domingo, 3 de janeiro de 2016

Opinião do dia: Miguel Reale Júnior

Nova troca de impunidades no horizonte. Diante de cenas explícitas de malandragem, a população fica descrente dos Poderes Executivo e Legislativo.

Contudo, se ainda se acreditava no Judiciário, o contorcionismo constitucional do Supremo acerca do rito do impeachment criou grave insegurança.

Aristides Lobo, político e jornalista, em 1889 escreveu que o povo bestificado assistiu atônito à proclamação da República. Agora o povo bestificado assiste atônito à destruição da República. O ano novo começa velho.
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Miguel Reale Júnior é advogado, professor titular sênior da Faculdade de Direito da USP, membro da Academia Paulista de Letras, foi ministro da Justiça, ‘O povo bestificado’, O Estado de S. Paulo, 2.1.2016

Fernando Henrique Cardoso: Sinais de preocupação e esperança

- O Estado de S. Paulo

Em 2015 houve muitos sinais de desalento. Assistimos à implosão do Oriente Médio, com a expansão do Estado Islâmico na esteira da guerra civil na Síria e no Iraque. Processo que se refletiu também na África, onde a Líbia se afunda no desgoverno e grupos radicais islâmicos fazem do terrorismo uma ameaça cada vez mais disseminada. Na Europa, assustada com as ondas migratórias, crescem os partidos xenófobos de ultradireita. Nos Estados Unidos, a voz trombeteira de Donald Trump põe em risco os ideais dos pais fundadores do país, criado para ser a terra da liberdade religiosa e da aceitação da diversidade.

Não obstante, nem tudo foi desânimo. A Conferência do Clima, em Paris, deu sinais de que os governos e as empresas despertaram e perceberam que o aquecimento global é um fato. Pode-se criticar o acordo num ou noutro ponto, mas ele dá passos concretos para a construção de uma economia de baixo carbono. A César o que é de César: o governo brasileiro, com a ministra Isabella Teixeira à frente, acordou e começa a acertar os passos em matéria climática.

Tampouco dá para desconhecer que o acordo com o Irã representou um avanço importante para conter a nuclearização. O Ocidente, que há tempo dialoga com a China, deverá prosseguir as negociações diplomáticas com os países muçulmanos. Terá de reconhecer os interesses do Irã no Oriente Médio e a presença da Rússia na região, levando-a ao diálogo diplomático e até mesmo ao esforço militar comum.

Também os ventos antipopulistas começam a soprar na América Latina. A derrota dos candidatos peronistas na Argentina e, sobretudo, a espetacular maioria obtida pela oposição democrática na Venezuela enchem de ânimo os que não confundem populismo com progressismo. Uruguai e Chile são governados por partidos “de esquerda”, mas não populistas, e a nenhum democrata ocorre torcer por sua derrota só por essa inclinação política. Outra coisa é o autoritarismo pseudonacionalista, que distribui uma renda que não se sustenta no tempo e atropela regras democráticas, quando não viola direitos humanos, para se perpetuar no poder, como no caso do “bolivarianismo”, que, como uma lâmina, estava e ainda está cravado no arcabouço institucional da região. Esse populismo começa a se desfazer. São sinais promissores.

A confusão entre populismo e políticas “de esquerda” baseia-se num equívoco: o de que medidas que propiciam melhoria imediata das condições de vida são progressistas, mesmo que não se possam manter no tempo. Em contrapartida, seriam de “direita” providências que impedem gastar mais do que se pode, à custa de endividamentos e da insolvência. Na verdade, o respeito ao equilíbrio orçamentário, o controle da inflação e a não manipulação do câmbio (sem austeridades eternas, nem monetarismos fora de moda) são condições indispensáveis para o crescimento econômico e para a inclusão social. Não são suficientes, mas são indispensáveis para que as políticas sociais se mantenham. Ao ignorá-las, muitos projetos ditos “em benefício do povo” terminam em ruínas.

Meus votos para 2016 são para que esta brisa benfazeja chegue ao Brasil. E assim como desejo que a onda repressiva e antimigratória que alcança a Europa e o populismo de direita que assola os Estados Unidos encontrem limites, espero que os populismos disfarçados de progressistas regridam em nossa região.

É difícil de dizer que o populismo é o traje institucional brasileiro. Há líderes que de vez em quando se mascaram com tal vestuário, porém ora têm vinculações à esquerda, ora à direita, ora ao centro ou onde mais haja pontos num hipotético espaço ideológico. A figura que na política brasileira recente mais se aproximou do modelo carismático, Lula, não chegou a institucionalizar o populismo. Prevaleceu no Brasil um misto entre “progressismo”, atraso, corrupção, nacionalismo, redistributivismo, etc., com laços empresariais, nem sempre sadios. Nada comparável à ideologia populista do peronismo ou do bolivarianismo, que tinham fortes traços antiamericanos ou anticapitalistas. Vingou entre nós um híbrido de oportunismo tradicional, clientelismo, corrupção e incompetência, sem fórmulas ideológicas consistentes.

Também isso está a se desfazer. Os desastres econômicos levaram essas políticas petistas à impossibilidade prática. Elas não se limitaram, o que seria defensável, a beneficiar os mais pobres, mas distribuíram vantagens pecuniárias, via Orçamento ou à margem dele, a quem menos precisava. Resultado: as finanças públicas estão em estado falimentar.

Sem o charme do populismo mais vigoroso e com o Tesouro vazio, como manter a “hegemonia” do PT? Impossível. Assistimos nos últimos meses de 2015 ao esfacelamento da “base aliada” e à queda vertiginosa do apoio popular ao governo. O desencontro entre Ministério da Fazenda, governo e Congresso acelerou o desmoronamento político. Roubaram tanto para sustentar os partidos no poder que suscitaram uma reação salutar e inédita. Algumas instituições do Estado se revigoraram. Vemos a Justiça, as Procuradorias e mesmo a Polícia Federal tentando extirpar os que fizeram “malefícios”. Como as regras da democracia prevalecem, não impera o medo e a mídia atua com propriedade informando o que ocorre nos gabinetes.

Há sinais de esperança. Comecemos 2016 com ânimo, imaginando que pelo melhor meio disponível (renúncia, retomada da liderança presidencial em novas bases ou, sendo inevitável, impeachment ou nulidade das eleições) encontraremos os caminhos da convergência nacional, respeitando a diversidade de opiniões, propiciando uma vida mais decente para todos, com a retomada do crescimento, a volta do emprego e a reconstrução da política republicana. São os meus votos.

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Fernando Henrique Cardoso é sociólogo, foi presidente da República

Luiz Werneck Vianna*: O pontificado laico e a República

- O Estado de S. Paulo

Com sua intervenção sobre os ritos a serem obedecidos no processo de tramitação do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff, o Supremo Tribunal Federal atravessou o Rubicão, passando por cima do voto do relator, Edson Fachin, e fez ouvidos moucos à veemência com que o ministro Dias Toffoli sustentava não passar dos limites, que o Poder Judiciário deveria reservar-se diante dos atos emanados do Poder que representa a soberania popular – dois ministros a que não se podem atribuir posições adversas ao governo e a seus dirigentes. Finda a votação, um País perplexo pôde constatar que mais um passo tinha sido dado em direção a um governo de juízes – às favas os escrúpulos com as obras de Habermas e de Dworkin, referências cultuadas entre magistrados –, categoria agora elevada ao status de um pontificado laico, com a confirmação de que não há mais limites para a patológica judicialização da política reinante entre nós.

É verdade que trazemos inscrito no código genético do nosso processo de modernização a intervenção do juiz em matéria crucial em sociedades capitalistas, qual seja a regulação pela Justiça do Trabalho do valor da mercadoria força de trabalho, quando, nos idos do regime da Carta de 1946, um magistrado arbitrava o quantum do salário “justo” por cima das partes envolvidas nos conflitos salariais e, no caso de desobediência, sujeitava a sanções os sindicatos e seus dirigentes. Convertia-se, então, um fato mercantil em jurídico. No remoto ano de 1976, emLiberalismo e Sindicato no Brasil (Paz e Terra, Rio de Janeiro, primeira edição), o autor deste artigo se empenhou na análise dessa esdrúxula transfiguração.

A obra dos constituintes da Carta de 1988, de fato, democratizou o País, com as ressalvas apontadas pelo jurista Mauricio Godinho Delgado em matéria da legislação sindical (Curso de Direito do Trabalho, LTR), embora tenha recepcionado – em razão da sua desconfiança quanto às instituições da democracia representativa em concretizar os ideais de igualdade que ela acolheu – a tradição brasileira, do Império à República, de confiar ao Poder Judiciário papéis de pedagogia cívica sobre a cidadania. Nesse sentido, o constituinte criou novas instituições, como o mandato de injunção, redesenhou o Ministério Público com uma configuração inédita no Direito Comparado que parece ter saído da prancheta de um Oliveira Vianna, constitucionalizou a Defensoria Pública, as ações civis públicas e os juizados especiais, entre outras inovações.

Tudo o que é vivo na sociedade foi recoberto por essa malha amplíssima, que não deixou de crescer com a legislação subsequente e com uma jurisprudência cada vez mais criativa dos tribunais, sempre citados em registro positivo os casos do reconhecimento das relações homoafetivas, o do aborto de fetos anencéfalos e a demarcação de terras indígenas no Estado de Roraima. A legislação eleitoral, fato da política, não passou imune à intervenção dos tribunais, que derrubou a cláusula de barreira, introduzida pelo legislador, para que os partidos viessem a ter acesso ao Parlamento, com resultados, como ora se constata, em tudo diversos, por sua carga negativa, dos casos acima citados, que encontraram soluções benfazejas.

As razões de fundo do crescimento exponencial da litigação nos tribunais, tão bem descrita em artigos deste jornal por José Renato Nalini, ex-presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, não encontram sua explicação apenas no comportamento de atores singulares, até porque litigar tem custos, ao menos de tempo, e os resultados são sempre incertos e, em regra geral, demorados. Elas, ao contrário, derivam da perda de credibilidade e da capacidade de atração dos partidos políticos, de uma vida associativa frágil e destituída de meios para negociar conflitos, não restando outro recurso a uma cidadania desamparada e fragmentada senão recorrer à Justiça. O atual gigantismo do Judiciário e a monumentalidade arrogante de suas sedes são a contraface, como consensualmente registra a bibliografia, da falta de República e de suas instituições.

Intuitivo que a judicialização da política vem trazendo consigo a politização do Judiciário, em particular dos seus órgãos superiores. Não se pode argumentar, como tão frequente, que nossas instituições são resilientes e estão funcionando – diante do quadro que aí está talvez nem o Doutor Pangloss ousasse uma platitude de gênero tão naïf. Há uma situação de alto risco em nossas instituições e no tecido da vida social. Estamos à beira de um precipício, já foi escrito em algum lugar. César Benjamin, analista respeitado, diagnosticou em debate recente a possibilidade de uma convulsão social, ainda remota, é certo, mas que não deve ser descartada, pelo clima de cólera que grassa por aí nas ruas, nos aeroportos e nos restaurantes grã-finos, com seus frequentadores endinheirados.

É preciso que, em alto e bom som, se diga que muito desta crise que ora nos atormenta talvez não se revestisse da dramaticidade atual se uma canetada do Supremo Tribunal Federal não tivesse passado por cima da vontade do legislador que criou a cláusula de barreira para os partidos políticos. Nesta hora em que convergem a judicialização da política e a da saúde e a intervenção do Judiciário em políticas públicas do governo do Estado do Rio de Janeiro, é de lembrar a ação republicana dos médicos David Capistrano da Costa Filho e Antonio Sergio Arouca, intelectuais públicos que pavimentaram o caminho, por dentro dos partidos efetivamente existentes, do Parlamento e fora deles, para a criação do Sistema Único de Saúde (SUS), hoje à margem da República e dependente da discrição de ações judiciais para poder funcionar. A Roma dos pontífices da Renascença, Maquiavel que nos diga, jamais poderia ser uma República.

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*Luiz Werneck Vianna é sociólogo, PUC-Rio

Samuel Pessôa: Olhando para trás

- Folha de S. Paulo

Esta é a primeira coluna do ano. Momento ideal para conferir o cenário que traçamos para 2015.

Esperava que o crescimento em 2015 fosse de 0,5% e que a inflação ficaria em 6,7%, em função do ajustamento dos preços administrados em 9% e de um câmbio de final de período de R$ 2,8.

A inflação será de 10,7%. O erro não foi de modelo, mas sim de premissas empregadas para gerar a projeção. O câmbio deve fechar o ano em R$ 4, e não em R$ 2,8, como se imaginava; e a inflação dos administrados será de 18%, e não os 9% projetados.

O erro de oito pontos percentuais (pp) na inflação de preços administrados adiciona 2,0 pp na inflação do ano, visto que estes preços respondem por pouco menos de 25% do índice.

O erro no câmbio de 43% (R$ 1,2 adicional, em relação a R$ 2,8) acrescenta 2,6 pp na inflação, se o repasse for de 6% - isto é, cada 10% de desvalorização do câmbio representar 0,6 pp a mais na inflação.

Se tivesse acertado as premissas com relação ao câmbio e à inflação de administrados, teria projetado em dezembro de 2014 que a inflação de 2015 seria de 11,3%: resultado da soma da projeção de 6,7% com os 4,6 pp do erro nas premissas (2,0+2,6). A inflação de fato em 2015 será de 10,7%, o que significa que os modelos com as premissas corretas resultaram em inflação 0,8 pp maior do que a observada.

A inflação 0,8 pp abaixo do que seria esperado (com as premissas corretas) deriva da menor pressão inflacionária em função da atividade, que foi 4,1 pp pior do que o imaginado (recuo de 3,6%, ante projeção, em dezembro de 2014, de crescimento de 0,5%).

Na verdade, uma atividade tão ruim e tão abaixo do projetado deveria ter levado a inflação mais para baixo do que a diferença de apenas 0,8 pp entre a realidade e o modelo alimentado com as premissas corretas de câmbio e preços administrados. Isto significa que o processo inflacionário em 2015, mesmo considerando o salto pela grande desvalorização cambial e pela enorme inflação corretiva, já adquiriu uma inércia extremamente forte. Será difícil trazer a inflação novamente para a meta de 4,5%.

O erro na atividade de 4,1 pp deveu-se a não se ter projetado piora tão acentuada da confiança da indústria, dos serviços e dos consumidores. Uma pessoa olhando para frente em dezembro de 2014, se soubesse que a confiança cairia como de fato caiu, conseguiria prever a fortíssima queda da atividade.

O recuo não previsto da confiança foi causado por não se ter antevisto a piora política, que tem três causas: os efeitos da operação Lava Jato sobre o mundo da política; o estelionato eleitoral muito profundo, que minou as condições para que a sociedade aceitasse o ajuste das contas públicas; e o clima demasiadamente aguerrido da campanha eleitoral, que envenenou o ambiente político, não deixando espaço para a cooperação entre governo e oposição.

A única defesa que tenho contra tantos erros é que em dezembro de 2014 escrevi: "Uma das hipóteses para esse cenário é que a política fiscal melhore muito e tenhamos um superavit recorrente das contas públicas mais próximo de 1% do PIB. (...) O sucesso da estratégia de ajuste dependerá demais da habilidade na condução da política e de convicção. Na falta de um dos dois, não me atrevo a desenhar o que virá pela frente".

Semana próxima apresento meus prognósticos para 2016. Espero errar tanto quanto errei sobre 2015, somente que na direção contrária!

Merval Pereira: Mecanismos de mediação

- O Globo

O presidencialismo de coalizão não é inexoravelmente instável, nem promove a ingovernabilidade crônica ou cíclica. Mas, por suas singularidades, e pela instabilidade que lhe é inerente, ao assentar a governança em uma grande coalizão, portanto com graus irredutíveis de heterogeneidade, requer mecanismos ágeis de mediação institucional e resolução de conflitos entre os poderes políticos da República, para além do poder moderador do Judiciário.

Esta é a conclusão a que chega o cientista político Sérgio Abranches ao revisitar nosso método de governo, que ele foi o primeiro a definir como “presidencialismo de coalizão” em artigo de 1988. Para Abranches, o ponto crítico é que o presidencialismo de coalizão padece de fluidez institucional.

“O conflito entre Legislativo e Executivo se agrava irresolúvel, na ausência de mecanismos institucionalizados e legítimos de mediação e arbitragem”. Sem limites definidos e amplamente compartilhados que criem mecanismos de mediação dos conflitos e de resolução dos impasses entre Executivo e Legislativo, agravam-se os riscos de crises institucionais cíclicas, adverte Sérgio Abranches.

Este é um problema sério, que tem raízes históricas, e que só encontrará solução em inovações constitucionais que permitam maior equilíbrio entre os poderes, mais rápida e eficaz resolução de crises entre Executivo e Legislativo, e criem espaço para a recomposição de maiorias capazes de assegurar a governabilidade. O modelo institucional brasileiro é cronicamente deficitário de recursos de resolução de conflitos, que frequentemente bloqueiam o processo decisório, analisa o cientista político.

“A tendência à hiperjudicialização em todos os setores da vida econômica, social e política, marcados por contenciosos que não se resolvem sem mediação externa é um sintoma evidente dessa anemia institucional”. Esse quadro revela a necessidade de rápida institucionalização de procedimentos de negociação e resolução de conflitos que evitem que todas as crises desemboquem nas lideranças e, sobretudo, na Presidência, que todos os contenciosos sobrecarreguem o Judiciário de demandas por arbitragem.

“Pode ser, eventualmente, alguma forma de governo de gabinete”, diz ele, referindo-se aos chamados sistemas semipresidencialistas ou semiparlamentaristas em vigor em países europeus como a França e Portugal. O importante, analisa Sérgio Abranches, é que já está claro, com quase três décadas de funcionamento ininterrupto e várias crises, que o presidencialismo de coalizão no Brasil é governável, tem capacidades institucionais bastante robustas, mas tem um déficit institucional na resolução de crises de impasse polarizado entre Executivo e Legislativo.

“Não se trata apenas de rever o mecanismo de voto em si, é preciso repensar as campanhas eleitorais, para deixar de serem uma batalha caríssima entre marqueteiros que escondem, em lugar de expor os candidatos. Campanha deve expor os candidatos ao escrutínio persistente do eleitorado, informá-lo adequadamente sobre as intenções, valores e capacidades dos candidatos, para fazerem uma escolha informada”.

Também os mandatos devem estar sujeitos à renovação por algum tipo de recall e algum mecanismo de convocação de eleições antecipadas. “O processo de responsabilização política do presidente da República precisa ser mais transparente e mais ágil, ainda que como recurso de última instância”.

