Enrico Berlinguer, no livro Democracia valor universal, pg. 43 – Fundação Astrojildo Pereira/ Contraponto, Rio de Janeiro, 2009
Política e cultura, segundo uma opção democrática, constitucionalista, reformista, plural.
segunda-feira, 30 de novembro de 2009
Reflexão do dia – Enrico Berlinguer
Enrico Berlinguer, no livro Democracia valor universal, pg. 43 – Fundação Astrojildo Pereira/ Contraponto, Rio de Janeiro, 2009
Ricardo Noblat:: Cadê meu panetone?
- Pois é... Arruda, agora, vai comer o panetone que o Diabo amassou. (De Túlio Otoni, jornalista mineiro, em seu twitter)
Pouco importa o que venha a fazer o governador José Roberto Arruda (DEM), do Distrito Federal. Pode ficar no cargo para evitar o risco de ser preso. Pode pedir licença. Se renunciar ao mandato tanto pior. Mas uma coisa é certa: o plano de se reeleger foi engolido pelo mensalão embolsado por ele e sua turma. Não tem pão? Vá comer panetone.
Esse, sim, é um mensalão digno de ser encarado como tal e tratado com deferência. Perto do mensalão de Arruda, o do PT denunciado pelo ex-deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) não passou de um mensalinho. É razoável supor que o mensalão do PT movimentou mais grana. Ocorre que ele era federal. O novo mensalão é distrital. De resto, vista de longe, Brasília se limita à Esplanada dos Ministérios.
É por isso que a maioria dos brasileiros não dá bola para o que se passa dentro das quatro linhas da política brasiliense. A imprensa de fora só raramente – embora muitos dos seus jornalistas vivam aqui. Esqueça a imprensa local. O DNA dela é governista. No último sábado, por exemplo, os dois principais jornais da cidade operaram o prodígio de noticiar o mensalão de Arruda livrando a cara de... De quem mesmo? De Arruda.
A imagem inaugural do mensalão do PT foi aquela do funcionário da empresa Correios & Telégrafos recebendo uma gorjeta de R$ 3 mil. A do mensalão do DEM foi a do governador recebendo uma gorda quantia de dinheiro. A gorjeta foi paga por um ex-bicheiro interessado em fazer negócios com o Correios. O dinheiro foi entregue a Arruda pelo seu secretário de Relações Institucionais, Durval Barbosa.
Não há um único depoimento que incrimine Lula ou o vice-presidente José Alencar na denúncia aceita pelo Supremo Tribunal Federal (STF) contra os mensaleiros do PT. Fita de vídeo ou de áudio que flagre mensaleiros de alto coturno discutindo a partilha do “faz-me rir”? Não existe. Mesmo contra o ex-ministro José Dirceu, apontado como chefe da “organização criminosa”, há poucos indícios de fato consistentes.
Arruda também foi filmado conversando com Durval e com o chefe da Casa Civil do governo sobre a necessidade de unificar a forma de pagamento de propinas a secretários de Estados e deputados distritais. E outra vez foi filmado ouvindo Durval explicar que 40% do dinheiro arrecadado junto a quatro empresas da área de informática caberiam a ele, Arruda, 30% ao vice-governador Paulo Octavio e o resto ao demais beneficiados.
Há pontos em comum entre os dois mensalões. Primeiro: o dinheiro serviu para facilitar a aprovação na Câmara dos Deputados e na Câmara Legislativa do Distrito Federal de projetos dos governos Lula e Arruda. Segundo: os presidentes de ambas as Câmaras participaram do esquema. Terceiro: Lula chamou seu mensalão de Caixa 2. Arruda chamou o dele de ação meritória para a compra de panetones destinados a saciar a fome dos pobres.
Sempre se poderá dizer que os mensaleiros do PT demonstraram mais esperteza. Deixaram menos rastros capazes de mandá-los para a cadeia. Os mensaleiros distritais foram confiantes demais, relapsos demais e acreditaram em excesso que escapariam impunes. Produziram o mais bem documentado escândalo da história política recente do País. Coisa de deixar Delúbio Soares, ex-tesoureiro do PT, de queixo caído.
Os mensaleiros do PT tentaram se apossar da máquina do Estado, segundo a denúncia acolhida pelo STF. Os mensaleiros de Brasília, não – a máquina do Estado é deles desde que Joaquim Roriz chegou ao poder pela primeira vez. Ele governou quatro vezes. Em 2006, ajudou seu ex-pupilo Arruda a se eleger. Arruda herdou de Roriz parte dos seus auxiliares. Durval foi um. Afinal, por que mexer em time que estava ganhando?
O calendário gregoriano nada tem a ver com o calendário político. A se levar em conta o primeiro, o governo Arruda acabaria no dia 31 de dezembro de 2010. Com base no segundo, o governo acabou na semana passada.
Fernando Rodrigues:: O quase nanico Democratas
BRASÍLIA - O Democratas nasceu de uma costela do PDS (ex-Arena, esteio da ditadura militar). Ainda com o nome de PFL, o partido sempre se apresentou como uma das forças motrizes responsáveis pela volta do país à democracia.
Adversários dos "demos" pensam de forma diferente. A sigla só teve senso de oportunidade. Em 1984, com a ditadura atolada no brejo, o grupo saltou fora do barco. Aliou-se às forças emergentes. Manteve-se mais tempo no poder.
A fórmula pefelista deu certo por muitos anos, quase duas décadas. Forte em oligarquias estaduais, nos grotões do país, o partido foi ficando. Em Brasília, praticou o quanto pode a genuflexão aos poderosos, um a um. Serviu a José Sarney, Collor e FHC. Muitos até simpatizam com Lula.
Mas ninguém engana a todos o tempo todo. O PFL elegeu seis governadores em 1998. Caiu para quatro em 2002. Em 2006, ficou com apenas um: José Roberto Arruda, em Brasília, um ex-tucano renascido "demo" depois de ter caído em desgraça por causa de um escândalo anos antes -a violação do painel de votação do Senado.
Agora, Arruda entra em um buraco mais fundo. Há indícios claros de sua participação num esquema já chamado de mensalão do DEM em Brasília. É difícil haver explicação dentro da legalidade para a imagem do único governador "demo" recebendo um pacote de dinheiro, refestelado em um sofá, e respondendo: "Ah, ótimo".
No caso dos mensalões do PT e do PSDB, é bom lembrar, nunca apareceu imagem tão eloquente.
O Democratas encolhe a cada eleição. Foram 105 deputados eleitos em 1998. Uma queda para 84 em 2002. Só 65 em 2006. Hoje, prova do próprio veneno: a infidelidade partidária o desidratou e a bancada com meras 55 cadeiras.
Em 2010, ressalvada uma ou outra exceção, os "demos" devem aumentar a sua insignificância.
Fernando de Barros e Silva:: Faroeste caboclo
SÃO PAULO - Diante do vídeo que exibe José Roberto Arruda recebendo de um auxiliar maços gorduchos de notas, o secretário de Ordem Pública (?) do Distrito Federal explicou que a dinheirama se destinava à compra de panetones e cestas básicas. Esqueceu de acrescentar que o próprio governador as distribuiria, fantasiado de Papai Noel, sobrevoando Brasília de trenó.
O repertório de Arruda como canastrão se esgotou. O único governador do Democratas no país acabou politicamente. Os próprios Demos na prática já o rifaram ontem, em nota lacônica, diante das evidências devastadoras reunidas até agora pela PF. As revelações parecem suficientes para se deduzir que o governo do DF funcionava como fachada e QG de uma quadrilha que tinha (tem) o governador à testa.
Achaques a empresas, distribuição regular de propinas a parlamentares e aliados, divisão de dinheiro sujo entre membros do primeiro escalão da administração, milhões de reais envolvidos nos esquemas de rapinagem.
As investigações dão conta de que o esquema operava desde a gestão anterior, com o aval do governador Joaquim Roriz, o que precisa ser melhor apurado. Mas as relações entre os dois são antigas. Arruda foi secretário de Obras e chefe do Gabinete Civil de Roriz no início dos anos 90. Na era FHC, já no PSDB, ganhou uma importância que não tinha. Era líder do governo no Senado quando, em 2001, foi flagrado violando o painel de votação e renunciou para não ser cassado.
Arruda transformou seu recuo tático numa pantomima de arrependimento e autoflagelo. Sua volta à política -da qual nunca saiu- está marcada por esse ritual farsesco de conversão e vitória moral sobre si mesmo. Trata-se de um político pedestre, tipo espertalhão e vulgar, que soube inventar para si um enredo eficaz de sobrevivência.
"Reconhece a queda e não desanima, levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima". O grande samba de Paulo Vanzolini já não serve a Arruda. Se sacudir muito, ainda cai algum do seu bolso.
Pedro A. Ribeiro de Oliveira:: Democracia participativa
DEU NA TRIBUNA DE MINAS(JF)
Ao terminar seu governo, Itamar Franco tinha conquistado a admiração do povo. Sua Administração fez mais do que recuperar o velho fusca e inventar a “carta social”: ele construiu uma relação respeitosa entre o Poder Executivo e a sociedade civil, tendo colocado em prática o preceito constitucional de participação cidadã. Essa experiência pioneira de democracia participativa certamente desagradou aos “donos do poder”, que tomam as decisões nos bastidores e depois as fazem referendar por um Congresso submisso.
