sexta-feira, 19 de junho de 2015

Míriam Leitão - Contrarreforma

- O Globo

Gasto será maior em relação ao modelo atual. A economista que criou a fórmula do fator previdenciário, Solange Vieira, disse que a nova forma de se aposentar, mesmo com a progressividade, representará mais gastos para a Previdência do que a regra atual, do fator, e pode provocar uma onda de cobrança na Justiça. Os ministros mostraram o envelhecimento da população e, ao mesmo tempo, defenderam o modelo que aumenta despesas.

Quem se aposentar hoje com a regra do 85/ 95 não terá a redução do valor do benefício que teria com o fator previdenciário e, segundo Solange, mesmo no final, quando for 90/ 100, em 2022, estará ganhando:

— A situação de hoje é equivalente ao que se terá em 2022. Mas, quando chega lá, a situação demográfica será outra, portanto, mais benéfica ficará. Nos meus embates com a Justiça na questão previdenciária, entendi que os juízes sempre transformam uma regra mais benéfica em regra universal. A tendência é, portanto, estender, a quem se aposentou pelo fator, as regras que vão vigorar a partir de agora.

Durante entrevista coletiva para explicação da MP, os ministros disseram que haverá uma economia de R$ 50 bilhões até 2026, em relação ao texto aprovado no Congresso, e uma diferença de 0,5% do PIB a partir de 2030. Quando perguntado sobre a comparação com as regras atuais, o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, disse que não havia feito a conta porque não era importante. Os cálculos foram apenas na comparação com a proposta do Congresso. É espantoso que o governo não tenha feito esse cálculo, porque a Previdência hoje é deficitária e é preciso saber se o rombo ficará maior ou menor.

A pedido do blog, o economista Fábio Tafner, especialista no tema, foi aos números e chegou à conclusão que a MP é uma contrarreforma. A regra apresentada pelo governo hoje trará mais gastos do que o modelo que vigora desde 2000, elaborado por Solange Vieira. Segundo Tafner, este ano, haverá um crescimento na despesa de cerca de 0,5% em relação ao modelo atual. Essa diferença crescerá nos próximos anos, e a despesa será 7,8% maior, em 2030, e 30%, em 2050.

A fórmula criada pela economista Solange Vieira poupou um grande volume de recursos para os cofres públicos, mas sempre foi vista como prejudicial ao trabalhador, porque quem se aposentava mais cedo tinha uma redução dos proventos. A hipótese da qual se partia naquela época era que o brasileiro aumentaria sua expectativa de vida nos anos seguintes, tornando necessário incentivá- lo a ficar mais tempo na atividade.

A previsão estava correta. Ontem mesmo o ministro Carlos Gabas mostrou um gráfico provando que a expectativa de vida aumentou 4,6 anos de 1998 até agora. Também falou que a quantidade de pessoas em idade ativa, sobre o número de aposentados, era de 11,5 para um, no ano 2000, e já caiu para 9,3 em 2013. A previsão é que seja de apenas 2,3 em 2060. Ou seja, haverá apenas 2,3 pessoas contribuindo para cada um aposentado pelo INSS nessa data.

Difícil é entender o que levou o ministro a apresentar esses dados, mostrando a mudança demográfica brasileira, para, ao mesmo tempo, defender uma fórmula que aumenta o custo atual da Previdência. A MP pode ser melhor do que o texto aprovado pelo Congresso, mas, de qualquer maneira, aumentará mais o gasto com o INSS quando se compara com as regras atuais com o fator previdenciário.

— Toda regra de aposentadoria tem que ser ajustada conforme vai se alterando a situação demográfica, para que haja mais sustentabilidade financeira e atuarial. No mundo inteiro o que está sendo aprovado é o aumento da idade mínima. O Brasil é o único país que tem aposentadoria por tempo de contribuição. Em geral, é por idade. Acho que não há problema em se abandonar o fator previdenciário, mas teria que ser estabelecida a idade mínima — diz Solange.

Para um país que está em recessão e passando por uma crise de confiança, com ameaça de perda do grau de investimento, tudo o que não precisava era o Congresso e o governo implementarem uma contrarreforma na Previdência. O governo não quis fazer as contas do que se perde em relação à situação vigente, mas as agências de classificação de risco e os investidores farão e vão concluir que andamos mais uma casa para trás.

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