possibilidade sanitária que se avoluma no país a partir dos avanços da ciência nacional. É dever coletivo mudar os rumos do enfrentamento à dengue no Brasil: com adesão à nova vacina e constância na prática das estratégias de contenção consolidadas.

A mudança de postura dos Estados Unidos

Por O Povo (CE)

O governo dos Estados Unidos dá mostras, finalmente, de que está abandonando a postura de priorizar aspectos ideológicos nas relações diplomáticas com o Brasil. A última medida importante anunciada, nesse sentido, foi a suspensão da aplicação da Lei Magnisky contra o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, e sua esposa, Viviane Barci.

Era meio inexplicável, diga-se, que um instrumento legal criado para punir autoridades e personagens estrangeiras, impondo-lhe dificuldades para fazer negócios através da economia dos Estados Unidos, fosse utilizado contra um juiz de outro país por decisões que tenha tomado com base naquilo que a legislação local determina. A ideia original da tal lei era atuar contra criminosos e figuras públicas cujas ações, em última instância, estivessem em desalinho com regras democráticas universais.

Alexandre de Moraes não é um ser perfeito e, claro, qualquer decisão sua está sujeita a crítica ou contestação. Aliás, haverá poucas personagens do Brasil contemporâneo tão atacadas quanto ele pela maneira como tem dirigido a investigação, no âmbito de sua competência como ministro do STF, do movimento observado entre os anos de 2022 e 2023 cujo objetivo evidente era romper o nosso quadro democrático.

O certo é que imputar-lhe viés ditatorial ou o que valha pelas decisões que tem tomado, ideia que estava no centro da justificativa do governo de Washington para manter o nome do magistrado na lista dos puníveis pela Magnisky, parece um erro evidente. Mesmo que precise ficar claro, reforçando, que isso não o torna imune a contestações, internas ou externas.

O que chamava atenção no comportamento de Donald Trump e seu governo era a confusão permanente entre uma coisa e outra. Para manifestar apoio a aliados de pensamento político no Brasil utilizava-se do aparato estatal dos Estados Unidos e valia-se até da lei do seu país, conforme interesses políticos, para criar constrangimentos diplomáticos e econômicos numa relação que precisa estar acima das ideologias para se fazer saudável.

Um passo no caminho de volta à racionalidade já havia sido dado um pouco antes com a suspensão de boa parte da aplicação de tarifas extras aplicadas, em vários setores, para produtos originários do Brasil. Também inexistindo justificativas lógicas, técnicas ou comerciais, para essas medidas, parcialmente revistas por Trump recentemente.

É animador que os movimentos recentes indiquem uma tendência de volta à normalidade nas relações, comerciais e diplomáticas, com os Estados Unidos. No entanto, ainda há um caminho longo por percorrer e o quadro desafiador segue a exigir, infelizmente, que enfrentemos a resistência de uma parcela de cidadãos e cidadãs que se recusam a colocar o interesse nacional na linha de frente de suas prioridades. 


Nenhum comentário: