Valor Econômico
Tradição recomenda que presidente se arme até
os dentes para a batalha em Minas
“O senhor já viu guerra? A mesmo sem pensar,
a gente esbarra e espera o que vão responder... A coisa que o que era xô e
bala. Que qual, agora não se podia mais ter outros lados. Era só gritar ódio,
caso quisesse, e o ar se estragou, trançado de assovios de ferro metal”.
A fala é do jagunço Riobaldo em uma passagem
de “Grande sertão: veredas”, de João Guimarães Rosa, ao lembrar das balas
ricocheteando o ar na batalha entre os bandos inimigos, os zé-bebelos e os
hermógenes. Mas poderia ser do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que se
armou para a guerra contra os adversários, ao decretar na reunião ministerial
que “2026 já começou”. Faltou dizer: agora é “xô e bala”.
É uma clara mudança de cenário porque, até
então, as críticas de aliados a uma certa passividade de Lula na condução do
governo eram uma constante. Na visão de um quadro histórico do PT, o presidente
e os ministros precisam ir a público, nas ruas e nas redes sociais, para fazer
a “disputa política” com a oposição.
A percepção dessa fonte é que o governo está apanhando calado da direita. “Lula tem um canhão na boca, mas não usa”, reclamou. Ele defende que o líder petista fale mais em público, dê mais entrevistas, e mais do que responder às provocações, desafie a oposição porque suas declarações alcançam cada canto do país.
O que se viu no ato dessa quarta-feira (22)
no Palácio do Planalto, na assinatura da concessão de um trecho da rodovia
BR-381, que atravessa Minas Gerais, foram “assovios de ferro metal” disparados
contra o governador mineiro Romeu Zema (Novo), ausente na cerimônia.
Em discurso feito um tom acima, Lula disse
que Zema deveria ir ao Planalto entregar-lhe um “troféu” pela renegociação das
dívidas estaduais com a União. “O que nós fizemos para os Estados que não
pagavam a dívida [com a União] talvez só Jesus Cristo fizesse se ele
concorresse à Presidência da República desse país”, desafiou. A alusão à
corrida presidencial não foi aleatória porque Zema já colocou seu nome para a
Presidência em 2026.
Depois de Lula, o chefe da Casa Civil, Rui
Costa (PT), também atacou Zema. “Os que gostam de lacrar na internet deixaram
as estradas de Minas Gerais com apenas 42% consideradas boas”. E o ministro dos
Transportes, Renan Filho (MDB), afirmou que “nunca nenhum governo deu tanta
atenção a Minas” quanto Lula.
Dias antes, o primeiro a travar embate com
Zema havia sido o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, também pelas redes
sociais. “O governador de Minas Gerais Romeu Zema usou esta rede para atacar o
governo federal, mas, como é de praxe no bolsonarismo, esconde a verdade”.
Prosseguiu afirmando que em reunião com ele ainda na fase das discussões, Zema
havia levado uma proposta “bem menor” que a sancionada por Lula.
Nos últimos dias, Zema e os governadores do
Rio de Janeiro, Claudio Castro (PL), e do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite
(PSDB), reclamaram dos vetos de Lula ao projeto de renegociação das dívidas
bilionárias dos Estados com a União. Zema acusou a União de, apesar do recorde
de arrecadação, querer que os Estados “paguem a conta de sua gastança”.
No fim de outubro, Lula confrontou o
governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil), que também já se posicionou
na corrida ao Planalto. Mas no lugar do tom incisivo, o presidente optou pela
ironia naquela ocasião. Na reunião de governadores para debaterem a crise
nacional de segurança, Caiado afirmou que havia liquidado o problema da
violência em Goiás. Na fala de encerramento, Lula dirigiu-se ao goiano em tom
de sarcasmo: “Tive a oportunidade de conhecer hoje o único Estado que não tem
problema de segurança, que é o Estado de Goiás”, provocou.
Recentemente, Caiado voltou ao assunto ao
criticar as portarias assinadas pelo ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski,
regulamentando o uso da força policial. Acusou o governo federal de querer
discutir segurança pública como se estivesse “na Suécia”. Lewandowski
respondeu, em tom moderado, que a norma foi debatida com vários integrantes da
segurança pública brasileira.
Nessa quarta-feira, Lula reportou-se a Zema
em seu discurso com uma ênfase proporcional ao tamanho da briga. A situação do
petista em Minas Gerais não é confortável. Há muito tempo a direita não se
mostrava tão hegemônica no Estado, que no passado foi governado pelo PT.
Enquanto Zema se coloca como presidenciável, atua, freneticamente, para fazer o
seu sucessor, o vice-governador Mateus Simões (Novo), bem avaliado, conhecido
no Estado e atuante nas plataformas.
Em outra frente, desponta bem posicionado nas
pesquisas o senador Cleitinho Azevedo (Republicanos) para concorrer à sucessão
de Zema, tendo como cabos eleitorais o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e o
deputado Nikolas Ferreira (PL-MG), fenômeno das redes sociais e pivô da recente
crise do Pix.
Para enfrentar as forças de direita, Lula
conta com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG) - um quadro de
centro-direita - para lhe garantir um palanque no Estado. Antes, Pacheco deve
se tornar ministro do petista.
A tradição recomenda que Lula se arme até os
dentes para a batalha em Minas. Desde a redemocratização, o candidato que
ganhou em Minas, venceu a eleição presidencial. Lula ganhou de Bolsonaro no
Estado em 2022 por uma margem apertada, de 0,40 pontos percentuais.
Em suma, a guerra começou. “É na boca do
trabuco, é no té-retêretém”, diria Riobaldo.
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