quarta-feira, 20 de junho de 2012

Deixando o tempo dizer que futuro queremos :: Sergio Abranches

Os negociadores brasileiros conseguiram um feito notável, em menos de quatro dias de negociação: convencer os europeus a aprovarem o documento da Rio+20, sem alienar o apoio de países do G77/China; agradar aos Estados Unidos, à União Europeia, à China e à Venezuela ao mesmo tempo. A construção teve seu preço: trocaram conteúdo por um documento de consenso.

O que ganharam com a remoção dos vetos tiveram que conceder em substância, ambição e ações concretas.

O negociador dos Estados Unidos, Todd Stern, concordou com o ministro Antonio Patriota: ninguém saiu inteiramente satisfeito das negociações. Mas admitiu que, em uma conferência dessa amplitude, foi o melhor possível. A ministra dinamarquesa do Meio Ambiente, Ida Auken, disse que o documento dá uma direção mais clara para o mundo enfrentar o desafio da sustentabilidade. Um negociador brasileiro disse que a União Europeia criou os momentos de maior risco de impasse insuperável. Não é pouco ter conseguido convencê-los a aprovar o resultado final.

Que fórmula política é capaz de transformar insatisfação em apoio? Uma operação com três elementos-chave. O primeiro, a decisão inflexível de ter um documento fechado a qualquer custo, para ser entregue aos chefes de Estado e de governo na abertura da Rio+20. "O documento está fechado", disse Todd Stern, na abertura de sua única entrevista coletiva. "Não há mais possibilidade de reabrir o documento", disse Janez Potocnik.

"O documento está fechado em definitivo, para adoção, pelos chefes de Estado", disse o ministro Antonio Patriota.

Segundo, transferir conflitos certos no presente para um futuro ainda incerto, trocando decisões concretas por processos de negociação. Foi o que aconteceu com as três questões mais espinhosas da reunião: objetivos de desenvolvimento sustentável; meios de implementação desses objetivos (financiamento, tecnologia e capacitação) e governança para o desenvolvimento sustentável.

O comissário europeu, Janez Potocnik, disse que o melhor resultado das negociações foram os processos decididos para definir os objetivos de desenvolvimento sustentável e o quadro institucional da ONU para o meio ambiente, embora preferisse que o Pnuma fosse transformado em agência com plenos poderes. A ministra Ida Auken ressaltou que a parte do texto na qual há maior comprometimento dos países é a que determina o caminho para os objetivos e as metas de desenvolvimento sustentável, com um cronograma estabelecido.

Todd Stern disse que há um roteiro claro para as negociações futuras. Não há garantias de que, até 2015, o clima para tomar essas decisões melhore, todos reconhecem. Mas "organizou- se a burocracia das negociações", disse um ambientalista insatisfeito com o resultado.

Terceiro: equilibrar ganhos e perdas entre os principais grupos em confronto. Ninguém se sentiu perdedor, porque conseguiu evitar que entrassem no documento pontos aos quais se opunha fortemente e manter no texto o que considerava mais importante, ainda que sem a força desejada.

Assim se faz o milagre da multiplicação de apoios e subtração de vetos: um limite temporal para as conversas; deixar que o tempo seja o senhor das soluções; acomodar todos os interesses, ainda que à custa de substância e decisões de relevância imediata. Agora, os chefes de governo poderão confraternizar, posar para a foto da assinatura da declaração do Rio sobre o futuro que queremos e se dedicar a reuniões bilaterais, diante do celebrado sucesso do multilateralismo. Na Rio+20, a história terminou antes de a conferência começar.

Sergio Abranches é cientista político

FONTE: O GLOBO

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