Brasil precisa correr para evitar fiasco na COP30
O Globo
Dificuldades vão da infraestrutura deficiente
de Belém à saída dos Estados Unidos dos acordos climáticos
Já não faltavam desafios para o embaixador
André Corrêa do Lago, escolhido para presidir a Conferência do Clima (COP30),
prevista para novembro em Belém. As dificuldades aumentaram nesta semana com a
volta de Donald Trump à Presidência dos Estados Unidos. De imediato, Trump
anunciou a retirada americana do Acordo de Paris, como já fizera em seu
primeiro mandato, e medidas de estímulo aos combustíveis fósseis — ações
potencialmente nocivas ao planeta.
Além de serem os maiores emissores de gases
de efeito estufa, os Estados Unidos desempenham papel essencial nos esforços
tecnológicos necessários para mitigar os estragos das mudanças
climáticas. Ainda que oficialmente o governo Trump não participe da COP30,
Corrêa do Lago precisará atrair empresas e estados americanos sensíveis à
causa. Do contrário, qualquer acordo ou meta que sejam estipulados correm o
risco de cair no vazio.
Ele era um nome óbvio para comandar a COP30, mas a escolha do governo Lula demorou demais. Agora, precisará correr. Primeiro, para preparar a cidade-sede, onde há carências graves de infraestrutura para receber um evento dessa magnitude, especialmente no que diz respeito à hospedagem. Segundo, desafio ainda mais complexo, para lidar com a saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris e com as políticas antiambientais de Trump, que representam um baque para os rumos da conferência.
Sem a adesão americana, será ainda mais
necessário assegurar o compromisso de outras nações — em especial China, Índia,
integrantes da União Europeia e do G20 — com a redução das emissões e
investimentos em transição energética. Por enquanto há um abismo entre o valor
que países pobres e em desenvolvimento reivindicam para mitigar as mudanças
climáticas (US$ 1,3 trilhão) e o que oferecem os ricos (US$ 300 bilhões — e nem
isso é garantido).
Internamente, Corrêa do Lago também enfrenta
uma missão espinhosa. Em novembro, durante a COP29, no Azerbaijão, o Brasil
anunciou uma nova meta de redução de emissões — 67% em relação aos valores de
2005, ao longo dos próximos dez anos. E manteve o compromisso de zerar o
desmatamento na Amazônia até 2030. Na prática, os esforços do governo não têm
sido suficientes para alcançar tais objetivos. Embora o desmatamento tenha
caído, em 2024 a área destruída por queimadas foi a maior já registrada no
Brasil. O maior estrago aconteceu na Amazônia. Além disso, é necessário maior
engajamento do agronegócio nas metas ambientais e uma agenda em prol da energia
limpa que não seja refém de interesses de ocasião.
A conferência de Belém acontecerá num momento
crítico para o planeta, quando a principal ambição climática traçada dez anos
atrás parece ter sido frustrada. Há dias, a agência europeia Copernicus
anunciou que o ano de 2024 não apenas foi o mais quente da História, mas
ultrapassou pela primeira vez a marca de 1,5 oC de aumento na temperatura média
em relação ao período pré-industrial (atingiu 1,6 oC). Embora o limite
estabelecido como desejável no Acordo de Paris se refira a temperaturas médias
em pelo menos 20 anos, a situação preocupa. Não é irreversível, mas sugere que
os países precisarão fazer muito mais do que fizeram até aqui. O grande temor é
chegar ao ponto em que já não será mais possível reverter a catástrofe
climática.
Debate sobre mototáxi deve ter como
prioridade garantia de segurança
O Globo
Legislação federal permite prestação do
serviço por aplicativo, mas motos oferecem riscos maiores que carros
O debate sobre a proibição do serviço de
mototáxi oferecido por aplicativos em cidades brasileiras está fora de foco.
Nas últimas semanas, assiste-se a uma batalha jurídica em São Paulo em torno da
autorização desse tipo de transporte. O prefeito Ricardo Nunes (MDB)
diz que ele está vetado na capital. As empresas alegam estar amparadas na
legislação federal. Em meio à confusão, sucedem-se ações na Justiça e
apreensões de motos. E pouco se fala na segurança.