Como fazer essas mudanças e que desenho institucional se deve adotar são questões para um debate alentado, transparente e democrático, diz Sérgio Abranches, advertindo que “não seria admissível promover mudanças de afogadilho, com motivações conjunturais”.

Instaurar, por exemplo, o presidencialismo de gabinete, no curto prazo, como solução para o trauma pós-impeachment, seria, para Sérgio Abranches, “um erro que comprometeria ainda mais a democracia brasileira. Todo casuísmo institucional é ruim”. Como o presidencialismo de gabinete seguiria sendo de coalizão, dadas as características estruturais da sociedade brasileira, ele teria que ser ajustado à nossa realidade, adverte.

“Qualquer mudança dessa natureza demandaria debate amplo e transparente, investigação técnica de viabilidade e desenho constitucional, deliberação coletiva bem informada e decisão em um contexto de normalidade política, evitando-se ao máximo a contaminação de uma decisão constituinte sobre a ordem institucional por considerações casuísticas ou personalizadas.”

É, em suma, diz Sérgio Abranches, “um desenho para o longo prazo, para o futuro, não para resolver as aflições do dia”.

Dora Kramer: Fala sério, presidente

- O Estado de S. Paulo

Já no primeiro dia de 2016, a presidente da República perdeu mais uma vez a oportunidade de falar a sério com a sociedade brasileira e, com isso, recuperar algum crédito diante do Brasil e do mundo. Em artigo assinado na Folha de S. Paulo, Dilma Rousseff persistiu nas justificativas falsas para a crise, insistiu em distorcer a realidade e continuou se posicionando como se governasse um país de devotos crentes e desmemoriados.

No enunciado do balanço de 2015, a presidente propõe uma reflexão sobre “erros e acertos” do ano, indicando a disposição de rever suas responsabilidades “com humildade e perspectiva histórica” a fim de superar dificuldades e contrariar as previsões de que dias piores virão.

Os dois parágrafos iniciais injetam no leitor a esperança de que a presidente da República tenha se dado conta dos males causados por suas decisões e que vá finalmente rever atitudes colocando o dever de estadista acima de suas crenças, características de temperamento e conveniências partidárias.

A leitura completa do longo texto, no entanto, se encarrega de desmontar a mais otimista das expectativas. A começar pela referência a “acertos” na tentativa de amenizar a dimensão dos erros. Quais acertos? Na ausência de algum de efeito substantivo, restam a Dilma números que compuseram o roteiro do filme já visto na campanha eleitoral.

A “humildade” prometida na revisão de suas responsabilidades na crise econômica cai por terra quando a presidente atribui, de novo, a situação a fatores externos combinados com a necessidade de, internamente, alterar a rota na condução da economia. Mudança esta, sabemos todos, imposta pelo desastre iniciado quando da substituição dos assentados pressupostos da estabilidade pelo populismo aliado ao voluntarismo ideológico.

Na abordagem da crise na política, a presidente obedece ao mesmo critério de agressão aos fatos. De acordo com sua narrativa, “a instabilidade política se aprofundou por uma conduta muitas vezes imatura de setores da oposição que não aceitaram o resultado das urnas”.

Note-se, a culpa é da oposição que exatamente por aceitar o resultado da eleição, seguiu a vontade do eleitor e se opôs ao governo. A crise, na versão da presidente, nada tem a ver com seus atritos e equívocos permanentes na relação com o Congresso e partidos aliados, aqui em destaque a tentativa amadora de dar rasteiras nos profissionais do PMDB.

Da retrospectiva enganosa a presidente da República passa às perspectivas falaciosas. Começa prometendo uma reforma da Previdência a partir do diálogo com empresários e trabalhadores, mercadoria que não tem condições de entregar. Pelo simples motivo de que as partes falam linguagens opostas no tema e o governo não sabe, não pode ou não quer arbitrar questão alguma.

A retomada das atividades do setor produtivo mediante reformas estruturais necessárias será, na palavra da presidente, possível por intermédio de debates no Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social. Um fórum inútil desde o início do primeiro governo Lula.

No quesito promessa vã, a presidente reafirma disposição de completar a “reforma administrativa” iniciada em 2015. Aos números da referida reforma: dos três mil cargos comissionados a serem cortados, foram extintos 346; da redução de ministérios, apenas sete secretarias das 30 prometidas tiveram suas atividades encerradas; da economia prevista de R$ 200 milhões, o governo realizou bem menos de 10%: R$ 16 milhões.

A presidente conclui dizendo que “todos esses sinais” dão a ela a certeza de que 2016 será melhor. Convicção da qual o País não tem motivo para compartilhar.

Elio Gaspari: O retrato do capitalismo petista

- O Globo

O ano que passou e este que está começando entrarão para a História do capitalismo petista. A repórter Natália Cacioli revelou que, pela primeira vez desde 2002, quando foi criado o Tesouro Direto, um supermercado de papéis do governo, o número de pessoas que protegeu seu dinheiro com pouca intermediação financeira superou o de investidores na Bolsa de Valores. Em apenas um ano o número de clientes do Tesouro Direto cresceu 72%, chegando a 587 mil.

Em tese, quem aplica na bolsa brasileira investe na produção. Quem vai para o papelório do Banco Central remunera-se à custa do endividamento do governo. Com a taxa de juros a 14% (e vem mais por aí), quem foi para o Tesouro Direto deuse melhor do que a clientela da caderneta de poupança (137 milhões de contas). A aplicação preferida do andar de baixo, onde está o dinheiro de quem se previne contra o desemprego, teve rentabilidade negativa, pois pagará 7,95% contra uma inflação de 10,48%.

A Bolsa foi pior, voltou ao nível de 2008, acumulando uma queda de 29% no ano. Isso se deveu em parte à gestão dos comissários na Petrobras e à queda das ações da Vale, produto da conjuntura internacional, bem como da irresponsabilidade de sua sócia Samarco, a mãe do desastre de Mariana.

O PT produziu a maior taxa de juros do mundo e o pior desempenho internacional do mercado de ações. Vive-se melhor emprestando dinheiro ao governo e aplicando-o diretamente no Tesouro do que investindo na produção de seja lá o que for. Sempre que isso acontece a vida dos brasileiros piora.

A expansão dos fregueses do Tesouro Direto reflete uma cautela dos investidores. Além de buscar remuneração nos papéis da Viúva, preferiram evitar aplicações mais sofisticadas em fundos de instituições financeiras. Fugiram de todos os riscos, no que fazem muito bem.

Eliane Cantanhêde: Guerra fraticida

- O Estado de S. Paulo

Tempos de crise são tempos de discórdia e é por isso que os duelos de 2015 tendem a se intensificar neste 2016. É PT contra PMDB, PMDB contra PMDB, PSDB contra PSDB, PSB contra PSB, STF contra STF, Câmara contra Senado, mas o mais grave é Dilma Rousseff versus Lula, até mais do que Dilma versus Michel Temer.

Com o processo de impeachment permeando tudo isso, tem-se, mais que duelos, também “trielos” e até “quadrielos”. Exemplo: Dilma que não amava Eduardo Cunha, que não amava Renan Calheiros, que não amava Temer, que não amava Dilma, que...

Na oposição, sem novidade: Geraldo Alckmin versus Aécio Neves, Aécio versus José Serra, Serra versus Alckmin... A cobra correndo atrás do próprio rabo, derrapando na trilha aberta por PPS, DEM e Solidariedade.

Nenhuma dessas guerras, porém, é mais importante e produz mais efeitos políticos do que a que se agrava entre o criador Lula e a criatura Dilma, que convivem num casamento sem saída: não há mais amor, respeito e esperança, mas o divórcio é impossível. Pelo menos neste momento. Passado o processo de impeachment, tenha o desfecho que tiver, e passada a eleição municipal, tenha o resultado que tiver, o foco será 2018. Aí, o casamento vai balançar.

Lula não faz mais questão de esconder, em privado, o quanto se decepcionou com Dilma e quão pouco espera dela como agente da recuperação do Brasil, seja na economia, seja na política. Se arrependimento matasse... O mínimo que ele tem dito é que “Dilminha” é teimosa, cabeça dura, jogou seu legado no ralo e se recusa a ouvir suas orientações, que ele adoraria serem acatadas como ordens do mentor e antigo chefe.

Exagero dele. Dilma tentou meses resistindo, mas acabou empurrando Aloizio Mercadante de volta ao ostracismo (alguém aí tem ouvido falar um “a” dele ou sobre ele?) e engolindo o anfíbio Jaques Wagner, que terá cada vez mais relevância em 2016. E ela também cedeu a Lula ao desistir de Joaquim Levy, saco de pancadas predileto do PT, da CUT, do MST e da UNE, que não podiam espancar Dilma, a eleita de Lula, e disfarçavam espancando Levy, o eleito de Dilma.

A presidente, porém, só deu meia vitória ao seu criador, que articulava a troca de Levy por Henrique Meirelles e de José Eduardo Cardozo por Nelson Jobim. Seria o fim do mundo, ou melhor, a pá de cal no governo. Ou alguém esqueceu o quanto Dilma detesta Meirelles e Jobim? Por isso, ela ficou no meio termo e, ao trocar Levy, olhou para o espelho e viu ali Nelson Barbosa, que pensa como ela, faz como ela, erra como ela. No dia seguinte, o PT botava a faca no pescoço de Barbosa para que ele faça tudo o que seu mestre, e não sua mestra, mandar.