Tendo assumido a Presidência da República no final de 1992, em consequência do êxito do Movimento pela Ética na Política, Itamar Franco governou o Brasil até o final de 1994. Este foi o tempo que teve para tornar política de Estado a luta contra a fome e a miséria. Isso foi feito em sintonia com os setores organizados da sociedade - e não em lugar deles. Esta não foi tarefa fácil, porque a tradição populista de Vargas, a tática de cooptação do regime militar e o clientelismo revigorado pelo governo Sarney tornaram aqueles setores desconfiados de qualquer iniciativa governamental. “Era outra história” mostra como foi superada essa desconfiança: o Governo Itamar levou o combate à fome e à miséria do campo assistencial para o campo dos direitos de cidadania. Assim emerge a primeira experiência brasileira de democracia participativa em âmbito nacional.
Impotente diante do poder econômico que o havia escolhido vice-presidente numa chapa neoliberal, Itamar abdicou da política macroeconômica e concentrou sua (pouca) força política na implementação dos direitos constitucionais de cidadania, buscando na sociedade meios de pressão sobre o Congresso. Ao convidar integrantes da Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida para partilharem as decisões na política social, Itamar criou uma tensão criativa entre Movimentos Sociais e Estado.
Denise Paiva - na época assessora de assuntos sociais da Presidência da República - colheu depoimentos que mostram os percalços e êxitos desse processo, coisa que não se pode esquecer. Para mim, a melhor lição do livro foi mostrar que é politicamente mais eficaz o apoio de Betinho do que de ACM ou Sarney - como fizeram seus sucessores...
Publicado em 29/11/2009
Ítalo Rodrigo Cordeiro:: Guevara: uma chama que ainda arde?
Olivier Besancenot e Michael Löwy. Che Guevara: uma chama que continua ardendo. São Paulo: Ed. Unesp, 2009.
Há 50 anos uma revolução nacionalista e anti-imperialista triunfou em Cuba, inaugurando uma nova fase na história da esquerda latino-americana. Mesmo influenciando uma grande parcela da esquerda regional durante muitos anos, o guevarismo, alicerce teórico da revolução cubana, esgotou-se diante da inviabilidade de outra revolução na região baseada no modelo cubano. Com efeito, a palavra “revolução” desaparecia gradualmente da cultura política da esquerda latino-americana para dar lugar à perspectiva da democracia, num processo de autocrítica e renovação de importância decisiva para a sua viragem estratégica das últimas décadas.
Numa América Latina onde as esquerdas renovadas alcançaram o poder nos últimos anos por meios reconhecidamente democráticos, respeitando o processo eleitoral e as instituições, a esquerda inspirada no Che, incapaz de elaborar novos referenciais para interpelar os desafios do século XXI, mira o presente com os olhos presos no passado e volta à carga com a perspectiva de chegar mais fortalecida num possível retorno, em momento oportuno.
Parece não ser outro o sentido da edição deste Che Guevara de Michael Löwy e Olivier Besancenot, publicado no ano de 2009 pela editora da Unesp. Sem outra preocupação, o livro surge como um chamado para aqueles que ainda acreditam que a revolução constitui uma palavra de ordem rigorosamente adequada ao cenário político atual, não apenas na América Latina.
A figura de Che Guevara, modelo do guerrilheiro revolucionário latino-americano e terceiro-mundista por excelência, exerce ainda hoje uma grande atração entre os jovens da região.
No passado, muitos se imaginaram no lugar do próprio Che, assumindo o papel do aventureiro romântico que parte em uma jornada de formação que o levaria até Cuba. Como se sabe, após conhecer Fidel Castro e engajar-se em sua revolução, Che Guevara tornou-se um dos principais mitos não apenas da Cuba revolucionária como da própria esquerda revolucionarista.
É precisamente isso que se repõe com essa publicação, na qual fica clara uma leitura anacrônica fundamentada num marxismo ortodoxo, que, ao se apropriar da imagem do guerrilheiro argentino, e exaltá-la, não tem outra intenção a não ser desqualificar os avanços dos sistemas políticos que arduamente estão sendo construídos no continente, para atualizar o guevarismo no inicio desse novo século. O Che reaparece aqui como um ícone que emerge para sustentar uma “justa” crítica à economia de mercado, sempre vista como “feroz e brutal”, independentemente de quaisquer outras considerações. Como a exposição desses argumentos aparece de maneira bastante viciada (para dizer o mínimo), tudo soa como uma vazia propaganda ideológica, fora do seu tempo e, consequentemente, fora da realidade.
Esbravejando palavras de ordem, afirmando constantemente a origem marxista de Che Guevara e a coerência entre suas palavras e seus atos, entre o pensamento e a ação, Michael Löwy e Olivier Besancenot buscam resgatar na imagem de Che Guevara o espírito de uma cultura revolucionária adormecida há 20 anos em razão da queda do muro de Berlim, do fim da União Soviética e do definhamento/isolamento político dos cubanos.
Nessa análise do cenário político mundial, Michael Löwy e Olivier Besancenot colocam de um lado o capitalismo e o imperialismo, eternos inimigos da “revolução”, e, do outro, os explorados e oprimidos, guiados pela classe operária. Che Guevara surge como a chama, a fonte de inspiração para uma nova geração que (pasmem!) deve buscar no fuzil a expressão material “da desconfiança dos oprimidos para com o Estado e as classes dominantes” (p. 99). Não se sabe ainda de onde Löwy e Besancenot extraíram a ideia de que a via política de Che rompe com o pacifismo da esquerda latino-americana, sem necessariamente flertar com o aventureirismo e o militarismo (p. 56), símbolos incontestes do guevarismo.
De qualquer modo, segundo os autores, para atenuar os arroubos violentos intrínsecos ao seu pensamento político, Che Guevara proporia o controle da violência para lidar com as ambiguidades humanas, reflexo de todos aqueles que lutam contra as “correntes que os prendem”, que enfrentam hoje não mais a ditadura militar, mas a ditadura do dinheiro.
Questionando-se sobre a ausência de uma teoria sobre a democracia no pensamento de Che, Löwy e Besancenot enfatizam que a “atitude” do guerrilheiro argentino por si só comprovaria que o Che era favorável ao debate livre e ao respeito à pluralidade de opiniões. Os autores nos lembram a todo momento que Che Guevara era um pensador livre das amarras do stalinismo, vinculando-o ao primeiro período do marxismo latino-americano, marcado pelos “grandes ancestrais” do início do século XX, como os marxistas Julio Antonio Mella e José Carlos Mariátegui. Desse modo, o guerrilheiro argentino preservaria uma pureza ideológica que o habilitaria como o símbolo revolucionário do novo século.
Nessa perspectiva, governantes latino-americanos como Evo Morales, na Bolívia, e Hugo Chávez, na Venezuela, surgiriam como representantes legítimos da herança guevarista no século XXI. O “carismático” líder venezuelano, segundo Löwy e Besancenot, seria o herdeiro natural das correntes de esquerda em seu país, influenciadas pelo guevarismo na década de 1960. Retomando os movimentos bolivariano e socialista na Venezuela, Hugo Chávez, segundo os autores, encarnaria o desejo de mudança reivindicado pelas novas gerações de militantes guevaristas, tornando-se um contraponto aos governos de centro-esquerda existentes na América Latina, “convertidos à social-democracia” (p. 102).
Na mesma linha, o importante para Löwy e Besancenot é demonstrar que as manifestações sociais do século XXI — como os fóruns sociais e os protestos contra as instituições financeiras internacionais e a guerra imperialista no Oriente Médio, por exemplo —, somadas a lideranças políticas supostamente de esquerda, atualizam o combate comum contra a dominação imperialista a partir do momento em que criticam a “globalização capitalista” e buscam um novo paradigma de civilização, pautado no socialismo humanista de Che Guevara.
Em suma, Michael Löwy e Olivier Besancenot se apropriam da imagem de Che Guevara para justificar um ideal comunista romântico presente apenas em suas cabeças e dissociado da realidade atual. Nessa leitura vale tudo, inclusive afirmar que Che reconhecia a importância da classe operária como vanguarda do movimento revolucionário, como instrumento primordial para derrotar o capitalismo, quando se sabe, por meio do próprio Che Guevara, que ao campesinato estava reservado o lugar da verdadeira classe que guiaria o processo revolucionário e concretizaria, no espírito do guerrilheiro camponês, a verdadeira revolução.
Como nesse livro tudo é possível, os autores chegam a afirmar que a ideia segundo a qual a Cordilheira dos Andes poderia se tornar a Sierra Maestra da América Latina nada teria de absurda. Logo, Che Guevara encarnaria a esperança dessas novas gerações de mudar o mundo por todos os meios necessários, entre eles a luta armada. A mensagem transmitida pelos autores busca alcançar uma parcela da esquerda que se põe, de maneira obscurantista, contra o fortalecimento das instituições e a necessária linha de composições políticas que permitam aos governos regionais consolidar a democracia em seus países, apoiados por uma ampla maioria.
Em suma, mobilizando um personagem já ultrapassado como orientação para a ação, o livro de Michael Löwy e Olivier Besancenot visa contribuir tão somente com a desqualificação das várias esquerdas que na América Latina mantêm como eixo central de suas preocupações a manutenção do pluripartidarismo do regime democrático e a incorporação social ampliada. Ao invés de buscar respostas para os novos desafios enfrentados pelos países latino-americanos, o livro preocupa-se apenas em atualizar os velhos mantras da esquerda revolucionarista há muito tempo em desuso, mas nunca devidamente sepultados.
Ítalo Rodrigo Xavier Cordeiro é mestrando de História na Unesp/Franca.
Fábio Wanderley Reis:: Sociologia da polícia democrática?
A Secretaria de Defesa Social de Minas Gerais promoveu na semana passada o I Seminário Internacional sobre Qualidade da Atuação do Sistema de Defesa Social. O foco foi a preocupação, num mundo em que o desafio de preservar a segurança apresenta complicados aspectos novos, com como garanti-la de maneira a um tempo efetiva e democrática. Com a presença de especialistas acadêmicos brasileiros e estrangeiros de diversos países e de experientes e destacadas figuras ligadas à aparelhagem civil e militar de segurança de diferentes Estados do país, as apresentações se estenderam de temas como o papel e as funções da polícia numa sociedade democrática, ou o novo e difundido sentimento de insegurança de raízes domésticas e internacionais e suas consequências para o estado de direito, até o exame de recomendações como a de uma polícia de raízes "comunitárias" e da questão de como regular o uso da força.
Uma perspectiva brasileira a respeito do tema geral, que eu mesmo elaborei brevemente como participante da mesa de encerramento, sugere a relevância de uma sociologia política algo mais ampla do Brasil como referência comparativa de interesse para eventual "sociologia da polícia democrática". Ela se esboça com alguns dados de pesquisas executadas anos atrás no país. Quando se consideram as disposições da população quanto à ideia de democracia tomada com ênfase em sua dimensão político-eleitoral, os dados mostram que, não obstante a correlação positiva geral entre o apoio à democracia e o nível de escolaridade ou de sofisticação intelectual das pessoas, as opiniões favoráveis à democracia são mais frequentes dos que as que se opõem a ela nos diversos níveis de escolaridade e sofisticação. O apoio à democracia, como mostram pesquisas do Latinobarômetro, é em geral mais baixo no Brasil do que em vários países hispanoamericanos; mas isso não impede que o caráter convencional adquirido pela ideia da democracia política e eleitoral leve a que ela se difunda também entre nós.
Se tomamos, porém, a dimensão "liberal" que se supõe associada à ideia de democracia, e na qual se trata dos direitos civis mais diretamente relevantes para questões de segurança e da atuação policial, as coisas são diferentes - e é especialmente revelador que a pesquisa remetia explicitamente, aqui, a temas dramáticos como o linchamento de bandidos, a ação dos "esquadrões da morte" e o recurso à tortura pela polícia. Neste aspecto, não só encontramos, entre as pessoas educadas e sofisticadas, apoio significativamente menor às posições democráticas (em favor da garantia igualitária dos direitos civis para todos) do que o que se tem para a democracia eleitoral; encontramos também, nos estratos populacionais menos educados e sofisticados, maiores proporções de gente pronta a manifestar reservas à garantia dos direitos civis - ou seja, os integrantes desses estratos se mostram amplamente dispostos, com algumas qualificações, a apoiar a tortura, os esquadrões da morte, os linchamentos...
Como se encontram sobretudo nos estratos populares as vítimas da violência criminosa, cabe ligar essa disposição, em parte, à ideia de que garantir os direitos civis resultaria em "proteger bandidos". Mas essa interpretação se ajusta mal ao fato de que estão aí também as vítimas da violência que vem da própria polícia, como resultado quer da corrupção de setores dela pela proximidade e eventual articulação com o mundo do crime violento, quer do mero uso inepto e abusivo da força. De todo modo, ao menos parte da explicação para o padrão geral revelado provavelmente se deve a que, ao contrário do que ocorre com a democracia eleitoral, em nossa sociedade de forte tradição elitista a ideia de direitos civis a serem assegurados igualmente para todos está longe de ser uma ideia convencional e de enraizamento profundo na sociedade. E os mecanismos perversos em jogo permitiriam supor que o fato mesmo de haver reservas importantes aos direitos civis nas camadas mais favorecidas e educadas é talvez parte da explicação para sua penetração nos estratos populares: um certo efeito de "casta" operaria aqui, favorecendo a que as ideias "convencionais" numa sociedade desigual e elitista tendam a ser as ideias elitistas.
Isso não pode senão complicar a consideração da questão de "que fazer". A dinâmica econômica e demográfica aumenta em plano mundial a violência urbana, e a insegurança intensificada no pós-11 de setembro torna mais difícil manter o uso da força em limites compatíveis com a garantia dos direitos civis mesmo nos países de tradição liberal. Alguns desses fatores se conjugam, em nosso caso, com condições estruturais e de psicologia social próprias que representam pesado lastro negativo a ser tido em conta. Não é aceitável, naturalmente, a máxima de que nenhum esforço tópico tenha legitimidade ou valha a pena enquanto não se fizer a transformação radical da sociedade como tal - transformação que, por outro lado, inegavelmente se acha em andamento em processos profundos em grande parte independentes da vontade de quem quer que seja. É indispensável o esforço de engenharia organizacional e institucional-legal orientado pela meta de uma polícia regulada e contida, mas capaz de agir com eficácia como força repressora - e uma ponderação importante é a da necessária atenção para a reforma da Justiça, que a torne mais presente e estreite os limites em que "chamar a polícia" nos exporá fatalmente aos inconvenientes e riscos do uso da força. Mas é bom estar prevenido: o peso de nosso legado, combinado às inevitáveis turbulências da dinâmica em que ele eventualmente venha a superar-se, parece reservar-nos um amplo futuro de violência e insegurança.
Fábio Wanderley Reis é cientista político e professor emérito da UniversidadeFederal de Minas Gerais. Escreve às segundas-feiras
Carlos Lessa:: Venceríamos todos...
É insólito o ministro falar da necessidade de uma desvalorização cambial de 34%
Dia 18 deste mês, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, proclamou que, "se o dólar no Brasil estivesse a R$ 2,60, venceríamos todos". Prosseguiu afirmando que, assim, "a indústria nacional poderia enfrentar a concorrência dos chineses e coreanos" e enfatizou: "a indústria brasileira tem muita competência e capacidade, mas nós temos uma desvantagem cambial".
Concordo inteiramente com o ministro, pois após a crise, o yuan chinês se valorizou apenas 3% em relação ao dólar, enquanto o real brasileiro se valorizou quase 30% (um primeiro lugar altamente negativo). Porém, fiquei perplexo: é insólito para o mercado de capitais e financeiro atrelado ao câmbio flutuante um ministro da Fazenda falar da necessidade de uma desvalorização cambial de 34%, mas praticamente nada aconteceu. Essa é outra surpresa.
De duas, uma: ou "o mercado" não escuta a Fazenda ou teria acontecido outra notícia neutralizando a declaração. Creio que a última hipótese ocorreu, pois no mesmo dia, Mário Torós abandonou a diretoria do Banco Central e o dr. Meirelles disse que, a pedido de Lula, ficará no cargo até o fim de 2010. Se alguém tinha qualquer dúvida sobre quem comanda "o mercado", percebeu que vivemos sob o Império do CMN e do Presidente Meirelles: no mesmo dia, correu a notícia de que os membros do CMN escolheram o substituto do demissionário Torós. Nada de novo no Quartel de Abrantes?
Obviamente, por trás da declaração de Mantega está sua inequívoca preocupação com a atrofia das exportações de produtos manufaturados e a explosão de gastos pouco prioritários, como no turismo. Deve prevalecer a preocupação com a brutal perda financeira que o Brasil tem ao comprar dólares que afluem em busca dos juros a 8,75% a.a. e são aplicados, pelo BC, em Títulos do Tesouro americano, que rendem cerca de 1% a.a. O ministro da Fazenda sabe que, nessa absurda operação, o Brasil perde mais que os gastos federais em Saúde e Educação. Sabe, também, que num mundo em crise o Brasil é o paraíso dos aplicadores de capitais de curto prazo, atraídos pelos juros reais que o BC paga, pela ausência de tributação, pela cláusula cambial e pela facilidade de retorno. Essa cadeia de felicidade para os especuladores se realimenta, pois o afluxo de dólares valoriza o real e aumenta os ganhos especulativos dos pioneiros da cadeia. O coro que apresenta o Brasil como "uma ilha de felicidade no oceano da crise mundial" reforça a atratividade da aplicação suicida dos dólares afluentes. Quero crer que o ministro Mantega não aprova essa política do Presidente Meirelles, mas tem que agüentar a versão tupiniquim da Doença Holandesa e perceber a atrofia da renda da agropecuária e o desestímulo à atividade industrial.
Imaginei que, nas catacumbas da política econômica, alguma alquimia estivesse sendo desenhada. Alguns sinais já haviam sido emitidos: a aplicação do IOF de 2% aos capitais estrangeiros afluentes (um modesto ensaio de freio), o boato de que os brasileiros poderiam manter contas em dólar em bancos no Brasil (remuneradas a 8,75%? ), e o rumor cada vez mais insistente de que o BC estaria avaliando a possibilidade de os bancos que operam no Brasil poderem fazer operações de derivativos a partir daqui. Desatar as regras de estruturação e derivativos a partir do Brasil "seria uma simplificação burocrática" e soaria como avant première de que o Brasil estaria dissolvendo qualquer "amarra cambial", estaria dissolvida qualquer "pérfida reminiscência de uma passada situação de escassez de moeda estrangeira". Estaria em estudo a autorização para que fundos multimercados possam aplicar recursos no exterior - afinal de contas, as exportadoras já mantêm mais de US$ 10 bilhões no exterior! Houve a elevação da nota do Moody´s e estaríamos vivendo a "era da fartura de dólares".
A idéia da superação da crise e de que a nau brasileira navegará com as velas enfunadas em um oceano esplêndido é a mais espetacular invenção tupiniquim. Sem esgotar sinais, apenas citando alguns veiculados pela mídia no último mês, vejamos a qualidade da meteorologia futurística do BC e da onda esfuziante de autocongratulações pré-sucessórias do Governo: todos os analistas americanos falam da ameaça de uma bolha de cartões de crédito, deploram o "empobrecimento" das famílias americanas, sinalizam debilidades estruturais nas entidades financeiras (nas últimas semanas, a CIT, maior financiadora de varejo, vacilou), o FCC esgotou sua possibilidade de apoiar agentes financeiros norte-americanos vacilantes etc.
A Europa ainda em recessão, do Japão não vêm boas notícias. A China é exceção, porém é uma economia fechada à especulação internacional, mantém o yuan sintonizado com o dólar e está realizando um gigantesco investimento público em infraestrutura (o contrário do Brasil). No G-2, a atrofia norte-americana abre caminho para uma neo geopolítica chinesa, vitoriosa na Ásia, fortemente instalada na África subsaariana e em rápida penetração no Cone Sul do continente americano.
Agora Dubai pré-anuncia um calote; o Dubai World pediu uma moratória de seis meses. Dubai deve US$ 80 bilhões e anunciou o fechamento de seu mercado financeiro. Nesse país, um mar de areia sobre um leito de petróleo, estourou uma bolha imobiliária e seus hotéis imaginosos estão vazios. Espero que não prospere, com alicerce no Pré-Sal, um trem-bala-bolha equivalente à torre hoteleira instalada em águas salgadas com mais de 20 andares formatados com inspiração de velas.
O mar tempestuoso da crise mundial poderá fazer da "nau brasileira" a repetição da sinistra caricatura que o governo FHC fez da lancha travestida de caravela, que enguiçou antes de chegar a Coroa Vermelha para replicar as naus cabralinas. O Brasil do Presidente Meirelles e do Ministro Mantega parece estar sendo preparado para mergulhar, sem bóia, num mar tempestuoso.
Em tempo: Os depósitos de exportadores brasileiros no exterior não evidenciam retenção de dólares; pelas alquimias do sistema financeiro e pelas facilidades dos anonimatos dos paraísos fiscais, é sabido que uma parcela substancial dos "capitais estrangeiros" de curto prazo pertencem, de fato, a brasileiros que se sentem mais confortáveis tendo fantasia de estrangeiro. Desconheço o tamanho da diáspora de dólares de brasileiros que retornam travestidos em busca dos juros do Presidente Meirelles. Na Argentina, o governo estima que estão no exterior US$ 90 bilhões de dólares de argentinos. Com a abertura cambial total, sem salvaguardas e com uma pseudo-ingenuidade, nada mais fácil que operar transmutações financeiras alquímicas e desfrutar ganhos de arbitragem. Sai de vez o povo brasileiro e, parafreaseando João Ubaldo, "Viva o BC brasileiro" e sua constelação de clientes!
Carlos Lessa é professor emérito de economia brasileira da UFRJ.
Luiz Carlos Bresser-Pereira:: Aquecimento global e equidade
Os governos usam critérios distintos de metas de emissão quando as estabelecem e não há garantia de que as cumpram
À MEDIDA que se aproxima a conferência sobre o aquecimento global de Copenhague, aumenta a preocupação sobre a possibilidade de seu fracasso. Nesse clima, Thomas Stocker, presidente do Grupo de Especialistas sobre o Aquecimento Global, manifestou-se em recente entrevista ao "Monde" (24.11.2009) sua indignação contra os "negacionistas" financiados por empresas de petróleo e de mineração que buscam pôr em dúvida as evidências científicas sobre o fenômeno.
Estas, entretanto, não deixam margem para dúvida: no último século, as temperaturas médias aumentaram mais de 0,7C, os oceanos aumentaram de nível em 17 cm, 10% das coberturas glaciais foram perdidas, e o teor de sal das águas dos oceanos aumentou. Não creio no fracasso da conferência como um todo, embora não seja possível esperar que os países ricos venham a se comprometer a reduzir as emissões de gases no nível necessário.
A meta relativamente consensual entre os especialistas é a de uma redução global das emissões de 80% em 2050 em relação ao nível de 1990. A União Europeia, que está mais avançada nessa questão, pretende cumprir essa meta, aumentar em 30% a eficiência energética e aumentar para 60% a percentagem de energias renováveis.
Os Estados Unidos, afinal, comprometeram-se em baixar em 17% as emissões em 2020 com base em 2005, enquanto a China fala em 40% a 45% de redução de emissões também em 2020, mas por unidade de PIB (Produto Interno Bruto): ao invés de aumentar em três vezes sua emissão, aumentará em duas vezes.
Entre os países em desenvolvimento, o Brasil se mostrou disposto a estabelecer uma meta de redução de 80% do desmatamento na Amazônia e, mais amplamente, de reduzir de 36,1% a 38,9% suas emissões de gás carbônico até 2020 -uma meta ambiciosa, mas que não impedirá o desenvolvimento do país.
A conferência não deve fracassar porque os negacionistas e aqueles que supõem que o problema possa ser simplesmente resolvido por novas tecnologias menos poluidoras ou mais econômicas de energia não representam o pensamento dominante.
Existe no mundo uma verdadeira preocupação com o problema. Mas os governos não estão ainda em condições de estabelecer metas definitivas. Usam critérios distintos quando as estabelecem e não há garantias de que as cumpram. Por outro lado, a questão da equidade no estabelecimento de metas para os países ricos e os países em desenvolvimento continua confusa.
Nesse ponto, a proposta que me pareceu mais interessante é a de estabelecer o máximo de emissões per capita que o mundo possa suportar e definir esse valor como a meta para cada país. Ao contrário do que foi feito em Kyoto, não se procuraria apurar responsabilidades pelas emissões passadas, mas se estabeleceria uma espécie de "direito de emissão" igual para todos.
Uma meta que implicaria custos mais elevados para os países ricos, mas não deixaria de manter os demais países responsáveis pelo problema que é de todos. Para estabelecer essa meta, será necessário considerar as projeções demográficas que supõem a estabilização da população mundial em torno de 2050. Não sei qual deverá ser essa meta per capita, mas, além de haver nela um princípio básico de equidade (não há nada que justifique que ricos emitam mais gases que os pobres), ela seria clara e simples tanto para ser definida e ajustada quanto para ser monitorada.
Luiz Carlos Bresser-Pereira, 75, professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda (governo Sarney), da Administração e Reforma do Estado (primeiro governo FHC) e da Ciência e Tecnologia (segundo governo FHC), é autor de "Globalização e Competição".
Fantasma da crise ameaça país
Risco de nova depressão mundial preocupa governo e põe em xeque crescimento previsto para 2010
Patrícia Duarte e Lino Rodrigues
Aluz amarela já acendeu para a equipe econômica sobre 2010, ano que pode não ser um mar de rosas, como o governo vem defendendo. A economia brasileira, aquecida, já atinge níveis pré-crise em vários setores - conforme mostrou reportagem do GLOBO publicada na edição de ontem - e tem tudo pra crescer 5% ou mais no ano vem, porém existe um fantasma que pode se concretizar e jogar água na fervura: uma nova depressão nos Estados Unidos. É aquilo que os economistas chamam de "recuperação em W". Ou seja, a economia, depois de uma crise, começa a crescer novamente mas sofre um novo recuo para, só depois, expandir-se com mais força.
Os sinais de que isso pode ocorrer com os americanos já começaram a ser dados pelo próprio presidente Barack Obama, que citou recentemente o risco de ocorrer o "W". Ele é alimentado, por exemplo, pelas dúvidas sobre a solidez do sistema financeiro e sobre como a economia dos EUA reagirá quando os incentivos oficiais à recuperação - à compra de veículos e imóveis, por exemplo - forem retirados.
Além dos EUA, a Europa também começa a dar sinais de que pode passar um novo movimento de depressão em 2010. O presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Márcio Pochmann, participou na semana passada de seminários na Noruega e na Itália e diz que um dos temas recorrentes era a "recuperação em W". O tropeço pode vir, argumenta ele, porque os investimentos produtivos ainda não estão totalmente fortalecidos, e os governos, por causa da turbulência no fim de 2008, já não têm fôlego para injetar muitos recursos.
- Países como China, Índia e Brasil vão sentir esse movimento, mas menos, porque os mercados internos estão muito mais fortes - acredita.
Mercado interno como amortecedor
O vice-presidente de desenvolvimento econômico e de gestão do Banco Mundial, Otaviano Canuto, também alertou para um novo mergulho na recessão se as economias avançadas não superarem alguns obstáculos deixados pela crise global, como a herança fiscal, o endividamento financeiro das famílias americanas e o encolhimento do crédito.
- Se a economia desaba, inclusive na China, os preços de commodities também desabam, e isso afeta o Brasil. Não há como imaginar que alguém escape - disse.
Como destacou um importante integrante da equipe econômica, estas ameaças não podem ser ignoradas. É preciso ficar de olhos abertos, já que o Brasil estará crescendo com força e, eventualmente, terá de encarar um mercado mundial muito menos comprador e líquido de recursos para crédito. O setor produtivo também já está atento, mas otimista.
A fonte enumera, entretanto, as armas que o país já tem pra enfrentar um novo soluço: reservas elevadas - cerca de US$230 bilhões, que poderão chegar a US$270 bilhões se o Banco Central (BC) continuar comprando dólares no ritmo atual; avaliações de risco baixas, sobretudo pelos graus de investimento já concedidos; e contas fiscais sob controle.
Além disso, acrescentou, há todo o arsenal preparado com o primeiro round da crise, no ano passado. Ou seja, toda a legislação e resoluções que inundaram o país com crédito do fim de 2008 até o início de 2009, como reduções de compulsórios e leilões de dólares com compromisso de recompra. A fonte ressaltou ainda que, mesmo com as reduções do compulsórios bancários, ainda há um estoque elevado - acima de R$100 bilhões em espécie - e que, em 2010, pode chegar a R$180 bilhões.