É verdade que a legislação federal permite a
empresas de transporte por aplicativo, como Uber ou 99,
operar o serviço no país. Não à toa, elas costumam obter decisões favoráveis da
Justiça. A lei não surgiu do nada. Quando os aplicativos começaram a oferecer
transporte individual de passageiro no Brasil, houve rebelião de taxistas, que
monopolizavam a atividade. Os aplicativos rapidamente caíram no gosto popular.
De um lado, ofereciam tarifas competitivas. De outro, eram opção de trabalho e
renda para muitos desempregados. A despeito do sucesso, prefeituras de
diferentes cidades, pressionadas por corporações de taxistas, decidiram
proibi-lo.
A proibição não vingou. Rendendo-se à
realidade, o Congresso aprovou uma lei que autoriza as plataformas a funcionar
em qualquer lugar do país. Ficou estabelecido que os municípios deveriam
regulamentar a atividade, mas não poderiam proibi-la. Aparentemente, a situação
estava pacificada. Mas na época não se falava em mototáxi, embora o serviço já
existisse nas periferias de grandes cidades. As motos são um elemento novo no
debate. Por isso é preciso que Executivo e Legislativo se debrucem sobre o
assunto.
Evidentemente, transportar um passageiro num
carro e transportá-lo na garupa de uma moto são coisas diferentes. É
fundamental que, na discussão, a segurança seja prioridade. Não há dúvida de
que, em caso de quedas e colisões, o passageiro da moto está mais vulnerável,
por mais que use equipamentos de proteção. São altos os riscos de lesões
graves. Levantamento do Departamento Estadual de Trânsito (Detran) mostra que,
na cidade de São Paulo, as mortes de motociclistas subiram quase 20% no ano
passado, superando as que envolvem pedestres, carros ou bicicletas. As empresas
que operam mototáxi alegam que, no total de corridas, os acidentes são
insignificantes. Mas isso também é verdade para os carros. É fato que os riscos
com motos são bem maiores.
O serviço de mototáxi é atraente para o
passageiro. Ele chega rápido ao destino pagando uma tarifa relativamente
barata. Mas a praticidade não pode ser o único fator considerado. O mais
importante é a segurança de condutor e passageiro. Acidentes têm custos, para
não falar no risco de morte. Na regulamentação, é preciso impor limites
sensatos de velocidade e exigir equipamento de proteção, seguro. Mais
importante que discutir se prefeituras podem proibir o mototáxi é fazer o
necessário para garantir sua segurança no trânsito caótico das grandes cidades
brasileiras.
Lula entra em modo eleitoral e mira preços
dos alimentos
Valor Econômico
O governo pratica o diversionismo na área
fiscal, e teme-se que vá estender o método em interferência nos preços, que não
darão em nada - muito menos votos
Os resultados da reunião ministerial de
segunda-feira, convocada pelo presidente Lula, podem ter criado problemas novos
ao governo, sem resolver os antigos. O predomínio nas redes sociais das
críticas da oposição a um decreto para dar maior transparência ao Pix, do qual
o governo recuou, acendeu um alerta. A minicrise do Pix levou Lula a proclamar
que “2026 já começou”. Determinar o início da propaganda eleitoral informal
significa que o governo buscará elevar sua popularidade sem que tenha colocado
a casa fiscal em ordem, abrindo caminho a ideias tentadoras e estapafúrdias. A
das “intervenções” para baixar os preços dos alimentos, enunciada pelo ministro
Rui Costa, é o primeiro exemplo de uma série que poderá ser longa.
O encontro ministerial deveria iniciar uma
incerta reforma ministerial para dar maior respaldo ao governo no Congresso.
Não se falou quase nisso durante a reunião. Na parte pública da reunião, na
abertura com o discurso do presidente, Lula apresentou um tema então alheio às
preocupações do governo: o preço da alimentação. “Todo ministro sabe que o
alimento tá caro e é uma tarefa nossa garantir que o alimento chegue na mesa do
povo trabalhador, da dona de casa, na mesa do povo brasileiro, em condições compatíveis
com o salário que ele ganha”. A alimentação no domicílio subiu 8,23% em 2024,
bem acima dos 4,83% do IPCA, após uma das maiores estiagens recentes, motivada
por um El Niño especialmente intenso.
O chamado eleitoral foi dado pelo presidente,
depois que as pesquisas mostraram que a aprovação de seu governo não avança,
enquanto cresce a porcentagem dos que acham que a economia não está no rumo
certo. O governo se orgulha do crescimento de quase 7% em dois anos e emprego
recorde, mas isso, por si só, está influenciando menos o eleitor. Isso também
foi visto nos EUA, com a alta rejeição de Joe Biden, mesmo após dois anos de
ótima performance da economia americana. A inflação ajudou a derrotar os democratas
e pode fazer o mesmo aqui.
Sob direção do novo ministro da Secretaria
Especial de Comunicação Social (Secom), Sidônio Palmeira, serão buscadas
“marcas” da atual gestão, e Lula terá de aparecer com maior frequência, menos
em gabinetes, mais junto ao povo. A incontinência verbal de Lula foi um dos
maiores problemas do governo na primeira metade do mandato. Palmeira estreou no
governo em um momento ruim e se colocou ao lado do ministro da Casa Civil, Rui
Costa, em posição contrária ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad, na questão
da revogação do Pix. Sidônio recomendou o óbvio: que todos falem a mesma
linguagem e que a comunicação seja centralizada. O presidente disse que todas
as decisões ministeriais que possam ter alguma repercussão deverão passar antes
pelo filtro do ministro da Casa Civil, ampliando os poderes já extensos de Rui
Costa.
A reunião teve imprevistos notáveis. Após a
convocação geral do governo para as eleições, Lula disse que poderá não se
candidatar à Presidência e que seria aconselhável preparar o caminho para um
sucessor. Há dois mais em evidência, que disputam espaço no governo: Fernando
Haddad e Rui Costa.
Haddad carrega o fardo da responsabilidade
fiscal e a maior dificuldade que tem encontrado é a resistência de Lula a
realizar o ajuste necessário, como ficou claro no anúncio do último pacote
fiscal, no qual os cortes de gastos ficaram muito aquém do esperado, ao lado do
anúncio de uma intempestiva renúncia de receitas com a isenção do IR para quem
ganha até R$ 5 mil, promessa populista de campanha que o presidente levará à
frente, não importa o custo. Nas disputas com Haddad, há quase sempre do outro
lado Rui Costa.
Coube a Costa cumprir a ordem de Lula de
baixar os preços dos alimentos. A questão não é simples de resolver, e a
propaganda não é, nesse caso, a alma do negócio. Durante as enchentes no Sul,
em maio, que prejudicaram a safra de arroz, o governo ia lançar a preços
módicos arroz, com carimbo explícito do governo rótulos. Foi criticado e a
iniciativa não prosperou, mas por outro motivo: fraude nas licitações.
A disparada do câmbio e o clima seco elevaram
os preços dos alimentos, reajustes que não encontraram obstáculo diante de
massa salarial e empregos em alta. Carnes, café e leite tiveram aumentos de
dois dígitos, contra os quais há pouco a fazer. Importações teriam de ser
feitas com um dólar muito valorizado e não há viabilidade imediata de formação
de estoques reguladores. Mas o governo está disposto a fazer algo, embora não
saiba o que.
O ministro Rui Costa anunciou que vai
monitorar e acompanhar o preço dos alimentos, fará o que os consumidores fazem.
O perigo maior é a iniciativa de um “conjunto de intervenções” - substituída
depois por Costa por “medidas”, dada a má associação do termo a experiências
fracassadas de governos anteriores.
O governo poderia agir indiretamente nos
preços criando condições para que o dólar não se desvalorizasse tanto - um dos
efeitos da desconfiança sobre a fragilidade das contas públicas. O governo
pratica o diversionismo na área fiscal, e teme-se que vá estender o método em
interferência nos preços, que não darão em nada - muito menos votos.
Governo só exibe despreparo ao mirar preço de
alimento
Folha de S. Paulo
Inflação tem origem em fatores climáticos,
agravados por alta de gastos sob Lula; ensaio de intervenção gera polêmica
O Brasil viveu em 2024 uma grande seca e
incêndios disseminados, além de enchentes que destruíram parte do Rio Grande do
Sul. Um dos resultados desses desastres foi perda na produção de carnes, leite,
arroz, café, açúcar e laranja, por exemplo, afora danos na horticultura. Houve
problemas climáticos no mundo, fora a demanda elevada por certos produtos.