Quem bombardeava Levy em público eram a executiva, as correntes, a fundação de estudos e os movimentos alinhados ao PT. Quem ameaça Barbosa é o próprio presidente do partido, Rui Falcão, que afronta abertamente a autoridade da presidente da República, como se oposição fosse. Então, pergunta-se: a executiva do PT, a fundação do PT, os movimentos do PT, as correntes do PT e o presidente nacional do PT dão um passo sem ordem, orientação ou respaldo de Lula? Muita gente acha que não. Dilma, provavelmente, também acha que não.

Logo, se 2015 foi o ano de todos contra todos, 2016 vai ser o ano da guerra fratricida entre Dilma e Lula. Ela tem o título, a caneta, o avião, os palácios e ainda o poder de nomear até Nelson Barbosa para a Fazenda, mas Lula tem a liderança política, a tropa, a capacidade de pôr ou não gente nas ruas. Aliás, de pôr a favor e de pôr contra.

Se Lula é o passado do PT, é também sua aposta para o futuro. Dilma não é nem passado, nem presente, nem futuro. É nada para o PT, que só precisa dela para tentar fazer a longa travessia até 2018 sem entregar o osso para Temer, ou seja, para o PMDB.

Miriam Leitão: A sombra que ficou

- O Globo

Uma sombra vai continuar pairando sobre o governo Dilma Rousseff este ano: o fantasma das pedaladas fiscais. Elas foram argumento para embasar o processo de impeachment e, por isso, o governo fez tudo para pagar integralmente as dívidas com os bancos públicos na última quarta-feira, mas, ao fazer isso, confirmou as acusações que pesam sobre a presidente.

O pagamento das pedaladas foi feito pelo Ministério da Fazenda como se passasse uma borracha sobre um fato incômodo. As marcas ficaram. Na própria nota do Ministério está dito que aquela montanha de R$ 72,4 bilhões seria paga porque eram “débitos da União junto a estas instituições”. Com isso, o governo derrubou sua própria defesa. O governo disse, e o relator está repetindo para tentar aprovar as contas de 2014, que as dívidas não eram dívidas. Eram um inocente resultado negativo previsto em contrato.

Se atrasar um pagamento de R$ 72 bilhões por um ano não for considerado uma operação de crédito, fica difícil saber o que mais será. O pagamento do Tesouro na última hora aos bancos públicos e ao Fundo de Garantia foi praticamente uma confissão de culpa. A dívida com Banco do Brasil, FGTS, BNDES e Caixa foi crescente no governo Dilma. A dimensão da conta derruba também a tese de que houve o mesmo nos governos Fernando Henrique e Lula.

O governo não tinha alternativa a não ser pagar, porque do contrário seria o segundo ano a terminar com essa dívida pendente. Poderia ser entendido como crime continuado de desrespeito à Lei de Responsabilidade Fiscal. A mudança quantitativa gerou o salto qualitativo. O que era um simples atraso contratual virou operação de crédito.

No dia 31 de dezembro de 2014, o Tesouro devia cerca de R$ 18,6 bilhões ao FGTS; R$ 20,2 bi ao BNDES; R$ 10,9 bi ao Banco do Brasil. Com a Caixa, ainda havia um débito de R$ 882 milhões. Ao longo do ano, a maior parte da dívida com a Caixa, que chegou a R$ 6 bilhões, já havia sido quitada. Sobre todo esse passivo foi incorporada a atualização monetária. Assim se chegou a R$ 72,4 bilhões. Tudo isso foi pago quarta-feira. Débitos feitos em 2014, carregados por todo 2015 e quitados no último dia útil do ano. Instituições estatais de crédito financiaram o seu controlador. Isso é proibido pela Lei de Responsabilidade Fiscal. Não cabe mais a discussão se é ou não operação de crédito. Eles mesmos o disseram.

O que interessa aqui é que houve violação da LRF, lei que consolidou a estabilidade monetária, estabelecendo travas para impedir o retorno ao passado hiperinflacionário. A decisão do impeachment é política e cabe aos deputados e senadores decidir se esse descumprimento da lei é o suficiente para a interrupção de um mandato presidencial. Do ponto de vista fiscal e orçamentário, contudo, o governo Dilma desrespeitou a lei.

A nota da Secretaria do Tesouro detalha a dívida com cada ente estatal, chegando a R$ 50,7 bilhões. As atualizações monetárias atingiram quase R$ 5 bilhões. A isso se somam as obrigações acumuladas durante 2015 e chega-se à cifra de R$ 72,4 bilhões.

A conta única é um colchão formado para rolar a dívida em momento de dificuldade. Não pode ser usada para pagar despesa corrente, segundo garantem os técnicos em questões fiscais. Dela foram tirados R$ 70,9 bilhões. Tudo foi pago com títulos já emitidos ou com recursos da conta única. Parte ficará na conta do déficit alargado de 2015 e parte em “espaço fiscal pré-existente”. Parece neopedalada. Além disso, permanecerá o debate sobre se o pagamento, mesmo se for tudo considerado fiscalmente correto, terá apagado retroativamente o crime cometido.

A ideia da lei era de que um governante não terminasse seu mandato com dívidas pendentes para o seu sucessor. O governo pode então argumentar que Dilma é sua própria sucessora e, portanto, não há descontinuidade. Mas aí ficará configurado que é um mesmo governo e o que ela fez em 2014 pode ser cobrado do mandato que ela assumiu em 2015.

Dilma se enrolaria se não pagasse, mas se enrolou também ao pagar. Não havia saída fácil para o labirinto no qual entrou quando decidiu que a esperteza dos truques revogaria as regras da contabilidade. Há muitas dúvidas no ar que ela terá que responder ao longo deste ano que começa.

Desgaste de Lula deixa PT em alerta para 2016

• Petistas já reconhecem que ex-presidente passa por processo de ‘desmitificação’

Ricardo Galhardo - O Estado de S. Paulo

A diretoria do Instituto Lula postergou para o início de 2016 a reunião de planejamento das atividades para o ano que se inicia. Desde que o instituto foi criado, em 2011, essa reunião é realizada no fim do ano anterior. Em 2015, isso não foi possível, segundo auxiliares do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, porque a agenda do petista em dezembro foi quase totalmente tomada por medidas defensivas. O episódio ilustra como foi 2015 para Lula, ano em que mais foi alvo de desgaste desde que deixou o Palácio do Planalto.

Depois de ajudar a reeleger sua sucessora, Dilma Rousseff, em uma disputa apertada contra o tucano Aécio Neves, em 2014, o ex-presidente que deixou o governo com o maior índice de aprovação já registrado no Brasil – 87%, segundo o CNI/Ibope – viu seu capital político escorrer pelas mãos em meio a fracassos na economia, erros na condução política do governo, o derretimento político do PT, manifestações nas ruas, ameaça de impeachment de Dilma, investigações envolvendo integrantes de sua família, amigos e o próprio instituto.

Em 20 de junho, durante encontro com líderes religiosos, em São Paulo, o próprio Lula resumiu a situação, com uma de suas tradicionais metáforas: “Dilma está no volume morto, o PT está abaixo do volume morto, eu estou no volume morto”.

Pesquisas mostram que, para o eleitorado, as boas lembranças do governo Lula estão cada vez mais distantes. Segundo o Datafolha, em dezembro de 2010, 71% consideravam o petista o maior presidente da história do Brasil. Em novembro de 2015, essa taxa era de 39%.

‘Padre Cícero’. Dirigentes petistas admitem, reservadamente, que os acontecimentos de 2015 precipitaram um processo de desmitificação de Lula. Em 2009, pouco antes de deixar o governo de Minas para se candidatar ao Senado, Aécio dizia em conversas reservadas que nunca enfrentaria Lula nas urnas porque o petista havia alcançado a condição de mito em algumas regiões do País, principalmente no Nordeste, onde, segundo o mineiro, o ex-presidente havia obtido o mesmo status de Padre Cícero. Hoje, conforme pesquisas, o tucano bateria o petista nas urnas com 31% das intenções de votos, ante 22% do adversário.

Segundo auxiliares próximos de Lula, o fracasso de Dilma na área econômica e as contradições entre o discurso de campanha da presidente e a prática são suas maiores preocupações. Em conversas recentes, ele teria manifestado incômodo com o impacto da economia nos programas sociais. A um interlocutor, expressou o temor de que o País “volte atrás dez anos” e forças de esquerda tenham de “começar tudo outra vez”.

Por isso, estaria concentrando seus esforços em ajudar Dilma a recompor sua base política (na sociedade e no Congresso), afastar o risco do impeachment e retomar a rota de crescimento econômico para evitar retrocesso na área social. “É a primeira vez que ele não sabe o que fazer”, diz um petista que o acompanha há mais de três décadas.

Operações. Mas a principal causa do abalo na imagem do ex-presidente, segundo análises internas do PT, é a aproximação de investigações como Lava Jato e Zelotes a amigos e parentes do petista. Desde que o doleiro Alberto Youssef disse que Lula “tinha conhecimento” do esquema de desvios na Petrobrás, aumentou a impressão de que o cerco se fecha em torno do ex-presidente. Embora o juiz da Lava Jato, Sérgio Moro, e o Ministério Público Federal afirmem que Lula não é investigado, seu nome tem sido constantemente citado em relatórios da Polícia Federal e depoimentos.

