sexta-feira, 24 de janeiro de 2025

Oposição já vive no pós-Bolsonaro - Vera Magalhães

O Globo

Empolgação com a nova era Trump e iminência de julgamento do ex-presidente brasileiro aceleram procura por herdeiro do espólio bolsonarista e reduzem poder de influência do capitão

As eleições municipais já foram um ensaio geral de como a direita e mesmo a extrema direita entenderam que, cedo ou tarde, terão de construir um caminho sem Jair Bolsonaro, enrolado até o pescoço com a Justiça. A vitória de Donald Trump nos Estados Unidos e sua volta ao poder com ares de quem pode tudo, colocando suas promessas mais radicais num acelerador de partículas, parece ter aguçado por aqui a pressa em definir o futuro.

O patético choro do capitão no aeroporto ao não poder embarcar e ficar de fora da posse de Trump é uma imagem emblemática desse momento, e seu afã em continuar aparentando que está no jogo, com o factoide de que poderia assumir a Casa Civil num eventual governo da mulher, Michelle, é a prova de que ele mesmo percebeu que o chão começa a lhe faltar debaixo dos pés.

Ninguém, da esquerda à direita, acha que o julgamento de Bolsonaro e de seus ex-colaboradores pela acusação de tentativa de golpe de Estado passa deste ano. Portanto, à já aprovada inelegibilidade, pode se somar uma condenação criminal — ainda que não vá preso, sofrerá um desgaste brutal.

Também não se encontra quem, fora da necessidade de publicamente ainda prestar alguma solidariedade ao ex-presidente, aposte em reversão de sua inabilitação para disputar eleições ou em anistia para qualquer um dos crimes a que responde.

O que varia é a avaliação de que peso ele terá na definição do candidato da direita que disputará a Presidência em 2026 e dos palanques desse campo político para os governos. Na escolha dos candidatos ao Senado, sua grande obsessão, ninguém duvida que ele terá voz.

O fato de alguém que só existe na política graças a Bolsonaro, como é o caso do dublê de senador e astronauta Marcos Pontes, ousar dar estocadas no criador mostra que mesmo aquele temor reverencial de que se indispor com ele seria assinar a sentença de morte política já não está em vigor. Serve de encorajamento até para outros peixes mais graúdos do aquário bolsonarista, que até aqui têm sido tímidos em ousar desagradar ao ex-todo-poderoso.

O aparecimento barulhento de Pablo Marçal em 2024 também foi prenúncio de que ainda existe um mercado para aquela categoria de nomes da negação da política entre os eleitores órfãos do capitão. Razão pela qual o cantor Gusttavo Lima, cada vez mais enrolado em investigações diversas, lança o balão de ensaio de que disputará o Planalto para desviar o foco e mudar de assunto — e funciona, o que é pior.

A definição do nome da direita na chapa de 26 dependerá de uma lista de fatores que antecedem a vontade de Bolsonaro e a superam em peso, a começar, obviamente, pela situação em que estará o governo Lula e pela percepção do eleitorado a respeito do pêndulo da política, que foi para a direita em 2018 e, em reação aos desmandos de Bolsonaro, voltou para a esquerda quatro anos depois.

Nas primeiras semanas do ano, aliados fiéis ao presidente não demonstram total certeza de que ele disputará o quarto mandato. Também essa decisão, concordam, dependerá de uma dose mais ou menos segura, por parte dele, de que vencerá, porque um político com a trajetória única de Lula, que foi do inferno ao céu em tantas reviravoltas e encarnações, não vai querer encerrar a carreira com uma derrota.

Com ele, a definição do adversário será uma; sem ele, outra. Nas duas circunstâncias, no entanto, parece a cada dia menor o poder de Bolsonaro de conduzir sozinho o processo.

Esse cenário, por si só, deveria levar o governo a focar cada vez menos na figura do ex-presidente e mais em entender para onde soprará o vento no mundo e no continente a partir da realidade de um Trump com pressa de colocar em prática uma política que pode ter imensas consequências para o Brasil, inclusive inspirar a extrema direita a planejar a volta ao poder sem ligar a mínima para se Bolsonaro estará solto ou preso.

 

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