Além do mais, a moeda brasileira passou por
aguda desvalorização —em grande parte, pelo descrédito da política econômica do
governo Luiz Inácio Lula da Silva
(PT), que
impulsionou o crescimento do PIB por meio
de expansão
insustentável do gasto e da dívida pública. Isso teve impacto na inflação,
particularmente na de alimentos.
O país ainda convive com grau elevado de
inércia inflacionária —vale dizer, o encarecimento de algumas mercadorias tende
a afetar outras; o consumo, ademais, está em nível alto, dado o desempenho
robusto da atividade econômica, o que facilita o repasse de custos para os
consumidores.
Esse é o cenário da elevação recente dos
preços da comida, que suscitou reações desencontradas de um governo ora
obcecado por críticas nas redes sociais.
O presidente da República pediu a seus
ministros que tomem providências rápidas a respeito do tema—dando mostras de
que a gestão petista não tem consciência das causas da inflação, imagina que
possa tomar medidas relevantes no curto prazo e, de quebra, arrisca-se a
comprometer ainda mais seu prestígio.
O custo dos alimentos consumidos em
domicílio aumentou
ao longo do ano passado, com alta de 8,2%. O fenômeno teve dois efeitos na
percepção da carestia.
Primeiro, atingiu itens essenciais: carnes,
óleo de soja, café, arroz, laticínios. Segundo, agravou um problema que
persiste desde a epidemia de Covid-19: embora o avanço do valor médio dos
rendimentos do trabalho supere o da inflação, o nível do preço da comida
continua acima do normal.
Houve grande descolamento desse segmento em
relação a salários, o que é muito evidente a partir do terço final de 2020. De
fins de 2019 até agora, registrou-se encarecimento de mais de 60% dos alimentos
que se consomem em casa, ante expansão média de cerca de 40% dos rendimentos do
trabalho. A distância voltou a crescer a partir de agosto do ano passado.
Um governo, em tese, pode tomar medidas para
tornar mais eficientes a produção e a distribuição de alimentos: estudos sobre
localização de lavouras, mitigação da crise climática, crédito, assistência
técnica, seguros, transportes melhores, diminuição do poder de mercado de
firmas, tributação comedida. Em uma perspectiva otimista, isso tem efeito no
médio prazo.
Salvo algum milagre, Lula não conseguirá
conter preços de imediato —sendo mais prováveis intervenções desastradas ou
novas polêmicas inúteis, como ao aventar
a flexibilização de prazos de validade de alimentos.
Nunes deve buscar meios de regular mototáxi
Folha de S. Paulo
Preocupação com segurança é correta, mas
proibir serviço é tarefa inglória; SP tem problemas mais amplos de mobilidade
A disputa sobre o transporte de passageiros
por motocicletas travada entre a Prefeitura de São Paulo e
empresas de aplicativo evidencia a precariedade do sistema de mobilidade da
maior cidade do país e quinta mais populosa do mundo.
Em 2023, o prefeito Ricardo Nunes (MDB) assinou um
decreto que proíbe o serviço por meio de aplicativos, dado o alto número de
acidentes que envolvem esse tipo de veículo.
Contudo a lei 12.099, de 2009, autoriza e
regulamenta o trabalho de mototaxistas no território nacional e, em 2020, o
Supremo Tribunal Federal decidiu que "a proibição ou restrição da
atividade de transporte privado individual por motorista cadastrado em
aplicativo é inconstitucional".
No dia 14 de janeiro, a empresa 99 passou a
disponibilizar o serviço de mototáxi e entrou com mandado de segurança na
Justiça paulista para anular o decreto de Nunes, o que foi negado. Na segunda
(21), o juiz Josué Vilela Pimentel indeferiu
pedido do município para multar a 99.
O magistrado cita a lei 12.099 e uma Ação
Direta de Inconstitucionalidade ajuizada pela Associação dos Motofretistas do
Brasil contra o diploma paulistano, que ainda está sendo julgada.
No dia seguinte, outro aplicativo, o Uber, começou
a oferecer o serviço de mototáxi. Em resposta, Nunes anunciou que entrará
com queixa-crime contra as duas empresas —trata-se do primeiro passo de uma
ação penal. Entre os dias 15 e 20 deste mês, foram apreendidas 143 motocicletas
por transporte irregular.
A prefeitura, embora movida por preocupações
pertinentes, tapa o sol com peneira. O número elevado de mortes de
motociclistas na capital precisa ser combatido com educação, fiscalização e
recursos de engenharia de tráfego como a faixa azul.
