quarta-feira, 20 de junho de 2012

Na retranca:: Míriam Leitão

O momento mais difícil dos últimos dias para o Itamaraty foi quando a União Europeia ameaçou, na segunda-feira, não levar o documento aos níveis superiores, o que significava sair das negociações. O momento de maior alívio para a diplomacia brasileira aconteceu ontem, ao meio-dia, quando o documento foi aprovado. A estratégia foi tirar o que incomodasse qualquer grupo. A soma dos vetos desidratou o texto O Futuro que Queremos.

A partir de hoje começa a reunião dos chefes de Estado, e o texto está fechado. A comissária europeia para a Ação Climática, Connie Hedegaard, desabafou no Twitter: "Riomais20, muito "tomam nota" e "reafirmam" e pouco "decidem" e "se comprometem"." De fato, dos 20 primeiros parágrafos, cinco começam com "reconhecemos", e seis, com "reafirmamos".

Na entrevista coletiva, as autoridades brasileiras repetiram com palavras diferentes o mesmo recado. "Foi possível assegurar o não retrocesso", disse a ministra Izabella Teixeira, do Meio Ambiente. "Depois de uma longa batalha confirmamos os princípios do Rio", disse o ministro Antonio Patriota, referindo-se à conferência de 20 anos atrás. O embaixador Figueiredo também comemorou ter sido possível "preservar e não retroceder". O negociador André Corrêa do Lago disse que foi "possível reiterar e não ir para trás".

Some essas declarações e você entenderá o que houve. O Brasil jogou na retranca. O importante passou a ser reafirmar o que foi estabelecido há 20 anos. Assim, o futuro que queremos ficou com a cara do passado que tivemos.

E não fomos felizes no passado. O Brasil, como já disse aqui, desmatou em 20 anos uma área equivalente a São Paulo, Rio de Janeiro e Espírito Santo somados. A China mais que duplicou as emissões dos gases de efeito estufa. Estados Unidos, Brasil, China, Índia não assinaram o Protocolo de Kioto e isso aumentou as muitas falhas do único acordo de redução de emissões já assinado. Depois de 15 Conferências das Partes, o mundo não tem um novo acordo global de emissões dos gases de efeito estufa. O acordo de proteção da biodiversidade não impediu o desaparecimento de inúmeras espécies.

O Itamaraty teve medo de que a reunião fracassasse por não fechar o documento. O Brasil é que propôs a reunião. Na época, a proposta foi mal recebida por muitos. Vários países disseram que o ciclo das grandes conferências da ONU já havia se esgotado. A insistência e a articulação do Brasil, da qual participaram ONGs internacionais, levaram à aprovação do encontro.

O Brasil trabalhou para evitar que esta fosse uma espécie de COP-17 e meia, ou seja, não quis que fosse sobre a questão climática. Se as duas últimas reuniões, de Cancún e Durban, fossem mais bem sucedidas, aqui poderia ser o local da assinatura do tão sonhado acordo global das emissões dos gases de efeito estufa. Por isso, o Brasil manobrou para evitar essa estrada interditada e propôs que o tema fosse "desenvolvimento sustentável". Negociou para que a reunião estabelecesse objetivos de desenvolvimento sustentável e decidisse qual órgão passaria a comandar a questão ambiental na ONU. Parecia uma trilha, mas reuniões preparatórias foram uma sucessão de impasses. Na quarta-feira da semana passada, os delegados se debruçaram sobre um documento apenas 30% fechado. Ontem, o Itamaraty se congratulava por estar com ele 100% aprovado.

Para isso teve que abandonar a ideia de transformar o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) na agência ambiental da ONU. Os Estados Unidos vetaram a agência porque têm medo de interferência em sua política interna. A União Europeia queria muito que o Pnuma ganhasse poderes de agência. A solução foi pôr no documento que o órgão será fortalecido. Em vez de ter apenas 52 membros, será universal. Terá mais dinheiro e pode ser promovido. A que e quando, o documento não diz.

O fundo de US$ 30 bilhões que seria criado desapareceu. Agora há apenas a decisão de criar uma comissão de especialistas intergovernamentais, que vai até 2014 estabelecer mecanismos financeiros para garantir recursos. O que atrapalhou aqui foi a insistência da China, com Brasil e Índia, de manter intocado o princípio das "responsabilidades comuns porém diferenciadas". Esses países não querem pagar o preço de terem crescido. Fica mais absurdo no caso da China, a maior chaminé do mundo.

Seriam lançados aqui no Rio os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Ficou assim: os chefes de Estado reconhecem a importância de ter objetivos. Vai se constituir um grupo de trabalho na próxima assembleia da ONU, que fará um relatório para a reunião do ano que vem.
Houve um momento nos últimos dias de tensas e longas negociações que o Brasil dava como certo que haveria um acordo sobre oceanos que permitiria a negociação de legislação sobre águas territoriais. Estados Unidos e Venezuela ficaram contra. Foi a mais exótica aliança da reunião.

O Brasil recolheu os vetos, avançou para o passado e confirmou a Rio 92. A diplomacia brasileira diz que foram lançadas pontes para decisões futuras. Resta torcer pelas pontes. Hoje começa a reunião dos chefes de Estado. O Brasil comemora o fato de que há um texto aprovado sobre a mesa.

FONTE: O GLOBO

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