- Não foi nada fácil montar todas aquelas medidas. Passávamos a madrugada avaliando a legislação. Agora, tudo já está pronto - contou a fonte.
Durante a semana passada, o presidente do BC, Henrique Meirelles, tocou no assunto. Mas ele defendeu que, se houver nova retração nos Estados Unidos, o Brasil sentirá menos os reflexos.
O setor produtivo também não aposta que haverá uma nova turbulência originada pelos americanos, mas, se isso ocorrer, o mercado interno brasileiro servirá de amortecedor. Para o presidente da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan), Eduardo Eugênio, até mesmo os investidores estrangeiros enxergam o enorme mercado do Brasil.
Exportador teme protecionismo
Além disso, ressaltou ele, o mercado chinês também pode ser uma das saídas, já que o crescimento naquela região continuará forte, podendo absorver produtos brasileiros. Eugênio diz ainda que, atualmente, o mercado de crédito está bastante forte e dificilmente o setor produtivo vai sofrer com a falta de liquidez.
- Se houver esse recuo (nos EUA), o "W" será bem manco. Com uma perninha de depressão - aposta.
Os exportadores estão menos otimistas, embora confiantes. Para o vice-presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro, o governo americano, para estimular sua atividade econômica, pode adotar ações que atingirão em cheio o comércio mundial. Entre elas, medidas protecionistas ou subsídios para estimular as exportações dos produtos locais.
- Cerca de 70% das nossas exportações são commodities e, caso o preço caia, teremos problemas na balança comercial. Para o Brasil crescer 5% em 2010, como prevê o governo, as exportações terão que avançar pelo menos 15%. Não temos controle sobre o preço nem sobre o volume que exportamos - disse.
O senador Aloizio Mercadante (PT-SP), um dos conselheiros econômicos do presidente Lula, também enxerga que a solução do Brasil é focar no seu mercado interno.
- O ritmo de crescimento da economia americana é importante para o resto do mundo, porque o rabo não abana o cachorro. É difícil que o mundo consiga se recuperar sem os Estados Unidos. Havia um consumismo sustentado por padrões que já não existem. O ajuste americano vai ser doloroso e delicado.
Colaborou Vivian Oswald
Eleição em Honduras tem poucos incidentes
Hondurenhos aguardam resultado sobre grau de comparecimento às urnas, que legitimará ou não a votação
Flávio Freire
TEGUCIGALPA. Apesar do clima militarizado nas ruas das principais cidades de Honduras, a eleição presidencial registrou menos incidentes do que era esperado por conta da crise política que divide o país há cinco meses. As Forças Armadas teriam registrado conflito apenas na cidade de San Pedro Sula, onde soldados do Exército lançaram bombas de gás lacrimogêneo sobre manifestantes contrários ao pleito. O resultado mais esperado não é o vencedor da eleção, e sim o grau de comparecimento às urnas, que legitimará ou não a votação realizada pelo governo interino e contestada por parte da comunidade internacional.
Grupos de resistência e de direitos humanos denunciaram ontem a ação da polícia contra manifestantes nas 24 horas que antecederam a eleição. Um rapaz teria sido morto por soldados e outros 30, presos. Um toque de recolher teria sido comandado ontem por grupos de oposição ao governo. Sob pretexto de evitar embates com militares, o grupo pretendia, principalmente, desidratar o processo eleitoral.
Zelaya pode pedir asilo em outro país da América Latina
Durante todo o dia, a grande preocupação dos hondurenhos era obter informações a respeito dos índices de comparecimento às urnas. A participação de uma maioria de eleitores na votação ou uma forte abstenção definiria o vitorioso da queda de braço entre o presidente deposto Manuel Zelaya - que boicotou o pleito desde sua expulsão do país até a obtenção de asilo na embaixada brasileira, onde permanece há mais de dois meses - e o presidente interino Roberto Micheletti, que reuniu em torno de seu governo aliados ao golpe de Estado.
Zelaya passou o dia recebendo telefonemas de seguidores que informavam sobre o número de eleitores que teriam ido às urnas em diferentes cidades. Ao GLOBO, o presidente deposto disse que não tem mais interesse em ser restituído até 27 de janeiro, quando assume o novo mandatário.
- Essa é uma decisão que deveria ter sido tomada antes da eleição - disse ele.
Especula-se que o presidente deposto já estaria analisando a possibilidade de pedir asilo em algum outro país da América Latina. Ele nega. Ainda assim, o clima não é de euforia entre seus apoiadores.
- Eu diria que o clima na embaixada é de um otimismo contido - informou o ministro-chefe da embaixada, Francisco Catunda, dando sinais de que o grupo zelayista se preocupava ainda ontem com a demanda eleitoral.
Às 15h, faltando duas horas para o fim da votação, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) prorrogou o prazo por mais uma hora por conta da "intensa" quantidade de eleitores nas ruas. Entre os zelayistas, a medida foi considerada uma manobra orquestrada pelo governo interino para "empurrar" hondurenhos indecisos às urnas.
- Todas as instituições foram cooptadas por este governo. Isso (a prorrogação) é uma prova de que eles (o governo) estão desesperados para tentar legitimar esta farsa - argumentou o líder da Frente de Resistência Contra o Golpe de Estado, Rafael Alegria.
Em Tegucigalpa, no entanto, a maior parte das escolas e centros universitários onde foi realizada a eleição não teve movimento intenso. O GLOBO percorreu seis postos de votação.
Num deles, onde o portão foi aberto às 7h15m, já não havia mais eleitores pouco depois das 8h. Na maioria das cidades do interior, onde havia apenas um local para se depositar o voto, houve filas toda a manhã.
No fim da tarde, antes do encerramento, a capital hondurenha começou a ser palco de carreatas dos dois candidatos com maiores chances de vitória: Porfírio Pepe Lobo, do Partido Nacional, e Elvin Santos, do Partido Nacional.
Brasil se divide sobre eleições em Honduras
Ministros e assessores começaram a defender que o presidente Lula recue e reconheça as eleições de Honduras. Eles avaliam que o Brasil já fez o possível para defender o retorno ao poder do presidente deposto Manuel Zelaya.
Eleição de Honduras divide o governo Lula
Setores políticos abrem divergência com o diplomático e começam a defender reconhecimento do pleito de ontem
Enquanto chanceler Celso Amorim ironiza a votação, tese de que Brasil já fez o que podia para defender volta de Zelaya ganha força
Kennedy AlencarDa Sucursal De BrasíliaEliane Cantanhêde Colunista Da Folha
Apesar do tom contundente do Itamaraty e da área diplomática do Planalto, setores políticos do próprio governo já começam a defender que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva recue tacitamente e adote o reconhecimento gradual do resultado das eleições de ontem em Honduras.
Conforme a Folha apurou, ministros e assessores avaliam que a eleição é a porta de saída para a crise, criando uma situação de fato e a perspectiva de um novo governo escolhido por voto direto.
Nessa avaliação, o governo Lula já fez tudo o que poderia fazer para defender a volta ao poder do presidente deposto Manuel Zelaya e para ratificar uma posição pela democracia e contra qualquer golpe de Estado na região, num movimento integrado por todos os países das Américas e também pela União Europeia. Agora, é hora de deixar a situação se resolver por gravidade.
Apesar disso, a área diplomática, liderada pelo chanceler Celso Amorim e pelo assessor especial da Presidência, Marco Aurélio Garcia, mantinha ontem mesmo a resistência a reconhecer os resultados do pleito, sob a alegação de que, como Zelaya não foi reconduzido ao cargo, a eleição é ilegítima e sem valor.
Em Genebra, Amorim foi irônico em conversa com jornalistas brasileiros: "Estou mais interessado no resultado do jogo do Real Madrid, porque essa eleição não é legítima".
Quanto à permanência do presidente deposto Manuel Zelaya na Embaixada do Brasil em Tegucigalpa, ele afirmou que o presidente não está lá como "hóspede", como já fora dito antes pela diplomacia brasileira. "Ele está lá abrigado sob nossa proteção. O fato em si foi reconhecido pela ONU e pede a proteção da embaixada e das pessoas sob sua proteção", afirmou, citando parecer do organismo no início da crise. O reconhecimento ou não do resultado da eleição de Honduras jogou o Brasil e os Estados Unidos em lados opostos.
O governo Lula bateu pé contra a legitimação internacional da eleição, já o de Barack Obama concluiu que não havia condições reais para a recondução de Zelaya e que a única forma de tirar o país da crise e do isolamento seria apoiar o eleito, abrindo uma porta para um recomeço institucional.
Do lado do Brasil, estão Venezuela, Bolívia e Equador, por exemplo. Do lado americano, a Colômbia, o Peru e mais recentemente a Costa Rica, que teve papel de destaque nas tentativas de acordo entre o governo deposto de Zelaya e o governo golpista de Roberto Micheletti.
A questão poderá parar na OEA (Organização dos Estados Americanos), caso o Brasil se mantenha irredutível e liderando a corrente contra a eleição. Neste caso, seriam necessários dois terços dos votos para expulsar Honduras do organismo, de onde já está suspenso desde o golpe de Estado. A questão de Honduras é um dos pontos de divergência entre o Brasil e os EUA e foi o centro do telefonema de uma hora de duração entre Amorim e a secretária de Estado americana, Hillary Clinton, na quinta-feira passada.
Colaborou Luciana Coelho, de Genebra
Ex-guerrilheiro no poder
DEU EM O GLOBO
O ex-guerrilheiro tupamaro José Mujica foi eleito ontem presidente do Uruguai, batendo nas urnas o ex-presidente Luis Alberto Lacalle, da direita. Segundo as pesquisas de boca de urna, Mujica teve pouco mais de 50% dos votos. Ele já anunciou que quer maior aproximação com o Mercosul.