A realidade inescapável é que o mototáxi é
uma forma mais ágil e menos custosa de transporte, principalmente para quem
vive na periferia da cidade.
A metrópole conta com número insuficiente de
linhas de trem e metrô e um
sistema de ônibus que apresenta
baixa eficiência. Para quem está longe da região central, é penoso se
locomover.
No decreto, afirma-se que a proibição dos
mototáxis seria temporária, mas, após dois anos, nada de concreto foi feito
para resolver um impasse criado pela própria prefeitura.
Em vez de insistir na judicialização e
dificultar ainda mais a mobilidade dos paulistanos, Nunes deveria regulamentar
o serviço e atuar com o governo estadual para expandir e facilitar o transporte
urbano na capital.
Respeitar o Orçamento não é opcional
O Estado de S. Paulo
Ao bloquear gambiarra para custear o
Pé-de-Meia, TCU resgata a essência da democracia: se o governo crê no programa,
deve negociar sua prioridade sobre outros gastos na peça orçamentária
O plenário do Tribunal de Contas da União
(TCU) tomou a correta decisão de bloquear os recursos do Pé-de-Meia por
entender que o modelo de financiamento do programa do Ministério da Educação
(MEC) viola o processo orçamentário. Em outras palavras: para tentar cumprir
suas metas fiscais, o governo Lula da Silva tem custeado o Pé-de-Meia por meio
de uma gambiarra financeira, à margem do devido escrutínio do Congresso.
Criado no ano passado, o Pé-de-Meia consiste
na formação de uma poupança para os alunos do ensino médio da rede pública que
sejam beneficiários do Cadastro Único para Programas Sociais. O objetivo do MEC
é incentivar a permanência desses estudantes em sala de aula durante toda essa
fase da aprendizagem. Comprovadas matrícula e frequência escolar, o aluno
recebe um pagamento mensal de R$ 200. Ao final de cada ano letivo concluído,
recebe mais R$ 1 mil de bônus, além de um adicional de R$ 200 por participação
no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Como se vê, é um programa de
interesse público, razão pela qual o governo, se crê em seu valor, como se
supõe, deveria ser o primeiro a lutar por sua inclusão no Orçamento, negociando
no Congresso a priorização do Pé-de-Meia sobre outros gastos públicos.
Instituído pela Lei no 14.818/24, o
Pé-de-Meia tem sido financiado com recursos do Fundo de Custeio da Poupança de
Incentivo à Permanência e Conclusão Escolar para Estudantes do Ensino Médio
(Fipem), que por sua vez é composto por aportes administrados pela Caixa
Econômica Federal, sendo os da União os mais vultosos. Em boa hora, o
Ministério Público junto ao TCU advertiu que “a legislação que criou o programa
permite à União transferir recursos a esse fundo, porém ela não permite que o
pagamento dos incentivos aos estudantes com recursos depositados no Fipem se dê
à margem do Orçamento”. O procurador Lucas Furtado ainda alertou que “essa
prática está travestida de um fundo privado a fim de se manter tangente às
regras das finanças públicas”, vale dizer, insubmissas ao controle republicano
dos gastos do governo pelo Poder Legislativo.
Eis a essência da democracia. Recursos
públicos, oriundos da tributação de cidadãos e empresas, devem ser destinados
ao financiamento de políticas voltadas ao progresso humano, social e econômico
de uma nação. Em suma, ao bem comum. O debate em torno de quais políticas
atendem ou não a esse imperativo – e, portanto, são dignas dos recursos dos
contribuintes – deve ser travado pela sociedade por meio de seus representantes
eleitos, com absoluta transparência, espírito público e senso de prioridade,
pois dinheiro não dá em árvore. Quando governos buscam meios exóticos para
financiar suas ações, sem submetê-las a esse crivo republicano, acabam por
mascarar o real estado dos gastos públicos e por abastardar a própria
democracia representativa.
Em justiça ao atual governo, deve-se
registrar que Lula da Silva não é o único que tem o cacoete de driblar o
Orçamento quando lhe convém. Jair Bolsonaro fez letra morta de decisões
judiciais definitivas ao dar calote no pagamento dos precatórios e furou o teto
de gastos ao menos duas vezes em um ano para aumentar o pagamento do Auxílio
Brasil e da ajuda financeira a caminhoneiros e taxistas, para citar apenas dois
outros exemplos recentes de desrespeito gritante à peça orçamentária. Não é
assim que se governa uma República democrática.