Para lembrar: o ex-presidente e as apurações
Segundo o Instituto Lula, o ex-presidente está tranquilo em relação ao aspecto jurídico das citações, mas admite que elas têm sido usadas para desgastá-lo politicamente. “É evidente que existe um processo de desconstrução da imagem do Lula”, disse o jornalista Celso Marcondes, um dos diretores do instituto.

- Tráfico de influência
Em maio de 2015, o Ministério Público Federal pediu esclarecimentos a Lula, à Odebrecht – alvo da Operação Lava Jato – e ao BNDES sobre suspeitas de tráfico de influência – de 2011 a 2014, Lula teria ajudado a empreiteira a obter contratos no exterior com recursos do banco.


- Instituto e empresa
A Polícia Federal afirmou em junho do ano passado que a Camargo Corrêa – que já teve executivos condenados na Lava Jato – pagou R$ 3 milhões ao Instituto Lula e mais R$ 1,5 milhão à LILS Palestras, Eventos e Publicidade, empresa do ex-presidente, entre 2011 e 2013.

- Investigação
A Procuradoria da República no Distrito Federal abriu em julho procedimento de investigação criminal para apurar se o ex-presidente praticou tráfico internacional de influência em favor da Odebrecht. A Procuradoria suspeita que Lula obteve “vantagens econômicas” da empresa.

- ‘Assuntos BNDES’
PF citou o nome do ex-presidente nos autos da Lava Jato sobre a Odebrecht. Em relatório sobre interceptação telefônica da 14ª fase da operação, a PF informou ao juiz Sérgio Moro que o ex-presidente conversou com o executivo Alexandrino Alencar, da Odebrecht, em 15 de junho – quatro dias depois do telefonema, Alexandrino foi preso. Segundo o relatório, Lula estaria preocupado com “assuntos do BNDES”.

- Delator 1
Em delação premiada, o dono da UTC, Ricardo Pessoa, afirmou que, entre repasses “legais e ilegais” para partidos com a finalidade de “abrir portas” no Congresso e em órgãos públicos, pagou em 2006 R$ 2,4 milhões à campanha de Lula. Pessoa disse, porém, que não sabe se o ex-presidente tinha conhecimento da origem ilegal do dinheiro.

- Coaf
O Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), órgão de inteligência do Ministério da Fazenda, remeteu em agosto ao menos três relatórios diferentes indicando movimentação atípica da empresa do ex-presidente, a LILS, para investigações do Ministério Público Federal e da PF.

- ‘Informante’
A PF pediu em setembro ao Supremo que Lula fosse ouvido no inquérito que investiga envolvimento de políticos no esquema de corrupção na Petrobrás. O pedido aponta suspeita de que Lula pode ter sido “beneficiado pelo esquema”. O ministro Teori Zavascki, relator da Lava Jato no STF, autoriza a PF a colher depoimento do ex-presidente como “informante”.

- Delator 2
Fernando Baiano afirmou que Lula se reuniu pelo menos duas vezes com o pecuarista José Carlos Bumlai e com João Carlos Ferraz, então presidente da Sete Brasil – companhia criada pela Petrobrás para construção de navios-sonda –, para tratar de negócios intermediados por ele. Segundo Baiano, os encontros ocorreram no Instituto Lula e antecederam a cobrança de R$ 3 milhões por Bumlai para supostamente pagar uma dívida de imóvel de uma nora do ex-presidente.

- Pagamentos
Laudo da PF apontou que instituições ligadas ao ex-presidente receberam quase R$ 4 milhões da Odebrecht, entre 2011 e 2014. Os pagamentos foram feitos ao Instituto Lula e à LILS. Ainda segundo o laudo, as instituições receberam R$ 17,2 milhões de outras empreiteiras alvo da Lava Jato.

- Zelotes
No fim de setembro, PF, Receita e Ministério Público Federal cumpriram mandado de busca e apreensão no escritório de Luís Cláudio Lula da Silva, filho do ex-presidente. A ação integrou a Operação Zelotes, que investiga esquema de compra de medidas provisórias para favorecer montadoras de veículos.

- Depoimento
Em dezembro o ex-presidente prestou depoimentos à PF na condição de “informante” em inquérito que tramita no Supremo para apurar suposta formação de quadrilha por políticos de PP, PT e PMDB para desviar recursos da Petrobrás. Ele disse não ter conhecimento sobre os eventos de corrupção ocorridos na estatal e falou em tentativa de “criminalizar” o PT.

- Amigo preso
No fim de novembro, o pecuarista José Carlos Bumlai, amigo do ex-presidente, foi preso suspeito de intermediar propinas envolvendo contrato do navio-sonda da Petrobrás. A PF investiga empréstimo de R$ 12 milhões tomado por Bumlai no Banco Schahin – o real destinatário do dinheiro foi o PT, segundo o empresário.

Envolvimento de filho caçula na Zelotes atingiu Lula

• Além da investigação sobre Luís Cláudio, prisão de amigo pecuarista na Lava Jato contribuiu para desgastar Lula

Ricardo Galhardo - O Estado de S. Paulo

A prisão pela Operação Lava Jato do pecuarista José Carlos Bumlai, que tinha trânsito livre no Palácio do Planalto durante o governo Luiz Inácio Lula da Silva, é outra fonte de desgaste do ex-presidente. Descrito normalmente como “amigo de Lula”, Bumlai é citado por delatores por ter usado o nome do petista em negociatas.

Mas o principal golpe contra o ex-presidente foi o envolvimento de Luís Cláudio, seu filho caçula, nas investigações da Zelotes, que apura um esquema de venda de medidas provisórias durante o governo Lula. O fato de Luís Cláudio ter recebido R$ 2,5 milhões por um trabalho que, segundo a Polícia Federal, foi feito a partir de cópias da internet, deixou Lula atônito.

Desde que o petista assumiu o governo, em 2003, seu filho mais velho, Fábio Luiz, o Lulinha, que em 2005 recebera R$ 5 milhões da Brasil Telecom, era alvo de falsos boatos na internet. A investigação sobre Luís Cláudio, no entanto, pegou Lula e seu grupo de surpresa. A dificuldade de Luís Cláudio para explicar os recebimentos é motivo de dúvida até entre petistas.

Além disso, o próprio ex-presidente foi chamado a depor na condição de “informante” à Lava Jato, a Receita Federal abriu um processo de fiscalização das contas do Instituto Lula e o Ministério Público de São Paulo passou a investigar a ligação do petista com a reforma milionária de um triplex no Guarujá.

No centro do cerco, Lula virou um boneco batizado de “Pixuleco”, que o retrata como presidiário. Nas manifestações contra o governo e o PT, foi chamado de “bandido”. A sede do Instituto foi alvo de uma bomba caseira e, segundo relatos de petistas, ele tem receio até de circular em locais públicos onde pode ser hostilizado.

Pesquisas internas do PT mostram a forte corrosão na imagem de Lula. Segundo elas, o eleitorado vincula ao petista a crise econômica e as denúncias de corrupção. Já os aspectos positivos de seus oito anos de governo estão cada vez mais apagados da memória dos eleitores.

O partido trata o assunto como uma questão eleitoral. Em agosto o presidente do PT, Rui Falcão, disse que o objetivo da oposição é inviabilizar possível volta de Lula em 2018. No entorno do ex-presidente, a avaliação é de que a oposição não aceita uma nova derrota nas urnas e hoje tem dois caminhos. A curto prazo, o impeachment de Dilma. A médio prazo, minar Lula e o PT por meio da criminalização.

Apesar do cenário negativo, o PT acredita em uma reversão do quadro até 2018. Avaliações que circulam no partido e no Instituto Lula mostram que quando o entrevistado é lembrado das realizações de Lula, a rejeição cai. “É só dar um microfone na mão dele que ele se recupera”, disse Celso Marcondes, um dos diretores do instituto.

Reforma produz ‘eleição da incerteza’

• Mudanças feitas pelo Congresso e sancionadas pela presidente Dilma Rousseff na lei eleitoral criam ambiente de dúvidas e indefinições para a disputa

Pedro Venceslau e Ricardo Chapola - O Estado de S. Paulo

Passados pouco mais de 30 anos da redemocratização, o Brasil entra em um ano de eleições municipais com incertezas não só políticas como no campo jurídico. Além das dúvidas sobre o futuro da presidente Dilma Rousseff, alvo de um processo de impeachment – e que tende a causar reflexos nas disputas regionais –, 2016 será regido pela nova legislação, aprovada em setembro, que altera desde prazos até os custos das campanhas eleitorais a partir de agora.

O ano terá ainda o maior número de partidos políticos na disputa das urnas – atualmente, são 35 registrados no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) –, as campanhas serão mais curtas – 45 dias, segundo a nova regra – e também tendem a ser mais modestas, pois a nova lei proíbe o financiamento de candidatos por meio de doações de empresas.

Além disso, há novas normas sobre propaganda política: as restrições de divulgação de nomes e números aumentaram e nem mesmo os tradicionais cavaletes serão permitidos.

“A primeira grande pergunta que fazemos é como serão feitas as campanhas. Haverá um aumento da fiscalização do Ministério Público Eleitoral para evitar que aqueles que querem continuar a fazer campanhas milionárias possam utilizar eventualmente o caixa 2 e outras práticas ilícitas”, advertiu André de Carvalho Ramos, procurador regional eleitoral de São Paulo (leia entrevista abaixo).

