Críticas ao pacote para remediar a vida de certas empresas se limitam ao palavrório para a mídia
A encenação do teatro das reações estereotipadas repete-se a cada anúncio de planos de estímulo à economia, como o de ontem, que contou até com a presença da estrela da companhia, Dilma Rousseff.
Todos os envolvidos sabem mais ou menos o grosso do que o governo vai divulgar. Como numa encenação de commedia dell"arte ou de teatro tradicional chinês, a gente sabe o que os tipos (fixos) vão dizer.
Os tipos, claro, o arlequim, a colombina, o scaramuccia, a pulcinella, somos nós, jornalistas, "analistas do mercado", o burocrata-mor de federações patronais e sindicais, o economista liberal "sério", o "desenvolvimentista" que vai se fazer de animado com o "desmanche da ortodoxia" e "grande elenco".
As críticas são estereotipadas.
As medidas não são "estruturais", não resolvem os "problemas de longo prazo". Elegem "setores" favorecidos ou "campeões". "Distorcem" a tributação, complicam-na, distorcem preços, a alocação de capital. São protecionistas. São insuficientemente protecionistas. Enfim, não tratam de "câmbio, juros, impostos demais, infraestrutura ruim, mão de obra incapaz e escassa".
É tudo verdade. E, assim posto, tudo pontualmente irrelevante.
O que o governo anunciou ontem?
1) Um refresco para a rentabilidade das empresas, na maioria industriais, que vão pagar menos para o INSS e, assim, faturar mais e/ou manter fatias de mercado;
2) Uma baixa de juros na marra, localizada, decerto. O governo vai tomar emprestado R$ 45 bilhões adicionais a juros de quase 10% e vai repassar o dinheiro ao BNDES, que pode dar crédito ao custo de no máximo 7,7%, no mínimo de 5,5%, a depender do tamanho do freguês. Ou seja, taxa de juro real (descontada a inflação) quase zero;
3) Uma promessa de cobrança de inovação e nacionalização de peças da indústria automobilística, o que talvez renda boa coisa, a depender de como for feita (se é que vai), combinada a um monstrengo de impostos escalonados e cotas de importação, algo arcaico e confuso.
Isso é o grosso do pacote. Não é inútil. Confere alguns privilégios (que podem ser contestados, claro, desde que a gente ponha todos eles na mesa de discussão). Deve atenuar danos que de fato muita indústria sofre devido ao câmbio doido.
Por que as críticas são de um tédio irrelevante? Porque são uma desconversa pontual. "Reformas estruturais" implicam uma "guerra civil por outros meios". Reforma estrutural significa, para começo de conversa, alterar o gasto público (aumentar, reduzir, redividir).
Quem vai propor corte de gasto social? De salários e pensões de servidores? De benefícios sociais para pobres? Aumentar o imposto sobre a renda de ricos? Dar cabo da guerra fiscal dos Estados? Intervir pesadamente no modo como governadores e prefeitos tratam da educação? De baixar o número de ministérios (e seu volume) a uma dúzia?
Seria divertido ver empresários cortar verba de campanha eleitoral para governador que faz guerra fiscal. Ou ver quem vai propor o congelamento dos benefícios sociais. Pregar a privatização em massa (pregar abertamente, financiando um movimento radical e público). Pregar o controle do câmbio para valer, quase centralizando. Isso é exemplo de "reforma estrutural", boa ou ruim. Quem se habilita?
FONTE: FOLHA DE S. PAULO
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