O TCU teve o cuidado de não se imiscuir no
mérito do programa Pé-de-Meia, haja vista que a formulação de políticas
públicas, evidentemente, é prerrogativa dos Poderes Executivo e Legislativo.
Mas a Corte de Contas lançou luz sobre mais uma manobra sub-reptícia que, ao
fim e ao cabo, rebaixa o Orçamento a uma burocracia qualquer. Se o governo Lula
da Silva trata o cumprimento do Orçamento como mera formalidade que, a depender
de suas conveniências, pode ser ignorada, alguém haveria de lembrá-lo do contrário.
E que bom para o País que o TCU o tenha feito, resguardando não apenas a
higidez das finanças públicas, como também a própria materialização da
democracia consubstanciada na peça orçamentária.
Uma boa escolha para presidir a COP
O Estado de S. Paulo
Lula convoca um experiente diplomata para
dirigir o encontro, que acontece em meio a muito ceticismo. Que o presidente
tenha a mesma sensibilidade para escolher quem negociará pelo Brasil
Foi boa a escolha do embaixador André Aranha
Corrêa do Lago para presidir a Conferência das Nações Unidas sobre Mudança
Climática (COP-30). A cúpula de Belém será comandada por um diplomata de
carreira do Itamaraty, com experiência em negociações, e será mesmo necessário
ter muita ponderação para conciliar tantos interesses no atual debate
ambiental.
Secretário de Clima, Energia e Meio Ambiente
do Ministério das Relações Exteriores, Lago foi anunciado pelo presidente Lula
da Silva para comandar a conferência, a ser realizada em novembro, em uma
atmosfera global bastante instável. A discussão sobre o financiamento dos
países ricos aos pobres para a mitigação dos efeitos das mudanças do clima,
cujos eventos são cada vez mais recorrentes e extremos, voltará à pauta.
Em paralelo, o mundo assiste ao avanço de
líderes negacionistas, entre eles Donald Trump, que, tão logo tomou posse,
retirou os Estados Unidos do Acordo de Paris. E a decisão do republicano é, por
óbvio, estratégica.
A transição energética é custosa e lenta, e
isso está claro tanto para negacionistas quanto para catastrofistas. Não à toa
Trump e outros líderes defendem a exploração e o uso de combustíveis fósseis,
hoje mais baratos, a despeito da necessidade de acelerar a mudança para fontes
mais limpas. Em outra frente, o republicano se contrapõe à China, uma das
campeãs em emissão de gases ao mesmo tempo que surfa na onda verde e inunda o
mundo com tecnologia “sustentável”, sobretudo carros elétricos e placas fotovoltaicas
para produção de energia solar.
O perfil conciliador de Lago pode ajudar na
busca por convergências nessas disputas internacionais – e também ajuda a
arrefecer as tensões no Brasil. Por isso, seu nome foi bem recebido pelo
agronegócio.
Congressistas como a senadora Tereza Cristina
(PP-MS) e o deputado Pedro Lupion (PP-PR), presidente da Frente Parlamentar da
Agropecuária (FPA), manifestaram alívio, haja vista que o setor temia a
indicação de um ambientalista intransigente para um posto que requer capacidade
de escuta, articulação e execução. Segundo Cristina, a COP-30 será a chance de
o Brasil se reafirmar como potência agroambiental, ao focar em
sustentabilidade, e não apenas no desmatamento da Amazônia, “como querem
alguns”.
A mensagem da senadora e ex-ministra da
Agricultura do governo de Jair Bolsonaro é clara: o agronegócio não pode ser
apontado como vilão. Nesse sentido, em que pesem os elogios a Lago, que terá de
equilibrar, com imparcialidade, as demandas de todos os países, preocupa quem
serão os indicados por Lula para negociar os interesses e as políticas do
Brasil na COP.
O pecuarista Pedro de Camargo Neto foi às
redes sociais expressar essa apreensão – perfeitamente compreensível, haja
vista que até hoje o Brasil não definiu prioridades nem tem, como ele afirmou,
uma política de Estado para o meio ambiente que vá além das “desavenças da
miúda política partidária”. Já a Sociedade Rural Brasileira (SRB), em nota
pública, afirmou que “é essencial” que os negociadores brasileiros “compreendam
a importância do agronegócio para a economia nacional e global, ao mesmo tempo
que promovam iniciativas alinhadas à sustentabilidade e à preservação
ambiental”.