Depois de atuar nas eleições de 2010, 2012 e 2014, o procurador prevê dificuldades do ponto de vista jurídico nas eleições deste ano em razão da reforma nas leis, que praticamente obriga a Justiça Eleitoral a desconsiderar todas as decisões já tomadas por ela com base na antiga legislação. “Não vai ter mais jurisprudência nenhuma”, afirmou o procurador regional eleitoral de São Paulo.

As pessoas físicas vão poder contribuir, mas entre os dirigentes partidários prevalece o pessimismo em relação a essa modalidade em tempos de Operação Lava Jato. A força-tarefa que desmontou um esquema de corrupção entre grandes empresas e a Petrobrás aumentou a pressão popular para que o Supremo Tribunal Federal decidisse pela proibição de doações feitas por pessoas jurídicas.

“As campanhas serão necessariamente modestas. Vai aumentar o peso do corpo a corpo. Com a nova regra, haverá um exercício dos candidatos para pedir que o eleitor contribua”, diz Alberto Cantalice, vice-presidente nacional do PT. “Haverá menos influência do poder econômico no voto popular”, completa Carlos Siqueira, presidente nacional do PSB.

Retaguarda. No que se refere à política, o PT entrará no jogo sem a retaguarda de um governo federal forte pela primeira vez desde que chegou ao Palácio do Planalto, em 2002. E a perspectiva concreta é que seu número de prefeitos diminua em relação ao pleito anterior. “O partido nunca registrou diminuição de prefeitos de um pleito para o outro. Tudo indica que, em 2016, o PT sofrerá seu primeiro revés”, avalia Vitor Marchetti, professor de políticas públicas da Universidade Federal do ABC (UFABC).

O sociólogo Rudá Ricci, autor do livro Lulismo – da Era dos Movimentos Sociais à Ascensão da Nova Classe Média Brasileira, também faz um prognóstico de ano difícil para o PT, mas pondera que isso não significa garantia de sucesso para o PSDB, principal partido de oposição ao governo Dilma Rousseff. “Não há mais um bloco em queda e outro em ascensão, como aconteceu com Collor, FHC, Lula e no fim da ditadura. O sistema partidário inteiro está contaminado. O mapa eleitoral ficará mais colorido em 2016”, diz o sociólogo.

A novela do impeachment, segundo dirigentes, é outro fator que torna o ano de 2016 imprevisível. “Até lá, vamos ter a atual presidente, um governo de transição ou estaremos disputando novas eleições? Na hipótese do impeachment prosperar no Congresso, haveria um novo bloco natural de alianças nas cidades entre PSDB e PMDB”, afirmou o deputado Roberto Freire, presidente nacional do PPS.

Já o senador José Agripino (RN), presidente nacional do DEM, relativiza a influência do cenário nacional nas eleições locais, especialmente nas cidades.

Sucessão no Planalto é incerta em ação no TSE

Reynaldo Turollo Jr. – Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - Diferentes interpretações sobre a aplicação da lei em caso de cassação pela Justiça Eleitoral da chapa de Dilma Rousseff e Michel Temer poderão tornar ainda mais conturbado o desfecho da crise política. Uma nova lei, aprovada em setembro, contribui para aumentar a incerteza.

O mandato da petista corre risco em duas frentes: no Congresso, com o impeachment, e no TSE (Tribunal Superior Eleitoral), com quatro ações movidas pelo PSDB -que acusa a campanha de Dilma e Temer de praticar crimes eleitorais e receber propina, o que ambos negam.

Na hipótese de impeachment, há consenso: quem assume é o vice, Michel Temer.

Já pela via do TSE, que deve julgar o caso neste ano, a sucessão é controversa. Dilma e Temer podem ter o mandato cassado se o tribunal condenar a chapa por irregularidades na campanha.

Neste caso, anulam-se os votos da chapa, o que gera debates sobre o que vem depois: nova eleição ou posse do segundo colocado, o senador Aécio Neves (PSDB-MG).

Nos dois precedentes mais recentes, citados em artigo do especialista em direito eleitoral Allan Coelho Duarte, consultor do Senado, o TSE decidiu empossar os segundos colocados no lugar dos governadores cassados. Ambas as decisões são de 2009, referentes às eleições de 2006.

No Maranhão, após a cassação do governador Jackson Lago (PDT) e de seu vice por abuso de poder econômico na eleição, o TSE deu posse a Roseana Sarney (PMDB) —isso porque, anulando e excluindo da conta os votos de Lago no primeiro turno, Roseana passou a ter a maioria (50% mais um) dos votos válidos.

Na Paraíba, a situação se repetiu pelos mesmos motivos. Cássio Cunha Lima (PSDB) e seu vice foram cassados, acusados de distribuir cheques a eleitores pobres, abrindo caminho ao segundo colocado, José Maranhão (PMDB).

No primeiro turno, Dilma teve 43,2 milhões de votos, de um total de 104 milhões. Anulados os votos da petista, o número de votos válidos passaria a 60,8 milhões -dos quais 34,8 milhões dados a Aécio, mais do que a metade.

Em tese, os precedentes estaduais poderiam ser invocados no caso nacional.

Desfecho diferente teve o Tocantins em 2009. O tribunal cassou o governador Marcelo Miranda (PMDB) e seu vice por abuso de poder político na campanha.

Carlos Henrique Gaguim (PMDB) foi eleito pela Assembleia Legislativa para um mandato tampão —a explicação foi que Miranda venceu a disputa no primeiro turno com mais de 50% dos votos válidos, e por isso o tribunal entendeu que era preciso anular o pleito todo.

Nova lei
Duarte e o professor Oscar Vilhena, da FGV-SP e colunista da Folha, alertam para a edição da lei nº 13.165, que mudou o Código Eleitoral e que instituiu a obrigatoriedade de novas eleições em casos que houver cassação, "independentemente do número de votos anulados".

Segundo os especialistas, a dúvida é se essa lei vale para o pleito de 2014, uma vez que é posterior à eleição. Normalmente, leis que mudam a regra do jogo eleitoral precisam ser aprovadas pelo menos um ano antes do pleito.

Advogado da coligação encabeçada pelo PSDB, José Eduardo Alckmin diz que, apesar de a jurisprudência em tese beneficiar Aécio, o grupo defende a realização de nova eleição em caso de cassação de Dilma e Temer.

"Não nos parece correto dizer que o segundo deva assumir. É necessário ter uma legitimação daquele que vai ser o governante do país", diz.

No caso de o TSE cassar o mandato de Dilma e determinar nova eleição, não há consenso nem mesmo sobre o prazo para que isso ocorra.

Pelo Código Eleitoral, o tribunal tem de 20 a 40 dias para marcar a disputa quando se anula o pleito original.

Mas o TSE também poderia, segundo o especialista em direito eleitoral Eduardo Maffia Queiroz Nobre, estender esse prazo para 90 dias -utilizando, por analogia, o período previsto na Constituição para caso de vacância do presidente e do vice.

Segundo a Constituição, o prazo vale se a vacância ocorrer na primeira metade do mandato -até o final de 2016. Caso ocorra depois (até o fim de 2018), o Congresso tem 30 dias para eleger um presidente para mandato tampão.

Próximo conflito do PMDB já está previsto para fevereiro

• Escolha do líder do partido na Câmara divide grupos pró e antigoverno

Júnia Gama e Catarina Alencastro - O Globo

Nem mesmo as festas de fim de ano foram suficientes para esfriar as articulações pela liderança do PMDB na Câmara. O maior partido da base aliada do governo definirá em fevereiro se o comando da bancada permanecerá nas mãos de um aliado da presidente Dilma Rousseff durante o processo de impeachment, ou se será entregue ao grupo dissidente que defende o afastamento do partido do Palácio do Planalto.

Na última semana, deputados da ala oposicionista do PMDB se reuniram em Brasília, com a presença do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), para tratar do assunto e tentar uma união em torno da escolha do novo líder.

Após o episódio da destituição e retomada do posto por Leonardo Picciani (PMDB-RJ), os peemedebistas anti-Dilma querem emplacar um candidato da bancada de Minas Gerais para a vaga, mas encontram dificuldades porque os sete deputados mineiros têm posições divergentes.

Há pressão da cúpula do PMDB para que Picciani fique fora da disputa, mas o atual líder, que tem apoio do Palácio do Planalto, pretende brigar pelo cargo.

— Vou ser o candidato e minha proposta é de buscar unidade, respeitar as posições. Sei que nesse momento não há unidade, mas disputarei e tenho a convicção de que unificarei a bancada — afirmou Picciani.

Mineiros sem consenso
Os deputados oposicionistas pressionam Picciani para que marque já a data e decida a forma como a eleição será feita. Para dificultar a recondução do atual líder, Eduardo Cunha pretende cobrar a aplicação de um suposto acordo segundo o qual a recondução só poderá ocorrer por dois terços dos votos da bancada. Picciani nega que exista acordo neste sentido e diz que, para voltar a ocupar a liderança do PMDB em 2016, basta alcançar a maioria dos votos. No início de 2015, Picciani venceu Lúcio Vieira Lima (PMDB-BA) por um voto.

O grupo dissidente, incluindo Eduardo Cunha, fechou apoio a um candidato da bancada de Minas Gerais, com o argumento de que, proporcionalmente, foi o estado menos atendido pelo governo na distribuição de cargos relevantes, inclusive na Esplanada dos Ministérios. Entretanto, ainda não há um nome definido, devido a uma disputa interna entre os mineiros, que se dividem entre Leonardo Quintão — que chegou a ocupar a liderança por uma semana no início de dezembro —, Newton Cardoso Júnior e Saraiva Felipe.

