sexta-feira, 24 de janeiro de 2025

Um pouco de Maquiavel não faria mal ao governo – Luiz Carlos Azedo

Correio Braziliense

Lula tem motivos para se julgar um predestinado, mas seu governo vive um momento delicado, diante de grandes incertezas provocada pela volta de Trump ao poder

Não é raro o político que tenha lido O Príncipe, de Nicolau Maquiavel, o clássico dos clássicos da política, ao menos uma vez. Publicado em 1532, ou seja, há quase cinco séculos, a obra permanece atual e é considerada seminal para a política moderna. Maquiavel separou a moral tradicional relacionada aos indivíduos da lógica que rege os governos, a razão do Estado.

Maquiavel escreveu O Príncipe em 1513, mas a obra só foi publicada quase 20 anos depois. Foi um texto disruptivo àquela época, pois separava a Igreja do Estado, ao discorrer sobre os principados e repúblicas da Itália daquela época, fragmentada pelo colapso do Império Romano e seus invasores. Seu grande objetivo era inspirar alguém que a unificasse. Um dos trechos mais interessantes do livro, que tem 26 capítulos, discorre sobre a Fortuna na política.

Em conversas privadas e discursos, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva aborda esse aspecto por um ângulo messiânico, no qual se coloca como um homem predestinado, que sobreviveu a todas as adversidades desde quando, ainda criança, deixou o sertão de Pernambuco como retirante. O destino nunca lhe faltou, mesmo nos momentos mais difíceis. Recentemente, a interlocutores próximos, tem revelado em detalhes como sentiu a morte de perto no atual mandato — e até mesmo chegou a desejá-la.

Lula cita o caso da pane do avião presidencial, que passou cinco horas sobrevoando a Cidade do México, com uma só turbina funcionando, até que fosse autorizado o pouso de emergência. Conta que procurou disfarçar sua apreensão, brincando com seus ministros e assessores, mas chegou a avaliar que o avião cairia e todos morreriam. Ficou particularmente irritado porque, durante horas, não soube exatamente o que estava acontecendo, até que resolveu tomar satisfações com os tripulantes do Aerolula.

A outra situação foi a queda no banheiro, quando cortava as unhas das mãos — e não dos pés, como chegou-se a divulgar. Lula caiu de costas de um banco e bateu a cabeça num degrau da banheira. Quando se deu conta da situação, pensou que havia ficado tetraplégico, porque não conseguia se mover. Nesse momento, fechou os olhos e pediu a Deus para morrer, até que se deu conta de que os dedos se mexiam. Não conseguiu se levantar, mas se arrastou até o telefone para pedir ajuda. Foi socorrido pelo policial federal responsável pela sua segurança, seu ex-carcereiro em Curitiba.

Lula tem motivos para se julgar um predestinado, mas está abalado emocionalmente e preocupado com a saúde. Seu governo vive um momento delicado, diante das grandes incertezas provocadas pela volta ao poder de Donald Trump, o presidente dos Estados Unidos. A avaliação de sua administração pela opinião pública é negativa, mas Lula está convencido de que isso não corresponde ao desempenho real do governo. Para o Palácio do Planalto, o problema é de comunicação. Os analistas, porém, pensam diferente: a crise de confiança no governo não é apenas uma questão de imagem, foi provocada por fatores objetivos, principalmente um nó fiscal cujos ingredientes são alta da inflação, desvalorização do real, juros altos e aumento da dívida pública. A ordem desses fatores não altera esse resultado.

A infalibilidade do líder

Voltemos a Maquiavel: "De quanto pode a fortuna nas coisas humanas e de que modo se lhe deva servir" (Quantum fortuna in rebus humanis possit, et quomodo illis it occurrem dum), o 15º capítulo d'O Príncipe, foi escrito com a intenção subjacente de separar o Estado da Igreja. Para o clero, as coisas eram governadas pela fortuna e por Deus, e os homens não poderiam modificar o seu destino, que já estava predeterminado. Por isso, muitos deixavam-se governar pela sorte e perdiam o poder.

Maquiavel resolveu dividir as responsabilidades: "Pensando nisso algumas vezes, em parte, inclinei-me em favor dessa opinião. Contudo, para que o nosso livre-arbítrio não seja extinto, julgo poder ser verdade que a sorte seja o árbitro da metade das nossas ações, mas que ainda nos deixe governar a outra metade, ou quase". Dizia que o príncipe que se apoia totalmente na sorte arruína-se segundo as mudanças de conjuntura. Seria feliz aquele que se acomodasse à natureza dos tempos e infeliz aquele que entrasse em choque com o momento.

O florentino comparou a Fortuna aos rios torrenciais: "Quando se encolerizam, alagam as planícies, destroem as árvores e os edifícios, carregam terra de um lugar para outro; todos fogem diante dele, tudo cede ao seu ímpeto, sem poder opor-se em qualquer parte. E, se bem assim ocorra, isso não impedia que os homens, quando a época era de calma, tomassem providências com anteparos e diques, de modo que, crescendo depois, ou as águas corressem por um canal, ou o seu ímpeto não fosse tão desenfreado nem tão danoso".

Os políticos têm muita dificuldade de se distanciar dos seus interesses imediatos — ou do próprio ego — ao analisar as mudanças de conjuntura. A coisa fica mais grave quando seus assessores acreditam na infalibilidade do líder, como acontece no Palácio do Planalto. A Fortuna de Lula estaria, assim, acima de tudo, mesmo que a conjuntura internacional, o ambiente econômico e a correlação de forças políticas estejam desfavoráveis.

 

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