Como se vê, não será uma COP fácil. Se no
campo externo a demanda por energia barata explicita os custosos desafios da
descarbonização, internamente o Brasil ainda tem muita lição de casa para
fazer. O País carece de ações concretas para proteger seus biomas, como a
Amazônia, que recentemente bateu recorde de queimadas, e ainda precisa
encontrar formas de combater a grilagem, o garimpo ilegal e o crime organizado,
que escoa drogas para o mundo a partir da região.
Somente uma política sustentável, com
projetos que apresentem alternativas capazes de aliar proteção ambiental ao
desenvolvimento econômico, sem extremismos, garantirá o sucesso do País como
líder global. Até agora, no entanto, o Brasil patina na área, e seria muito
ruim se Lula escolhesse “companheiros” cheios de vícios ideológicos e hostis ao
agronegócio para serem a voz do Brasil nesse encontro.
Cabral debocha do Brasil
O Estado de S. Paulo
Ex-governador faz de seus crimes uma
caricatura cínica do ‘injustiçado’ pela Lava Jato
É difícil imaginar cena mais emblemática de
deboche ao que ainda resta de decência neste país do que o vídeo do notório
Sérgio Cabral Filho, publicado por ele há poucos dias, relaxando à beira de uma
piscina enquanto dá dicas de filmes para seus milhares de seguidores nas redes
sociais. Depois de gabaritar a seção do Código Penal que trata dos crimes
contra a administração pública, o que lhe impôs condenações a mais de 400 anos
de cadeia, Cabral parece empenhado em fazer de sua condição de criminoso uma
caricatura cínica do político “injustiçado” pela Operação Lava Jato.
Solto em dezembro de 2022 por ordem do
Supremo Tribunal Federal e liberado de cumprir prisão domiciliar desde
fevereiro de 2023 pelo Tribunal Regional Federal da 2.ª Região, o ex-governador
do Rio “viciado em dinheiro”, como ele mesmo admitiu à Justiça, resolveu fazer
um rebranding, ou um “reposicionamento de marca”, no jargão do marketing.
Captando o espírito destes tempos estranhos, nos quais a delinquência pode ser
um ativo na era da chamada “economia da atenção”, Cabral tem se firmado como
influencer nas redes sociais, onde, além das dicas culturais, tece comentários
políticos e oferece opções de turismo no Rio à sua audiência. Nesse mundo
reverso, no qual a imoralidade parece ser a nova moral, Cabral tem feito
sucesso.
Enquanto aguarda o julgamento de recursos nos
mais de 20 processos em que foi condenado por organização criminosa, corrupção,
lavagem de dinheiro e evasão de divisas, entre outros crimes, Cabral se diverte
nas redes – e na vida real – como um bonachão, um bon vivant com
leveza de alma inversamente proporcional à pesadíssima carga penal que carrega
nas costas.
Aqui não se trata, é óbvio, de ignorar o
direito de qualquer apenado de recorrer de condenações por meio dos
instrumentos que as leis e a Constituição lhe dão. Mas, no caso de Cabral, o
figurino do “injustiçado”, haja vista sua confissão e a devolução de milhões de
reais recebidos como propina, é puro escárnio, pois totalmente desprovido de
base factual, que dirá de traço de arrependimento genuíno ou de reparo à
população prejudicada pelos crimes que este senhor cometeu.
Essa atitude não desvela só a soberba que, a
bem da verdade, sempre notabilizou o ex-governador fluminense. Ela ilumina a
forma como políticos e empresários graúdos apanhados em malfeitos podem
explorar brechas legais, apelos midiáticos e, não menos importante, certa
complacência dos tribunais para reescrever suas biografias, não raro retorcendo
os fatos que lhes são inconvenientes. Aquele homem que, autorizado pela
Justiça, desfruta do dolce far niente em uma piscina emoldurada pelo
Pão de Açúcar é o mesmo que quase levou o Rio à falência e, certamente, levou à
decadência moral, política e institucional da qual o Estado, até hoje, peleja
para se reerguer.
