Valor Econômico
Acomodação da base parlamenta arrisca
protagonismo climático do Brasil
O ministro das Relações Institucionais,
Alexandre Padilha, disse que o governo não está comprometido com a sanção de
projetos que agridam o meio ambiente. Referia-se à aprovação, pela Câmara, de
uma emenda do PL à medida provisória que afrouxa os limites de desmatamento na
Mata Atlântica e adia, pela sexta vez, o prazo para que proprietários rurais
restaurem a vegetação nativa desmatada além dos limites estabelecidos pelo
Código Florestal.
A MP ainda vai para o Senado, mas o
enfrentamento do tema é mais difícil do que sugere o ministro. A derrota não
decorreu apenas do rearranjo interno do Centrão com vistas ao pedágio para a
tramitação do arcabouço fiscal e da reforma tributária.
Madeireiros e garimpeiros se assenhoraram
do país com o aval não apenas do ex-presidente Jair Bolsonaro como do
Congresso. Enraizaram-se tanto que invadiram o quintal do lulismo.
É uma gente rude, mas que age com sofisticação ímpar. Haja vista a armadilha que aprontaram para este governo na exportação de ipês. O comércio mundial da flora e da fauna selvagens é normatizado por uma convenção conhecida pela sigla Cites. A espécie que entra nesta lista precisa de uma licença para ser comercializada.
O pau-brasil e o mogno estão neste index
desde sempre. No ano passado os servidores do Ibama enviados para a convenção
votaram contra a entrada do ipê, uma das madeiras mais exploradas da Amazônia,
no index. A Cites decidiu incluí-lo mas fixou em novembro de 2024 o prazo para
a entrada em vigor. A inclusão no index não impede a comercialização mas a
condiciona à concessão de uma licença rigorosa.
Apesar de ter votado contra, no apagar das
luzes do governo portaria do Ibama determinou a inclusão do ipê no index em
julho. Em 26 de janeiro, o Ibama lulista fez coincidir o prazo com o da
convenção.
A decisão adia em um ano e meio a entrada
em vigor das normas mais rígidas. O presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, diz
que o governo fez coincidir os prazos porque a emissão da licença antes da
convenção seria inócua.
O ex-ministro do Meio Ambiente e
ex-secretário-geral da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e
Desenvolvimento, Rubens Ricupero, diz que o Brasil perdeu uma oportunidade de
assumir liderança no tema ao mudar o prazo e não vê impedimento no direito
internacional para isso. Rodrigo Moraes, presidente da Comissão do Comércio de
Carbono e Mudanças Climáticas do Instituto dos Advogados de São Paulo, discorda
da ineficácia da medida e só vê ganhos numa norma mais protetiva.
Agostinho nega pressões, reconhece o
desgaste da portaria mas diz que o erro foi não batalhar, em 2022, por um prazo
mais curto na convenção. Os servidores que representaram o Brasil foram os
mesmos que fizeram vista grossa nos embarques de madeira indocumentada que
seria apreendida nos EUA.
Agiam em conluio com o ex-ministro Ricardo
Salles. Respondem a inquéritos, perderam os cargos de direção, mas permanecem
no Ibama. Não são os únicos. A delegacia de repressão a crimes contra o meio
ambiente da Polícia Federal tem bolsonaristas em postos-chave.
Ao longo do governo Bolsonaro, quase todas
as superintendências estaduais do Ibama foram ocupadas por policiais militares
da reserva. Agora são funcionários de carreira que lá estão, mas esses cargos
estão na mira do Centrão.
Se Codevasf e Dnocs nunca deixaram de
integrar a lista de desejos, as superintendências do Ibama e do Incra passaram
a disputar com esses órgãos a preferência dos partidos.
Com o primeiro bloco de cargos, os
parlamentares movem as máquinas de licitações que enlouquecem os órgãos de
controle. Com o segundo, o objetivo é inverso: ocupar para paralisar. Uma
liderança focada na alocação dos cargos espera que Alexandre Padilha se inspire
no outro Padilha, o Eliseu. Morto em março, sua atuação, sob Michel Temer,
expandiu o domínio do Centrão, sedimentado pelo bolsonarismo.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva
despachou seu assessor especial, Celso Amorim, para a Rússia, com a ambição
recalcitrante de mediar a paz mundial. É na questão climática, porém, e na
possibilidade de liderar pelo exemplo, que estão as maiores chances de o Brasil
fazer a diferença no planeta. É isso que está em risco na acomodação da base
governista.
A conta
que não fecha
Na visão de um dos mais experientes
políticos brasileiros, o Congresso ruma para ser dominado por quatro blocos: um
de esquerda, composto pela federação PT/PCdoB/PV, PDT e Psol, um de direita,
liderado pelo PL bolsonarista, e dois que chama de “centristas”: um integrado
por MDB, PSD e Republicanos, e o outro a ser formado por PP, União Brasil e
PSB, o partido do vice Geraldo Alckmin e dos ministros Flávio Dino e Márcio
França. Na Câmara, os pessebistas são dominados pelo presidente da Casa, Arthur
Lira. Demais partidos, como PSDB, Cidadania ou Podemos serão satélites de um ou
outro.
O segundo bloco “centrista” corre para ser
formalizado para disputar com MDB/PSD/Republicanos as indicações ainda
represadas. E não apenas. Protagonizam uma disputa sobre quem mais serve ao
desejo do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, de aprovar o arcabouço fiscal e
a reforma tributária este ano. O arranjo que possibilitou a PEC da Transição já
se esgotou. Os próximos capítulos dependem dos cargos e de novo pacto para
emendas no Orçamento de 2024.
Os parlamentares preferem usar as dotações
de cada um a falar da soma. É uma maneira de minimizar o impacto sobre o
Orçamento. Calculam a média de recursos de cada deputado no governo Bolsonaro
em R$ 32 milhões, entre emendas individuais e de bancada. Contabilizam ainda um
recurso extraordinário de R$ 30 a R$ 40 milhões por parlamentar a partir das
chamadas emendas de relator. Com a decisão do Supremo, que redistribuiu os
recursos do relator, o lote dos parlamentares subiu para uma média de R$ 43
milhões.
Há um lote de R$ 9 bi que voltou para o
Executivo mas sobre os qual os parlamentares continuam a ter ingerência. Pois
esta nova etapa de votações passa não apenas pelo aumento neste volume de
recursos como pela reforma do que chamam de “metodologia de alocação”.
O que nenhuma liderança dos blocos
centristas que cortejam Haddad explica é como fazer caber na mesma equação o
aumento no volume de emendas e a redução do déficit.
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