— Nosso movimento é oferecer a liderança a Minas Gerais. Está na hora de unir o partido, e Picciani não é o nome para unir. Ele desuniu a bancada, colocou os interesses dele e do estado dele acima dos interesses da bancada — critica Lúcio Vieira Lima.

Caciques do partido dizem que a interferência do governo em assuntos internos da legenda foram nocivos. Dilma chegou a conversar com o ministro dos Transportes, Antônio Carlos Rodrigues (PR), sobre a filiação de deputados do PR do Rio ao PMDB, em uma articulação que não funcionou. Por outro lado, as movimentações do vice-presidente, Michel Temer, que procurou se afastar da presidente Dilma Rousseff tão logo foi deflagrado o processo de impeachment, criaram um racha ainda maior entre governistas e oposicionistas no partido.

Padilha prega unidade
Para o secretário-geral do partido, ex-ministro Eliseu Padilha, agora, o lema é unidade. Sob o risco de perder a presidência do PMDB, Temer vai começar a percorrer o Brasil para impulsionar as campanhas municipais e pavimentar o caminho para que o partido tenha um candidato próprio em 2018, quando, ao que tudo indica, não estará mais ligado ao PT. Bastante ligado a Temer, Padilha chegou a dividir com o vice-presidente a articulação política do governo durante parte do ano.

— Nós somos o maior partido do Brasil, vamos voltar a buscar o diálogo com a sociedade. Temos o maior número de prefeitos, de vereadores, de deputados federais, de deputados estaduais, mas não temos conseguido expressar a unidade do partido. Nossa missão é estabelecer um nível mínimo de unidade, uma espécie de Faixa de Gaza onde todos estão. Para a gente ter um projeto nacional de poder, temos que ter unidade — prega Padilha, que pediu demissão da Secretaria de Aviação Civil cinco dias depois que o presidente da Câmara aceitou o pedido de impeachment contra Dilma.

Sucessão de Cunha
Outro tema que ocupará as discussões internas do PMDB é a sucessão de Cunha na presidência da Câmara, caso o Supremo Tribunal Federal (STF) acate a demanda do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, que pediu formalmente a saída de Cunha do cargo. Padilha afirma que o partido não abrirá mão da presidência da Casa, mas que o assunto ainda não está na pauta:

— O Cunha ainda está na guerra, não se entregou. O PMDB não abrirá mão da presidência da Câmara. É uma questão do PMDB, vamos querer resolvê-la no partido.

Entre os deputados, a ordem é aguardar até que esteja mais claro se Cunha de fato perderá o cargo e de que forma isso ocorrerá. O presidente da Câmara já deu sinais claros de que vai retaliar com as armas que tiver ao alcance aqueles que cobiçarem o lugar que ainda ocupa. Caso não perca o mandato no processo de cassação de que é alvo no Conselho de Ética e seja apenas afastado da presidência, quem deve assumir o cargo temporariamente é o vice-presidente da Casa, Waldir Maranhão (PP-MA). Somente quando estiver definida a vacância da presidência os deputados pretendem se expôr na disputa pelo posto.

No Palácio do Planalto o discurso oficial é que o governo não se intrometerá em disputas intrapartidárias e dentro do Legislativo. Mas, além de trabalharem para que Picciani mantenha a liderança do PMDB, emissários da presidente Dilma avaliam que o sucessor à presidência da Câmara deve ter um perfil menos beligerante que o de Eduardo Cunha.

Hélio Schwartsman: Estelionatos políticos

- Folha de S. Paulo

Prefeitos e governadores começaram a sentir os efeitos da crise. Funcionários públicos de diversas localidades tiveram seus 13º salários parcelados, hospitais, notadamente os do Rio de Janeiro, foram parcialmente paralisados, para citar dois exemplos recentes. E a situação ainda vai piorar significativamente antes de melhorar.

Administradores fazem o que podem para tentar pôr a mão em recursos para fechar as contas do mês. Vários Estados já aumentaram impostos como o ITCMD. Algumas unidades até avançaram sobre os depósitos judiciais de particulares, o que lembra muito um gesto que o Código Penal tipifica como apropriação indébita. Mais recentemente, Estados e municípios passaram a mirar os planos de saúde. Querem que a União lhes passe a prerrogativa de cobrar as operadoras pelos atendimentos que hospitais públicos prestam a seus associados.

Não é que seja ilegítimo exigir esse tipo de repasse, mas é preciso estar atento para não comprar gato por lebre. A economia lembra um pouco a química, no sentido de que transformações são mais frequentes do que criações originais. Se aparece dinheiro nas mãos do poder público, ele não veio do nada, mas foi tirado da sociedade. Não nos incomodaríamos se, no caso, a boia salvadora tivesse sido subtraída dos lucros das operadoras. Na verdade, até apreciaríamos, já que boa parte dos usuários tem uma ou mais queixas em relação aos planos.

Infelizmente, as coisas não são tão fáceis. Se os convênios tiverem de arcar com despesas que antes não estavam nas contas, seus custos subirão e a diferença, mais cedo ou mais tarde, será repassada aos clientes na forma de mensalidades mais caras. É até possível, embora improvável, que o caminho seja esse, e não a recriação da CPMF ou o aumento de outros impostos. Mas é preciso deixar as coisas claras, de modo a não cometer novos estelionatos políticos.

Fernando Gabeira: Lutando contra si próprio

- O Globo

Tenho alguns escrúpulos, escrevendo sobre o Rio. Faz pouco tempo que disputei duas eleições com o grupo no poder. Temo parecer parcial, ou complacente, com medo de ser parcial. Mas vivo aqui. A situação se complicou. Estamos no ano de um grande evento internacional. As Olimpíadas foram conquistadas num momento de euforia com o crescimento. A ideia era projetar o Brasil como um poderoso país emergente.

As chances de vitória nas eleições de 2010 eram quase nulas. Aproveitei para tocar em alguns temas essenciais. Um deles, a precariedade de nosso sistema de saúde pública. Entrei em muitos hospitais, as vezes sem autorização. Expus uma situação dramática. Na época, as UPAS surgiram como uma alternativa. Só restava lembrar que não eram uma solução para todo o problema, como por exemplo as pessoas jogadas em macas, esperando meses por uma operação. Nem resolviam, por exemplo, a grande falta de neurocirurgiões tão necessárias em vítimas de acidentes.

Outro tema essencial dizia: fugir da dependência do petróleo. A experiência dos que confiaram era desalentadora. O caminho teria sido usar os royalties para criar alternativas. Vieram juntos, praticamente, a crise econômica e o escândalo na Petrobras. A crise atinge a todos da mesma maneira. Mas o declínio da Petrobras e dos negócios na sua órbita atinge diretamente o Rio. Para não falar de outro dado desfavorável: a queda do preço internacional do petróleo. Chegamos assim ao ano das Olimpíadas, acossados pela crise e empobrecidos com o declínio da Petrobras.

O grupo no poder contou sempre com seus aliados no Planalto. É a algo perverso mas é real no Brasil: o governo sempre ajuda mais quem o apoia. Mas o governo também entrou em parafuso. Seu poder de ajudar os amigos decaiu. Só em novembro, produziu um déficit de R$ 21,3 bilhões. Não terá mais fôlego. O Brasil optou pelas Olimpíadas disposto a mostrar o seu vigor como país, queria que todos vissem o despertar de uma força mundial. Aconteceu um desencontro. O tempo passou, e o momento de nos mostrarmos ao mundo coincide com a maior crise das últimas décadas.

Vale uma discussão franca entre eles, os que estão no poder, sobre como realizar uma Olimpíada não com as fantasias do passado, mas com a dura realidade de agora. É uma discussão que interessa a todos. O sofrimento das pessoas que buscam emergências ou cirurgias é intolerável. O sistema de saúde pública está em colapso.

O Instituto Estadual do Cérebro, dirigido pelo Dr. Paulo Niemeyer, não pode fechar. É essencial aos habitantes do Rio e importante até para milhares de atletas que vêm competir. Como conciliar tantas necessidades? As Olimpíadas são uma questão nacional. Quando está em jogo a imagem do país, todos podem perder ou ganhar. Quando circulam notícias negativas sobre o Brasil nem sempre se faz distinção entre governo e povo: é o país.

A Baía de Guanabara está sendo criticada por atletas estrangeiros. Mais um caso antigo. Desde 1980 faço programas do tipo SOS Baia. Em 92, houve um alento do Banco Mundial. E a Baía continua suja, apesar da Copa do Mundo. E agora, torna-se mais visível ainda nos testes olímpicos.

A essa altura, as Olimpíadas são irreversíveis. Podem até trazer oxigênio para a combalida economia do Rio. Mas precisam ser discutidas e repensadas nas novas circunstâncias.Não existe o precedente de um país que faça as Olimpíadas numa crise como a do Brasil. No entanto, o país conseguiu realizar a Rio 92 com um presidente já cambaleante. Collor caiu em seguida. Se acontecer algo com Dilma, os observadores estrangeiros vão concluir que derrubamos presidentes, mas sempre com uma monumental festa de despedida.

Os Jogos Olímpicos têm uma dinâmica e uma engrenagem próprias e são medidos, principalmente, pela eficácia de sua realização. Inebriados em seus sonhos de poder, os que os trouxeram para cá, não contavam com as trapaças do tempo e, na verdade, nos legam um delicado problema para 2016.