O País, não de agora, passa por um momento em que a credibilidade das instituições tem sido colocada à prova. Portanto, permitir que criminosos como Sérgio Cabral Filho continuem a debochar do Brasil honesto é um duro golpe nos esforços para restaurar a confiança dos cidadãos na política e no sistema de Justiça, sem a qual a democracia fica vulnerável.
Preços de alimentos não devem ser contidos na
canetada
Correio Braziliense
O incômodo maior é com o fato de a desaprovação ao governo Lula ter superado, no início deste mês, a aprovação, conforme pesquisa Atlas Intel. A reprovação atingiu o maior nível da série histórica e chegou a 49,8%, enquanto a aprovação foi de 47,8%
A bronca que o presidente Luiz Inácio Lula da
Silva deu nos seus ministros, na última segunda-feira, teve endereço certo e
meta estabelecida. Lula cobrou trabalho e resultados de todos os ministros, mas
especificamente ao titular da Agricultura, Carlos Fávaro, e ao da Fazenda,
Fernando Haddad. O primeiro, pelo aumento dos preços dos alimentos e o segundo,
pela confusão feita com a portaria da Receita Federal com a divulgação de novas
normas de fiscalização envolvendo operações com o Pix e também pela alta dos
preços. O motivo é simples e o presidente anunciou na abertura da reunião
ministerial: "2026 já começou".
O incômodo maior é com o fato de a
desaprovação ao governo ter superado, no início deste mês, a aprovação,
conforme pesquisa Atlas Intel. A reprovação atingiu o maior nível da série
histórica e chegou a 49,8%, enquanto a aprovação foi de 47,8%. O presidente
sabe que, com esses níveis de desaprovação, se torna alvo fácil para os
opositores, e identificou na alta de preços o problema que precisa ser
resolvido no decorrer deste ano. Embora deseje e tenha pedido esforço dos
ministros no sentido de baratear o custo de vida dos brasileiros, a tarefa vai
exigir mais do que medidas de gabinete.
No ano passado, a inflação voltou a estourar
o teto da meta fixada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), chegando a 4,83%,
puxada pelo item alimentos e bebidas, que subiu 7,69%, portanto, muito acima da
inflação medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo
(IPCA). Pesaram no custo da alimentação, que sozinha teve alta de 8,23%,
os preços do café e das carnes. Os cortes de proteína animal subiram 20,48%,
enquanto o café moído disparou e subiu 39,6% no ano. E o que explica esses aumentos,
entre outros fatores, são problemas climáticos, ciclo de produção e maior
demanda no mundo e no mercado interno.
Não são fatores que permitam uma atuação
vertical para redução dos preços. Depois da reunião na segunda-feira,
informações desencontradas, partidas da Casa Civil, indicavam uma intervenção
para baixar o valor dos alimentos. É, sim, necessário encontrar formas de
conter os aumentos de preços de itens da cesta básica que pesam sobretudo na
população com menor renda, mas é preciso cuidado na forma de buscar soluções.
Intervenções de governo no mercado costumam causar mais problemas do que
soluções.
O presidente Lula tem pressa, mas não é
possível uma solução rápida. Incentivos para aumento da produtividade no campo
levam tempo para surtir efeito, assim como a formação de estoques reguladores
para equacionar oscilações nos preços de grãos e cereais, uma operação que
depende de recursos públicos para compra dos produtos e de capacidade de
armazenamento. Outra forma seria autorizar a importação de produtos cujos
preços estão mais elevados. Nesse caso, no entanto, os itens que mais subiram
têm cotações internacionais, com preços formados pela demanda e oferta, o que
dificulta a busca por fornecedores com preços mais baixos.
É preciso agir e, sobretudo, mostrar que há
preocupação com o que afeta o bolso da população, principalmente considerando a
relação direta da alta do custo de vida com queda na aprovação do governo e do
presidente Lula. Mas provocar ruídos, como ocorreu na quarta-feira, com
informações desencontradas sobre intervenção no mercado de alimentos e
especulações do que pode ou deve ser feito não contribui para conter os preços,
cuja acomodação tem um componente de estabilidade. O custo da alimentação vem
subindo mais do que a inflação há alguns anos e há indícios de que este ano
também os itens básicos vão ficar mais caros. Nesse caso, o governo deve ter
cautela, para não ser ele mais um fator a pressionar os preços.
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