Ex-guerrilheiro no poder
Boca de urna aponta o tupamaro José "Pepe" Mujica como presidente eleito do Uruguai
Janaína Figueiredo
Aos 74 anos, o uruguaio José "Pepe" Mujica se tornou ontem o primeiro ex-guerrilheiro da América do Sul a eleger-se presidente de seu país. Segundo pesquisas de boca de urna, o candidato da esquerdista Frente Ampla, no poder desde 2005, venceu o segundo turno da eleição com mais de 50% dos votos. Segundo empresas de consultoria, Mujica teve entre 50,1% e 51,4% dos votos, contra números que variam entre 44,4% e 46,2% do ex-presidente e candidato do Partido Blanco (ou Nacional) Luis Alberto Lacalle (1990-1995), que, à noite, reconheceu a derrota.
Mujica comemorou a vitória num discurso realizado sob um temporal. O presidente eleito reagiu com bom humor à forte chuva.
- Sabe de uma coisa, povo? O mundo está de pernas para o ar. Vocês deveriam estar aqui (no palanque), e nós aí embaixo, aplaudindo - disse ele. - Elegemos um governo que não é dono da verdade e precisa de todos. Custou-me uma vida entender que o poder está nas massas.
O presidente eleito, que nos anos 60 e 70 militou no Movimento de Libertação Nacional Tupamaros, planeja uma política econômica que dê garantias aos investidores, o aprofundamento da integração do Uruguai no Mercosul e no continente, o combate à pobreza (que atinge 20% dos uruguaios) e algumas propostas polêmicas, como a permissão do trabalho de crianças com mais de 10 anos. Ele também defende processos judiciais sobre violações dos direitos humanos cometidas durante a última ditadura (1973-1985), apesar de a maioria dos uruguaios ter votado pela manutenção da Lei de Caducidade (a anistia aos militares uruguaios, aprovada na década de 80) no referendo de 25 de outubro passado.
- Vamos respeitar a decisão do povo, mas temos de esclarecer que mesmo com a lei vigente, existindo vontade política, existirá margem para esclarecer muitas coisas - assegurou ele.
Mujica, o presidente eleito mais velho do país, também poderia promover a descriminalização do aborto, medida defendida pelo MPP, facção liderada por ele na Frente Ampla. No governo do atual presidente, o esquerdista Tabaré Vázquez, a descriminalização foi aprovada pelo Congresso, mas vetada pelo Executivo.
Sistema de saúde não poderia recusar abortos
Segundo Mujica, o assunto deve voltar a ser discutido. Na visão dele e de sua mulher, a senadora eleita Lucia Topolanksy, o sistema de saúde deve atender mulheres que queiram abortar e tentar evitar essa decisão, mas não podem proibi-las, já que isso provocaria a morte de grávidas que recorrem a clínicas ilegais.
A defesa de Mujica de um "trabalho infantil digno" também despertou preocupação em alguns setores. Para ele, a participação de crianças com mais de 10 anos em trabalhos familiares "é mais digna do que ver como nossos menores são obrigados a estar nas ruas mendigando".
Ontem, Mujica prometeu diálogo e até participação da oposição em seu governo. Votou cedo e foi para sua chácara. Encerrada a votação, reuniu-se com colaboradores no hotel NH Columbia, onde recebeu a visita de Vázquez.
Para o atual presidente, o Uruguai deu um exemplo de civilidade e democracia aos países da região, sobretudo a Honduras, que realizou, para Vázquez, uma "eleição ilegítima", cujo resultado não será reconhecido pelos uruguaios.
domingo, 29 de novembro de 2009
Reflexão do dia – Marco Aurélio Nogueira
Merval Pereira:: Contra a corrupção
Não podia ser mais atual, infelizmente, o debate que vai acontecer amanhã, às 10h, no auditório do GLOBO sobre corrupção, do qual serei mediador.
“Corrupção — Nós e Você. Já são dois gritando” é o tema de uma campanha do GLOBO, escolhido pelos leitores, que colocaram a corrupção como sua primeira preocupação. Corrupção no sentido mais amplo, não apenas a da política, que tanto nos aflige e que mais uma vez aparece como tema central do noticiário com as investigações da Polícia Federal no governo do Distrito Federal
Estarão no debate o senador Pedro Simon, figura ímpar no Congresso Nacional que, não fosse por sua atuação cotidiana, mereceria lugar de destaque pela singularidade de ser um político que fez voto de pobreza; Claudio Abramo, diretor da ONG Transparência Brasil; Rosangela Giembinsky, coordenadora da ONG Voto Consciente; e Maria Apparecida Fenizola, vice-presidente do Instituto de Desenvolvimento de Estudos Políticos e Sociais, na qualidade de “cidadã engajada”.
Professora aposentada, aos 78 anos, ela está no centro de uma iniciativa popular que pode fazer a diferença: o projeto que tenta barrar a candidatura de políticos que respondem a processo na Justiça por crimes graves ou contra a administração pública, o chamado “ficha suja”.
Cerca de 1,3 milhão de assinaturas foram recolhidas, e o projeto está em discussão na Câmara, a despeito da tentativa de políticos de impedir sua tramitação.
A questão que se coloca é: como uma pessoa não pode fazer um concurso público se tiver antecedentes de alguma espécie, mesmo sem trânsito em julgado, e pode se candidatar e assumir um mandato eletivo? A lei complementar das inelegibilidades define que apenas os processos com “trânsito em julgado” podem impedir a candidatura ou a posse de alguém, ferindo o espírito da Constituição, no entender de vários juristas.
Várias tentativas já foram feitas para barrar na largada das eleições os candidatos que respondem a processos, mas esbarram sempre na exigência de que todos os recursos tenham sido esgotados para que o candidato seja impedido de concorrer ou mesmo de tomar posse.
Ao mesmo tempo em que o projeto de iniciativa popular tenta barrar os “fichas sujas”, é preciso fazer com que as denúncias de atos corruptos sejam cada vez mais amplificadas.
Há estudos acadêmicos que confirmam a tese de que políticos que cometeram irregularidades têm menos chance de serem eleitos ou reeleitos quando essa informação é divulgada no próprio ano eleitoral.
Mas a corrupção é uma praga que domina nosso dia a dia, e vai minando os valores da sociedade nos mínimos gestos, seja o de avançar um sinal, ou dar uma “gorjeta” para o guarda da esquina fingir que não viu sua infração.
A burocracia que cria dificuldades para conseguir facilidades por meio do suborno do agente público, que não libera a licença para a instalação de um negócio, por exemplo, ou segura a documentação de um processo qualquer, é outra característica da sociedade que criamos.
Aqui no Rio de Janeiro estamos em meio a um debate interessante, peculiar à natureza da cidade: a sujeira das ruas. O cidadão que se irrita com a sujeira da cidade, mas nem sente que ele é um dos culpados por ela, está corrompido em seus valores.
E o cidadão que vota no político corrupto, o faz ou por ignorância ou má-fé, e em ambos os casos estará contribuindo, direta ou indiretamente, para a perpetuação de um sistema político corrupto.
A exploração das necessidades do eleitorado carente está na base da corrupção política, e na outra ponta está a tentativa de tirar vantagens desse sistema corrupto.
O novo caso de corrupção que domina o noticiário político atual é a reprodução, a nível local em Brasília, do escândalo do mensalão denunciado em 2005 no governo Lula.
O governador José Roberto Arruda, do Democratas, está no centro de uma investigação policial que, pelas gravações feitas com autorização da Justiça já divulgadas, revela a repetição da prática de pagamentos mensais a deputados distritais de Brasília e autoridades do Judiciário local.
O Ministério Público e a Polícia Federal conseguiam convencer um de seus secretários, Durval Barbosa, de Assuntos Institucionais, a participar de um programa de delação premiada. Ele filmou e gravou a divisão do dinheiro do suborno, e até mesmo vezes em que o próprio Arruda teria separado sua cota quinzenal.
A ousadia da repetição de um esquema semelhante ao do mensalão petista, que foi amplamente denunciado e ainda se encontra sob julgamento no Supremo Tribunal Federal, mostra uma outra face da corrupção brasileira, que já foi considerada em um relatório do Departamento de Estado dos Estados Unidos como sendo “endêmica”: a impunidade.
Certamente essa é uma das razões, senão “a razão” para que fatos como esse se repitam. No caso atual, há indícios de que se trata da compra de votos com pagamento mensal, e não o nosso conhecido “Caixa Dois” que financia as campanhas eleitorais, um hábito atemporal da política brasileira que não se consegue extirpar.
O fato de o mesmo procedimento ilegal ter sido adotado tanto pelo PT quanto pelo DEM, partidos diametralmente opostos, demonstra que outro problema que está na raiz da corrupção política é nossa organização partidária e a legislação eleitoral, que precisariam ser reformuladas para reduzir o espaço para a prática da corrupção.
Dora Kramer:: A vulgaridade está no ar
Previsível e infalível como é a natureza humana, não demorarão a surgir reclamações sobre o comercial que usa imitações do presidente Luiz Inácio da Silva e da ministra Dilma Rousseff para vender papel higiênico.
Assim que fizer as contas e perceber que a paródia vulgariza mais que populariza a dupla, além de minar a imagem de gerente competente construída para a ministra, o governo haverá de arranjar um jeito de sumir com a propaganda do ar.
Até para tentar evitar que outros sigam o mesmo caminho antes que o veio se revele promissor.
Quem pode o mais - que grandes empresas invistam dinheiro na produção de um filme institucional travestido de obra de entretenimento com o objetivo assumido de passar nos cobres o proverbial ofício da bajulação - pode o menos.
