O Globo
O que parecia ser uma solução negociada com
todas as partes agora está sob perigo.
Está difícil acertar o “acordão” (grande acordo, não o acórdão do juridiquês) entre os Poderes da República quando se tem apenas quatro dias para montar uma equação em que todos saiam ganhando — menos o povo, que os colocou lá, mas isso é mero detalhe. O presidente do Senado, Davi Alcolumbre, garante que a proposta de dosimetria das penas vai a votação, como prometido. Em contrapartida, já ganhou alguns mimos, entre eles o poder único de manusear as informações que a Polícia Federal extraiu dos celulares do banqueiro Daniel Vorcaro.
Quem lhe concedeu a benesse foi o ministro do
Supremo Dias Toffoli, que assumiu, por decisão própria, todas as ações sobre o
escândalo do Banco Master, tornando sigiloso em alto grau tudo o que diz
respeito às investigações do caso, exceção ao senador supracitado, cujo nome
aparece nas investigações, com dirigentes políticos do Amapá postos por ele em
postos-chave no serviço público de seu estado para investir no banco de
Vorcaro.
Os bolsonaristas, por seu lado, temem que a
dosimetria alterada para beneficiar com redução da pena o ex-presidente não
seja votada até o fim do ano. É mais que provável algum parlamentar tentar
atrasar a tramitação até o ano que vem. A maioria do Senado também está com a
impressão de que o texto que veio da Câmara alivia outros crimes, não apenas os
cometidos no 8 de Janeiro. Já apelidaram o PL de “projeto de facção”, por
beneficiar bandidos presos por diversos outros crimes.
Alguns tentam encontrar uma maneira de mudar
o texto no Senado para que não precise voltar à Câmara. Caso não seja possível,
não haverá tempo de votar, pois estamos na última semana útil do ano
legislativo antes do recesso parlamentar. E tentam retirar alguma parte do
texto que possa sugerir favorecimento à interpretação ampliada do alcance da
dosimetria, além de também negociar com o bolsonarismo para não insistir na
anistia, que não tem número suficiente de apoiadores para entrar em discussão e
que embolaria a votação do plenário.
Se demorar muito, fica para o Congresso votar
na volta do recesso, lembrando que o mês de abril é o limite para o governador
de São Paulo, Tarcísio de Freitas, decidir se deixa o governo para se
candidatar a presidente da República. Há ainda a possibilidade de o presidente
Lula vetar o projeto que saia desse “acordão”, seja em que versão for, porque a
esquerda considera o projeto de dosimetria praticamente uma anistia camuflada.
As manifestações do fim de semana, embora não tão grandes quanto o esperado
pelos organizadores, já mostram indignação de parte da sociedade, e Lula deve
ficar atento a ela.
A programação de Tarcísio não combina com a
do Congresso. A do Centrão não combina com a dos bolsonaristas. A do governo
não combina com a possível adesão da direita conservadora. Os ventos políticos
na América Latina levam à ascensão da direita, reforçada pela vitória no Chile.
A dúvida é se a família Bolsonaro prefere perder com a candidatura de Flávio ou
ganhar com Tarcísio. O PL não se importa de perder com Flávio, desde que amplie
suas bancadas na Câmara e no Senado. Valdemar Costa Neto pensa em si, nos
fundos eleitoral e partidário que controlará, e sabe que pode ter acesso fácil
a Lula reeleito. Acredito que a tendência é não aprovar nada agora. Não vejo
como possam superar esses problemas para resolvê-los em uma semana. E haverá
uma crise grande, de novo. O que parecia ser uma solução negociada com todas as
partes agora está sob perigo. É difícil um acordo ganha-ganha nessas condições.

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