O Estado de S. Paulo
Lula continua devendo uma lista de prioridades
Aos cem dias está faltando ainda um governo
de frente ampla. O que Lula parece estar fazendo até aqui é contestar aspectos
amplos do que encontrou ao assumir para o terceiro mandato.
O ponto de contestação mais recente é o do
Marco Legal do Saneamento, que tem como pano de fundo o notório desconforto do
presidente com qualquer tipo de privatização. Outros aspectos contestados (a
lista não é exaustiva) têm a ver com educação, formação de preços no setor de
energia, relações capital-trabalho e uso de estatais como moeda de troca nas
relações políticas.
Outro ponto que merece destaque é a inserção do Brasil nas relações internacionais a partir do que Lula percebe como equidistância a ser mantida pelo “global south” frente aos grandes focos de poder mundiais – na prática, significa alinhar o Brasil à China e à Rússia.
Aqui não cabe entrar no mérito de cada uma
dessas questões, que têm extraordinária abrangência. Mas, sim, perguntar se o
presidente tem as forças políticas adequadas para atacar em tantas frentes ao
mesmo tempo.
Aparentemente, não. A escolha de temas tão
relevantes e, ao mesmo tempo, distantes entre si sugere que o presidente não
estabeleceu uma lista de prioridades. Dedica-se ao que vem surgindo pela frente
preso à narrativa de que é necessário desfazer o que encontrou.
Curioso nesse processo de “seleção” de
objetivos (na verdade, na falta de) é o desapego ao que se poderia chamar de
“avaliação” das próprias forças. Isto fica mais evidente quanto mais se
aproxima o momento de testar as próprias capacidades – como a votação de MPs de
interesse imediato do governo. O principal risco no momento está associado à
dificuldade de Lula de dizer com qual time vai entrar em campo para disputar
qual tipo de votação.
Não é por outro motivo que se tem
mencionado a reforma tributária como teste decisivo. Ela demanda uma capacidade
sobre-humana de coordenação e articulação políticas, num ambiente no qual já de
saída é difícil subordinar os vários interesses antagônicos a posturas
político-ideológicas claras.
Lula tem demonstrado grande apego à
capacidade de improvisação. Mas pouquíssima dedicação à enfadonha tarefa de
sistematizar assuntos, dissecá-los em suas partes constituintes e abordá-los
com algum tipo de método. É o que ficou bastante transparente no envolvimento
dele com o arcabouço fiscal, no qual seu único ponto de vivo interesse parece
ter sido em torno da questão “vou continuar podendo gastar?”
Improviso na política não é, por definição,
uma característica negativa. O problema para o governante é quando não existe
nada, além de improviso.
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