Pela lógica vigente - aquela segundo a qual quando muitos erram o erro configura-se um acerto -, a rigor o governo não teria do que reclamar. O presidente Lula, aliás, é o último a poder se queixar da grosseria do vizinho.
As razões são sobejamente conhecidas. Descontadas as ocasiões de crises e escândalos em que o presidente achou por bem recolher-se ao silêncio, nos últimos anos quase todos os dias Lula tem oferecido ao País demonstrações de sua capacidade de superação no que tange à deselegância nas maneiras. De falar, de agir e até de raciocinar.
Sua carência de apreço à cerimônia em boa medida é responsável por sua popularidade. Fala como aquele "brasileiro igualzinho a você" fabulado por marqueteiros de antigas campanhas eleitorais, que não falou ao coração do eleitorado à época, mas ressurgiu bem-sucedido depois de presidente eleito em campanha em que um outro marqueteiro recomendou moderação.
Respeito é bom e todo mundo gosta. Ocorre que é preciso se dar ao respeito e respeitar a todos para receber tratamento igual em troca. O uso de linguajar chulo, de críticas tão sem freios que mais parecem desaforos, da desqualificação moral de quem dele discorde acaba levando o autor a um patamar bem abaixo de seu posto.
O presidente não se impõe limites sequer de cortesia. Não pode exigir ser tratado com a respeitabilidade que seria devida ao presidente da República. O resultado é a disseminação da indelicadeza.
No ambiente da chefia da nação essa rudeza não se atém aos modos. Alcança também os atos.
Senão, vejamos a justificativa que a Presidência da República deu para a utilização de avião da FAB para transportar de São Paulo para Brasília, 15 convidados do filho do presidente, cujas identidades o governo se recusa a revelar.
Segundo a assessoria de comunicação do Palácio do Planalto o presidente tem o direito de transportar convidados porque essa é uma "prerrogativa tradicionalmente exercida no Brasil: foi assim em governos anteriores, tem sido assim no atual".
E ponto final. Nenhum dever de observância à regra de que ao setor público o que não é expressamente permitido é proibido, nenhum constrangimento de estender a tal prerrogativa a familiares - imitando os parlamentares com a cota de passagens aéreas do Congresso -, nenhuma concessão à óbvia inadequação a critérios razoáveis de conduta.
Nem mesmo uma pequena reverência à memória dos discursos de campanha nos quais Lula prometia, se eleito, "mudar" e lutar contra "tudo isso que está aí".
Ficou, por essa resposta da assessoria, consolidada a regra de que no tocante aos maus costumes antiguidade também é posto.
Na prancha
Na tarde se sexta-feira, quando o escândalo de corrupção envolvendo o governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda, ainda não estava nítido, mas já circulava que ele teria sido gravado ordenando o pagamento de propinas a deputados da Câmara Distrital, no partido de Arruda, o DEM, já vigorava uma certeza.
Confirmadas as gravações, não haveria solidariedade que se sustentasse. "Com gravação não há para onde correr", dizia um correligionário.
Oficialmente, os líderes manifestavam cautela até o esclarecimento dos fatos. Mas, extraoficialmente, comentavam que quem falou com ele não sentiu segurança na suspeita de que a operação da Polícia Federal tenha sido fruto de "armação" do adversário Joaquim Roriz e lembravam que o juiz do Superior Tribunal de Justiça que cuidou do caso, Fernando Gonçalves, é "muito ponderado".
Avaliavam que se não tivesse provas consistentes o juiz não teria autorizado as ações de busca e apreensão de documentos da casa do governador, de aliados e auxiliares dele.
Pausa para meditação
O artigo de César Benjamin, na Folha de S. Paulo de sexta-feira, contando escabrosas particularidades do período em que Lula esteve preso no Dops, segundo ele relatadas pelo então sindicalista, é algo tão chocante que requer melhor digestão.
Jarbas Vasconcelos: Serra está certo ao não admitir candidatura já
ENTREVISTA
Senador dissidente do PMDB admite que oposição está perdida diante da alta popularidade do presidente Lula
Diferentemente da maior parte dos tucanos e seus aliados, o senador Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE) diz que o governador José Serra (SP) está certo ao postergar o anúncio da candidatura a presidente da República pelo PSDB, porque evita cair no que chama de armadilha do Planalto para leválo a bater boca com o presidente Lula — e não com a candidata do PT, ministra Dilma Rousseff. Em jantar com Serra, Jarbas teve a confirmação de que ele não só é candidatíssimo à sucessão como está montando palanques regionais. Em entrevista em seu gabinete, disse que Serra é o mais qualificado para presidir o país, que Lula é responsável por um período de “profunda mediocridade” e que não é simples transferir voto.
Adriana Vasconcelos e Gerson Camarotti
O GLOBO: A oposição parece perdida diante da alta popularidade do presidente Lula...
JARBAS VASCONCELOS: Concordo. Esta constatação não é de agora. Estou completando três anos de mandato e o que encontrei no Senado foi perplexidade, desorganização, ausência total de articulação. Na única vez que partidos de oposição e dissidentes da base governista se uniram, conseguimos derrubar a CPMF.
Como superar esta desarticulação?
JARBAS: O país está passando por um período de profunda mediocridade. O presidente é muito responsável por isso, na proporção que tece loas ao fato de ser quase analfabeto, não ter instrução e ter vindo de baixo. O nível de debate, não só no Congresso como no Brasil e na intelectualidade, é de uma pobreza franciscana. As pessoas alcançam formação pelo berço ou pela escola. Evidentemente, Lula não teve no berço e não teve na escola. O berço independeu dele. A escola foi porque não quis. Formação é importante para qualquer coisa, não só para ser presidente da República. Ele governa de forma autoritária.
É este o problema?
JARBAS: Ele resolve as coisas no Congresso pelo fisiologismo ou jogando o prestígio dele. O grande mérito do Lula foi, ao assumir, há sete anos, não ter feito loucuras, aventuras com o país. Manteve a política econômica de Fernando Henrique Cardoso. Foi importante porque o país tinha medo de Lula, do PT. Lula imprimiu, a partir daí, a frase “nunca antes na história do Brasil” e grande parte da população acha que foi ele quem acabou com a inflação, controlou contas públicas e colocou o Brasil no rol do primeiro mundo. O PT e Lula votaram contra o Plano Real, o Proer e a Lei de Responsabilidade Fiscal.
Ele se apropriou das conquistas do governo passado?
JARBAS: Quando diz nunca antes no Brasil, a sensação para o pobre é que foi ele quem criou o real, acabou com a inflação, estabilizou a moeda. Mas não custaria nada, e não peço nem que faça penitência admitindo que ficou contra tudo isso, admitir que o país estava ajustado.
lApesar dos tropeços do governo, nada parece colar nele...
JARBAS: Só não cola se deixarmos de dizer. Se uma parcela, mesmo minoritária ou insignificante, diz, esta parcela tende a crescer, aumentar. O pior é se omitir. Como na campanha presidencial passada, quando as forças de oposição e o próprio candidato se omitiram de enfrentar e debater o processo de privatização do governo Fernando Henrique.
Na sua opinião, qual a melhor opção para a oposição?
JARBAS: O político brasileiro mais qualificado para presidir o país chama-se José Serra.
Mas ele resiste em assumir a candidatura antes de março.
JARBAS: Concordo com a estratégia de Serra. Sei que tem levado a uma ansiedade muito grande. Mas, oficializando a candidatura, vai bater boca com Lula. Vão querer transferir para Serra uma coisa que a oposição não está fazendo: combater Lula. Serra não tem que bater boca com Lula. Tem que bater boca com Dilma , que não está preparada e esconde por trás da arrogância sua falta de conhecimento e de experiência política.
A queda de Serra nas últimas pesquisas não preocupa?
JARBAS: Uma pesquisa não pode incomodar uma pessoa que é a mais qualificada para governar o país. Por que Serra tinha patamares altos? Não havia outros candidatos. Na proporção que apareceram Marina Silva, Ciro Gomes e Dilma se consolidaram, é natural que Serra saia de 40% para pouco acima de 30%.
Mas a candidata do PT está crescendo e tem como cabo eleitoral alguém com 80% de popularidade.
JARBAS: A questão é saber se Lula transfere votos e em que proporção. A primeira, não contesto , transfere. Mas transferência está cada vez difícil. O grosso do eleitorado de Lula está no Nordeste, mas Dilma perde para Serra em Pernambuco. Há um ano, ( Lula) não transferiu o suficiente para que Marta Suplicy ganhasse a prefeitura de São Paulo. O outro candidato não era nenhum fenômeno, o Kassab (Gilberto, do DEM). Foi com uma candidata experiente, ex-prefeita e ex-ministra. Experiência que Dilma nunca teve. Lula foi para São Paulo, botou a cara, foi para o vídeo, fez carreata, comício e Marta foi derrotada.
Enquanto Serra resiste em assumir a candidatura, o governador Aécio Neves (MG) tenta a vaga de candidato do PSDB.
JARBAS : A notícia que tenho é que não existe problema entre Serra e Aécio.
O senhor acredita numa chapa purosangue do PSDB?
JARBAS: Não adianta falar disso agora. Pode ter chapa puro-sangue , mas lá para frente.
Seria a forma de conquistar o eleitorado mineiro?
JARBAS: Aécio fazendo força é uma coisa. Aécio dizendo apenas que Serra é candidato, é outra. É preciso analisar que Aécio está deixando o governo e que o vice dele (Antonio Anastasia) não terá eleição fácil pela frente. E como será? Ele sendo candidato só ao Senado vai ser suficiente para eleger o Anastasia?
