sexta-feira, 24 de janeiro de 2025

Lula tem um canhão na boca e deve usá-lo mais - Andrea Jubé

Valor Econômico

Tradição recomenda que presidente se arme até os dentes para a batalha em Minas

“O senhor já viu guerra? A mesmo sem pensar, a gente esbarra e espera o que vão responder... A coisa que o que era xô e bala. Que qual, agora não se podia mais ter outros lados. Era só gritar ódio, caso quisesse, e o ar se estragou, trançado de assovios de ferro metal”.

A fala é do jagunço Riobaldo em uma passagem de “Grande sertão: veredas”, de João Guimarães Rosa, ao lembrar das balas ricocheteando o ar na batalha entre os bandos inimigos, os zé-bebelos e os hermógenes. Mas poderia ser do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que se armou para a guerra contra os adversários, ao decretar na reunião ministerial que “2026 já começou”. Faltou dizer: agora é “xô e bala”.

É uma clara mudança de cenário porque, até então, as críticas de aliados a uma certa passividade de Lula na condução do governo eram uma constante. Na visão de um quadro histórico do PT, o presidente e os ministros precisam ir a público, nas ruas e nas redes sociais, para fazer a “disputa política” com a oposição.

A percepção dessa fonte é que o governo está apanhando calado da direita. “Lula tem um canhão na boca, mas não usa”, reclamou. Ele defende que o líder petista fale mais em público, dê mais entrevistas, e mais do que responder às provocações, desafie a oposição porque suas declarações alcançam cada canto do país.

O que se viu no ato dessa quarta-feira (22) no Palácio do Planalto, na assinatura da concessão de um trecho da rodovia BR-381, que atravessa Minas Gerais, foram “assovios de ferro metal” disparados contra o governador mineiro Romeu Zema (Novo), ausente na cerimônia.

Em discurso feito um tom acima, Lula disse que Zema deveria ir ao Planalto entregar-lhe um “troféu” pela renegociação das dívidas estaduais com a União. “O que nós fizemos para os Estados que não pagavam a dívida [com a União] talvez só Jesus Cristo fizesse se ele concorresse à Presidência da República desse país”, desafiou. A alusão à corrida presidencial não foi aleatória porque Zema já colocou seu nome para a Presidência em 2026.

Depois de Lula, o chefe da Casa Civil, Rui Costa (PT), também atacou Zema. “Os que gostam de lacrar na internet deixaram as estradas de Minas Gerais com apenas 42% consideradas boas”. E o ministro dos Transportes, Renan Filho (MDB), afirmou que “nunca nenhum governo deu tanta atenção a Minas” quanto Lula.

Dias antes, o primeiro a travar embate com Zema havia sido o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, também pelas redes sociais. “O governador de Minas Gerais Romeu Zema usou esta rede para atacar o governo federal, mas, como é de praxe no bolsonarismo, esconde a verdade”. Prosseguiu afirmando que em reunião com ele ainda na fase das discussões, Zema havia levado uma proposta “bem menor” que a sancionada por Lula.

Nos últimos dias, Zema e os governadores do Rio de Janeiro, Claudio Castro (PL), e do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), reclamaram dos vetos de Lula ao projeto de renegociação das dívidas bilionárias dos Estados com a União. Zema acusou a União de, apesar do recorde de arrecadação, querer que os Estados “paguem a conta de sua gastança”.

No fim de outubro, Lula confrontou o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil), que também já se posicionou na corrida ao Planalto. Mas no lugar do tom incisivo, o presidente optou pela ironia naquela ocasião. Na reunião de governadores para debaterem a crise nacional de segurança, Caiado afirmou que havia liquidado o problema da violência em Goiás. Na fala de encerramento, Lula dirigiu-se ao goiano em tom de sarcasmo: “Tive a oportunidade de conhecer hoje o único Estado que não tem problema de segurança, que é o Estado de Goiás”, provocou.

Recentemente, Caiado voltou ao assunto ao criticar as portarias assinadas pelo ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, regulamentando o uso da força policial. Acusou o governo federal de querer discutir segurança pública como se estivesse “na Suécia”. Lewandowski respondeu, em tom moderado, que a norma foi debatida com vários integrantes da segurança pública brasileira.

Nessa quarta-feira, Lula reportou-se a Zema em seu discurso com uma ênfase proporcional ao tamanho da briga. A situação do petista em Minas Gerais não é confortável. Há muito tempo a direita não se mostrava tão hegemônica no Estado, que no passado foi governado pelo PT. Enquanto Zema se coloca como presidenciável, atua, freneticamente, para fazer o seu sucessor, o vice-governador Mateus Simões (Novo), bem avaliado, conhecido no Estado e atuante nas plataformas.

Em outra frente, desponta bem posicionado nas pesquisas o senador Cleitinho Azevedo (Republicanos) para concorrer à sucessão de Zema, tendo como cabos eleitorais o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e o deputado Nikolas Ferreira (PL-MG), fenômeno das redes sociais e pivô da recente crise do Pix.

Para enfrentar as forças de direita, Lula conta com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG) - um quadro de centro-direita - para lhe garantir um palanque no Estado. Antes, Pacheco deve se tornar ministro do petista.

A tradição recomenda que Lula se arme até os dentes para a batalha em Minas. Desde a redemocratização, o candidato que ganhou em Minas, venceu a eleição presidencial. Lula ganhou de Bolsonaro no Estado em 2022 por uma margem apertada, de 0,40 pontos percentuais.

Em suma, a guerra começou. “É na boca do trabuco, é no té-retêretém”, diria Riobaldo.

 

Nenhum comentário: