Correio Braziliense
Durante a Operação Compliance
Zero, deflagrada para apurar um esquema bilionário de fraudes bancárias, a PF
identificou possível conexão com autoridade detentora de foro
O caso do Banco Master assombra o Supremo
Tribunal federal (STF). A explicação pública do diretor-geral da Polícia
Federal, Andrei Rodrigues, sobre a adoção do sigilo ampliado no caso Master
colocou o Supremo numa saia justa institucional. Ao detalhar, com cautela
técnica, que a PF interrompe investigações sempre que surge um “achado” envolvendo
autoridade com prerrogativa de foro para evitar nulidades processuais,
Rodrigues expôs um ponto sensível: o STF passou a concentrar integralmente o
controle do inquérito por força de um modelo jurídico que vem ampliando, de
forma contínua, o raio de ação da Corte.
O procedimento adotado pela PF é formalmente correto e segue jurisprudência consolidada. O problema não está no rito, mas no efeito político e institucional produzido pela transferência automática de todas as ações ao Supremo e pela decisão do relator de impor sigilo máximo ao caso. Ao explicar o processo com transparência, Rodrigues deixou claro que a iniciativa não partiu da corporação, mas de uma obrigação institucional que concentra no STF o comando de investigações sensíveis. O foco do escândalo financeiro agora está no colo do próprio Supremo.
O chamado foro por prerrogativa de função,
previsto na Constituição, define que determinadas autoridades — como ministros
de Estado, parlamentares federais e ministros de tribunais superiores — sejam
investigadas e julgadas diretamente pelo STF. Na prática, sempre que surge um
indício concreto de envolvimento de alguém com foro especial no curso de uma
investigação, a Polícia Federal e o Ministério Público são obrigados a
suspender as apurações na primeira instância e a remeter os autos ao tribunal
competente.
Qualquer diligência realizada sem essa
cautela pode gerar nulidade processual e comprometer todo o inquérito. É tudo o
que desejam os advogados do banqueiro Daniel Vorcaro, principal envolvido no
escândalo. Durante a Operação Compliance Zero, deflagrada para apurar um
esquema bilionário de fraudes bancárias, a PF identificou um “achado” que
indicaria possível conexão do caso com autoridade detentora de foro.
Diante disso, as investigações foram temporariamente
interrompidas e encaminhadas ao STF. A ação investiga a atuação do Banco Master
em operações irregulares, principalmente com o Banco de Brasília (BRB). Segundo
a PF, o Master teria vendido carteiras de crédito sem lastro ao banco estatal,
com a anuência do então presidente do BRB, Paulo Henrique Costa, que acabou
afastado. Vorcaro, controlador do banco, chegou a ser preso preventivamente,
mas foi solto posteriormente.
No material apreendido, a Polícia Federal
encontrou um contrato de prestação de serviços jurídicos entre o Banco Master e
o escritório de advocacia de Viviane Barci de Moraes, esposa do ministro do STF
Alexandre de Moraes. O contrato previa pagamentos de até R$ 129 milhões em três
anos, com remuneração mensal de R$ 3,6 milhões, e tinha escopo genérico de
consultoria e assessoria jurídica. O suposto acordo não foi executado
integralmente em razão da liquidação extrajudicial do banco, decretada pelo
Banco Central.
Espelho incômodo
A identificação desse contrato, somada à
localização de documentos que mencionavam um deputado federal, levou o caso ao
Supremo. Sorteado relator, o ministro Dias Toffoli determinou que todas as
ações relacionadas ao inquérito passassem a tramitar exclusivamente no STF e
impôs sigilo ampliado aos autos. Com isso, a 10ª Vara Federal de Brasília
suspendeu o inquérito e remeteu todos os pedidos pendentes à Corte. Essa
revelação criou grande constrangimento para o ministro, sua esposa e o próprio
Supremo.
Depois de analisar parte dos documentos que
instruíram o processo contra o ex-controlador do Banco Master Daniel Vorcaro, o
ministro do Supremo Tribunal Federal Dias Toffoli determinou à Polícia Federal
que tome os depoimentos dos investigados e também do pessoal do Banco Central
num prazo de 30 dias.
Desde a tentativa de golpe de Estado de 8 de
janeiro de 2023, o STF teve suas prerrogativas significativamente ampliadas,
assumindo protagonismo central na defesa da ordem constitucional. Autorizou
investigações de ofício, validou instrumentos atípicos e concentrou decisões
estratégicas para conter a ruptura democrática. Essa ampliação foi amplamente
legitimada pelo contexto excepcional.
Ocorre que poder excepcional não pode se
converter em regra permanente. A frequência de decisões monocráticas de grande
alcance, a ampliação do sigilo sem balizas claras e a concentração de processos
sensíveis em relatorias individuais desgastam a legitimidade simbólica do
Supremo, sobretudo nos meios jurídicos. A legalidade formal permanece
preservada, mas a percepção pública de equilíbrio, impessoalidade e
autocontenção começa a se deteriorar.
A fala de Andrei Rodrigues funcionou como um
espelho incômodo. Deslocou a responsabilidade política para o foro competente,
porém, ao não revelar o nome da autoridade envolvida, corretamente, deixou no
ar uma tensão que recai diretamente sobre o Supremo, sobretudo quando fatos
paralelos ganham repercussão pública. O momento exige algo além da estrita
observância da lei: o cuidado extremo com a imagem da instituição.
A confiança pública é um ativo tão relevante
quanto a autoridade jurídica. Quando essa confiança se fragiliza, mesmo
decisões corretas passam a ser contestadas. A saia justa criada pela fala do
diretor da PF decorre da própria condição institucional que hoje coloca o
Supremo no centro das crises. Por isso, cresce a necessidade de um ponto de
equilíbrio entre decisões monocráticas e colegiadas e da discussão de um código
de conduta com regras explícitas sobre comportamentos que, mesmo legais, possam
comprometer a aparência de imparcialidade.

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