O ano se acabou com as pessoas sofrendo nas portas fechadas das emergências. Tocou o alarme. O Brasil não pode ser o favorito na modalidade salto maior que as pernas. Outro dia, filmei um cartaz que vi no chão de um pátio dos bombeiros em Lençóis: “não se esqueça de ligar o fio terra”. É um um voto de ano novo. Se o mundo político e o governo se deslocam do chão, os choques são inevitáveis. Alguns passam da carga máxima suportável, como foi o caso no Rio.

Não será um ano fácil. Viveremos grandes tensões, sobretudo porque quem está no poder quer continuar tocando o barco, apesar dos visíveis sinais de fracasso. Para viver esse tempo é preciso acreditar que não criamos problemas insolúveis, em termos históricos. Há saídas. Não estão no governo, mas na sociedade. Pelo menos, viveremos um ano em que o verbo superar será conjugado até a exaustão pelos atletas mundiais. Nem todos sabem que o país em que os jogos se realizam também precisa superar-se. Tomara que nos inspirem.

Ferreira Gullar: Vasto mundo

- Folha de S. Paulo

Em meados do ano que acabou, os meios de comunicação divulgaram a chegada ao planeta Plutão de um foguete espacial da Nasa, que fotografou esse planeta que, no sistema solar, é o mais distante da Terra.

Para chegar a ele, o foguete viajou nove anos e, chegando lá, constatou que Plutão era bastante diferente do que supunham os cientistas, a começar pelo fato de que sua crosta apresenta vastas cadeias de montanhas formadas por gelo de água, ou seja, semelhante ao gelo que cobre as montanhas de nosso planeta. Isso significa que existe água em Plutão e, se existe água ali, não é impossível que exista vida também.

Quase no mesmo dia, outra notícia sobre tema semelhante chegava até nós: a descoberta de um planeta semelhante a Júpiter, que gira em torno de uma estrela semelhante ao nosso sol. Haverá vida nesse planeta? Trata-se de um sistema solar como o nosso, composto de outros planetas, havendo um talvez com habitantes parecidos conosco?

Bom, afinal de contas tudo é possível, dependendo de nossa capacidade de imaginar. De qualquer modo, uma coisa é verdade: o ser humano é, sem dúvida, um bicho extraordinário, tanto por essa necessidade de conhecer como por sua capacidade de levar à prática essa necessidade.

Pare para pensar: já considerou quanto conhecimento é necessário para saber como chegar a um planeta como Plutão, a bilhões de quilômetros de distância? Mas não é apenas a vasta distância que impressiona, mas, sobretudo, construir uma nave capaz de vencer a força de atração da Terra e superar as complexas relações de forças cósmicas que terão de ser superadas para tornar possível a viagem. E sei lá quantos outros problemas estarão implicados em semelhante proeza, como calcular com precisão o momento em que esse foguete -a tantos bilhões de quilômetros da Terra- iniciará a manobra para entrar na órbita de Plutão. Já imaginou quantos problemas estão implicados em semelhante manobra, operada aqui da Terra, com a ajuda de uns tantos equipamentos que o homem inventou?

E ao me perguntar isso, não posso ignorar que nós, seres humanos, habitamos um minúsculo planeta que gira em torno de uma estrela de quinta grandeza, pertencente a uma galáxia constituída de bilhões de sóis e constelações, sendo ela, a Via Láctea, uma entre bilhões e bilhões de constelações. E mais, essas galáxias são quase nada na vastidão do espaço vazio que constitui o universo. Então, pergunto: o que é o ser humano em meio a essa talvez infinita vastidão?

Nada? Quase nada? Não obstante, ele é capaz de saber tudo isso a respeito do universo e ainda criar máquinas que conseguem navegar por ele e auscultar seus mistérios.

Agora mesmo, um cientista lançou um projeto cujo objetivo é descobrir se há seres semelhantes a nós no universo. A pergunta que motiva o projeto é a seguinte: "estamos sós no cosmo?"

Um número considerável de instituições e de cientistas está disposto a difundir, como for possível, sinais através do espaço cósmico, na esperança de que alguém que viva em algum planeta, ainda que situado a milhões ou bilhões de anos-luz de distância, responda a essa patética indagação.

Pensando bem, isso é uma piração. Milhões ou bilhões de anos para a pergunta chegar a alguém e outros tantos para chegar a nós a resposta. E em que língua? Como saber se se trata de uma mensagem ou de meros ruídos cósmicos? Conforme acredito, mesmo que haja outros seres inteligentes no mundo, dificilmente entenderão nossos sinais e nós os deles. De qualquer modo, as distâncias são tão fantásticas que jamais seria possível alguém chegar até nós ou chegarmos nós até alguém de outro sistema solar. É como se não existissem. Por isso digo que o universo está aí apenas para ser contemplado e nos maravilhar.

É o que penso, neste começo do ano de 2016, esticado na poltrona da sala, com a gatinha deitada sobre minhas pernas, no apartamento em que moro, à r. Duvivier, em Copacabana, Rio de Janeiro, planeta Terra.

Lula e PT pressionam Dilma – Editorial / O Estado de S. Paulo

A pressão de Lula sobre a presidente Dilma Rousseff exigindo uma “resposta rápida” à crise econômica levou o presidente nacional do PT, Rui Falcão, a divulgar nota oficial em que exige “ousadia” na correção dos rumos da economia e repudia medidas anti-inflacionárias e de ajuste fiscal. Lula e o PT exigem de Dilma o que imaginam que seria uma guinada à esquerda na economia, mas seria simplesmente repetir os erros do primeiro mandato que empurraram o País para a recessão e o consequente comprometimento dos programas sociais que os petistas alegam querer preservar. Na verdade, estão interessados apenas em recuperar o apoio das bases eleitorais que iludiram com a promessa do Paraíso na Terra.

Lula e o PT querem que Dilma dê “boas notícias” na economia. É difícil de imaginar quais seriam. Os indicadores econômicos divulgados pelo próprio governo confirmam o agravamento do desastre. Mas para atender ao que exigem Lula, o PT e os “movimentos sociais”, o novo titular da Fazenda, Nelson Barbosa, precisaria realmente surpreender o País. Afinal, ele é um dos principais arquitetos da “nova matriz” cujo intervencionismo voluntarista e desmedido jogou a economia nacional na recessão.

Um bom começo de conversa seria Lula e os petistas deixarem claro desde logo qual seria a “nova política econômica” que exigem como “boa notícia”. Boa notícia é o PIB em expansão com a criação de riquezas que beneficiem toda a população; é o nível de emprego aumentando quantitativa e qualitativamente; é a inflação sob controle; são contas públicas administradas com responsabilidade. E ainda recursos fartos para investir em programas sociais e em infraestrutura. O Brasil já teve quase tudo isso antes de Dilma virar presidente, quando o governo Lula mantinha em vigor o tripé econômico – meta de inflação, câmbio flutuante e superávit primário – que em 1994 foi a base do bem-sucedido Plano Real, o projeto de recuperação econômica que domou uma hiperinflação de mais 46% ao mês.

Convertido, para ganhar a eleição de 2002, à política econômica que dera certo nos governos FHC e favorecido por uma conjuntura internacional generosa com países cuja economia se assentava no setor exportador, Lula comandou um período de prosperidade que se destacou por forte ampliação dos programas sociais de distribuição de renda e ajudou a consagrar o mito do “governo popular”.

Ao suceder a seu inventor, em 2011, Dilma Rousseff já encontrou uma conjuntura internacional menos propícia às prodigalidades populistas do lulopetismo. Mas nem por isso abandonou a ideia fixa de “avançar” na configuração de um governo genuinamente “popular”. Mergulhou de cabeça na implantação de uma “nova matriz macroeconômica”: uma forte ampliação da intervenção estatal na vida econômica que incluía a continuação da gastança que, já naquele momento, só seria possível com o completo arrombamento das contas do governo.

Em 2014, a antevisão do desastre já era clara. Mas era ano de eleição. Foi preciso então fingir que nada estava acontecendo. Mais do que isso, mentir descaradamente. Só dessa maneira Dilma conseguiu permanecer no Planalto, por estreita margem de votos.

Assim, quando Lula e o PT pregam hoje uma “nova política econômica”, defendem exatamente mais do mesmo de ontem. Só que o dinheiro público – mal administrado ontem porque concentrado em programas populistas de apelo eleitoral – hoje é escasso.

O coro populista contra Dilma está bem articulado. A nota do PT foi precedida, na semana passada, por movimentos táticos da “linha auxiliar” petista. “Muda o ministro da economia, mas não muda a política econômica. Era justamente isso que temíamos. Isso não vai acontecer.” Essa foi a advertência do presidente da CUT, o petista Vagner Freitas, ao ministro Nelson Barbosa: “Exigimos que nos próximos dias, ao invés desse discurso conservador ultrapassado e subordinado ao mercado, o governo anuncie medidas de interesse da classe trabalhadora”. Senão, o quê? A resposta foi dada por outro “líder popular”, Guilherme Boulos, que comanda o Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST): “Não adianta nada o novo ministro assumir e duas horas depois ir à TV para dizer que vai manter o ajuste fiscal. Dilma já perdeu o apoio popular. O que as ruas disseram na quarta-feira foi: esta é a última chance”. E agora, Dilma?