Vê a hipótese de Serra recuar e a oposição ficar sem candidato? Aécio disse que fica à disposição até o fim do ano.
JARBAS: Não. Ele é candidatíssimo. Segundo ele, está acertado com Aécio. Existem atritos de periferia dos dois entornos, mas não entre eles. Jantei com ele esta semana (segunda-feira). Está muito tranquilo, seguro.
Quando assumirá isso publicamente?
JARBAS: O que Serra puder protelar, empurrar para frente, ele vai. Não sei se até o final de janeiro ou fevereiro.
Como enfrentar uma campanha na qual a oposição identificou uso da máquina e que promete ser das mais caras?
JARBAS: Dá para enfrentar e ganhar. Não estou dizendo que temos superestrutura. Ao contrário. A gente tem o principal, o candidato. O governo tem candidato fraco. Lula levou o país a um falso ufanismo, fazendo as pessoas acreditarem que ele resolveu tudo. Na proporção em que o país toma conhecimento de que não foi bem assim, de que Lula não é candidato, não fica tão difícil. Lula bateu um patamar de 80% e acha que pode tudo. Mas tudo termina. A ditadura acabou. A questão não é só paciência, mas enfrentamento. Saber como enfrentar.
Não ter candidato definido não dificulta alianças regionais?
JARBAS: Serra está atento a isso. Pediu para eu ser candidato em Pernambuco, estado estratégico para a oposição. Disse que não estava no projeto, mas não descarto, porque vejo em primeiro lugar o projeto nacional.
Existe alguma chance de o PMDB não ir com Dilma?
JARBAS: São remotas, mas vejo chance de isso acontecer. O PMDB tem três blocos: um com Lula, outro, minoritário, com o PSDB, e agora um terceiro defendendo candidatura própria. Se a coisa pegar fogo em alguns estados, complica a coisa da aliança nas convenções em junho.
PSDB em busca de rumos
Sem saber quem será o candidato do partido à Presidência da República, tucanos já encontram problemas nos estados na confecção dos palanques regionais para 2010
Denise Rothenburg
A indefinição do PSDB sobre quem será o seu candidato à Presidência da República atrasou a confecção dos palanques tucanos nos mais diversos estados. No Rio de Janeiro, terceiro maior colégio eleitoral do país, e onde, em 2002, José Serra passou a reta final da sua campanha presidencial, os tucanos estão zonzos, sem a menor ideia de quem lançar ao governo estadual.
Esse cenário transformou o Rio num dos estados que hoje mais preocupam a direção nacional do PSDB. “Mas vamos resolver”, diz o presidente tucano, Sérgio Guerra (PE), que já foi ao Rio pelo menos duas vezes tratar desse assunto. “Aqui, só conseguiremos montar um palanque se houver uma parceria com o DEM e com o PPS”, diz o deputado Otávio Leite, cotado para fazer o sacrifício de sair candidato ao governo carioca num cenário pulverizado e repleto de candidatos promissores.
Se essa situação de ausência de candidato ou disputa interna ocorresse apenas no Rio de Janeiro, os tucanos poderiam até soltar foguetes. Mas a situação se repete no Amazonas, no Ceará e em Rondônia (veja quadro). No Amazonas, por exemplo, o ex-deputado Pauderney Avelino (DEM) foi chamado para uma conversa com José Serra no sentido de viabilizar um acordo com o senador Arthur Virgílio (PSDB-AM), candidato à reeleição que, embora seja conhecido nacionalmente, ainda não tem uma chapa estruturada para garantir a vaga no Congresso em 2010.
Em Rondônia, o PSDB está nas mãos do ex-senador Expedito Júnior, que teve o mandato cassado. Na última reunião da direção nacional do partido, em Brasília, ele defendeu a aliança com o prefeito de Ji-Paraná, José Bianco (DEM), e com o deputado Moreira Mendes (PPS). No Ceará, a sorte do PSDB está nas mãos do senador Tasso Jereissati, candidato à reeleição.
Ao mesmo tempo em que têm problemas de falta de candidatos em alguns estados, os tucanos sofrem com as brigas internas em outros. Um dos mais intrincados é São Paulo, o maior colégio eleitoral do país e berço de um dos presidenciáveis, o governador José Serra. Ali, dois secretários de Serra são pré-candidatos ao governo, Geraldo Alckmin e Aluyzio Nunes Ferreira, sendo o segundo o nome da preferência do chefe.
Nos bastidores, há quem diga que o fato de Serra não querer assumir logo uma candidatura à Presidência da República se deve ao receio de uma briga fratricida pela sua própria sucessão em São Paulo. Esperar até fevereiro ou março, avaliam alguns tucanos, dará mais tempo para que as coisas se acertem “em casa” e Serra arrume a disputa paulista sem prejudicar a candidatura presidencial.
Trégua
São Paulo, no entanto, não é o único problema tucano. No Pará, Simão Jatene e Almir Gabriel não se entendem. Na Paraíba, onde o partido tem o ex-governador Cássio Cunha Lima e o senador Cícero Lucena, foi preciso uma reunião com a presença de Serra e do governador de Minas, Aécio Neves, os dois presidenciáveis, para arrancar uma trégua. Cunha Lima, candidato ao Senado, tenta compor uma chapa com Ricardo Coutinho, do PSB, pré-candidato ao governo estadual, cargo que Lucena deseja disputar em 2010.
Como os tucanos ainda não sabem o que fará Ciro Gomes, o comando partidário pediu aos dois que mantenham a calma e evitem um embate antes da hora. Isso porque, se Ciro for candidato a presidente da República, o PSDB terá que buscar seu próprio caminho no estado, uma vez que o palanque de Coutinho estará reservado para o presidenciável socialista.
Como não é possível resolver esses problemas com a presença de Aécio e Serra todos os dias, os tucanos combinaram na semana passada com a cúpula dos democratas e do PPS que, a partir de agora, as reuniões serão semanais, para tentar fechar palanques nos 26 estados e no Distrito Federal. A ordem é resolver tudo em dezembro, ou, se não for possível, pelo menos aproveitar o espírito natalino para desarmar os ânimos onde as brigas estão dominando o cenário.
Colaborou Tiago Pariz
Estranhos no ninho
Saiba quais são os estados mais problemáticos para o PSDB e os entraves em cada um deles:
Rio Grande do Sul
Yeda Crusius (PSDB) e o DEM estão em campos opostos no estado. A governadora deseja concorrer à reeleição e o Democratas busca acordo com o PDT.
São Paulo
Hoje, são dois candidatos a governador pelo partido: Geraldo Alckmin e o chefe de governo de Serra, o ex-deputado Aluyzio Nunes Ferreira. Ambos ainda aguardam uma definição do governador José Serra sobre o futuro.
Rio de Janeiro
Os tucanos estão com dificuldades de encontrar um candidato, já que Fernando Gabeira, do PV, dedicará seu palanque à candidata de seu partido, a senadora Marina Silva (AC). O prefeito de Duque de Caxias, José Zito, que havia se apresentado para a disputa, recuou.
Alagoas
O governador Teotônio Vilela será candidato à reeleição, mas ainda não montou um palanque robusto para fazer frente à parceria Fernando Collor-Renan Calheiros. Não está descartada uma aliança do PSDB com o PSB, tendo o ex-governador Ronaldo Lessa como candidato ao Senado.
Paraíba
O senador Cícero Lucena pretende concorrer ao governo estadual com o apoio do DEM, mas o ex-governador Cássio Cunha Lima, também tucano, deseja apoiar Ricardo Coutinho (PSB).
Ceará
O PSDB não tem candidato ao governo. O senador Tasso Jereissati deve concorrer à reeleição. O mais provável é apoiar Roberto Pessoa, do PR, como candidato a governador.
Maranhão
O PSDB não tem palanque no estado. Os tucanos fazem oposição ao clã Sarney e flertam com um apoio ao PDT, do governador cassado Jackson Lago. Essa saída é considerada problemática porque há uma parte do PT favorável à aliança com os pedetistas.
Amazonas
O senador Arthur Virgílio, que disputa a reeleição, é considerado prioridade. A questão para o governo local segue indefinida.
Pará
Há uma disputa interna entre o senador Mário Couto e o ex-governador Simão Jatene. A solução caminha para um entendimento entre os dois, colocando Jatene como candidato ao governo.
Rondônia
Falta um candidato forte ao governo local. A opção é o senador cassado Expedito Júnior, que perdeu o mandato por acusação de compra de votos.
São poucas as exceções
Os tucanos têm poucos “oásis eleitorais” hoje, ou seja, estados em que não tiveram ou não terão problemas em montar um palanque para o presidenciável. E, ainda assim, é preciso cautela em alguns deles. O Distrito Federal, por exemplo, era, até sexta-feira, considerado um estado onde tucanos e democratas apostavam todas as fichas na reeleição do governador José Roberto Arruda. Agora, com as denúncias em apuração pela Polícia Federal, ficou tudo em suspenso até que o caso seja esclarecido.
Outro local onde os tucanos pretendem esperar para decidir melhor o que fazer é o Rio Grande do Sul. Lá, a governadora Yeda Crusius passou por um calvário e, mesmo assim, insiste em concorrer à reeleição. “Se ela quiser ser candidata, será”, afirma o presidente do partido, Sérgio Guerra.
Por enquanto, para sorte dos tucanos, outros grandes colégios eleitorais estão com palanques bem estruturados, caso, por exemplo, de Minas Gerais. Ali, o governador Aécio Neves tem como pré-candidato à sucessão seu vice, Antonio Anastasia. Há alguns dias, Anastasia reuniu representantes de todos os partidos num jantar em sua homenagem em Brasília, onde foi saudado como candidato a governador por Aécio e por quase toda a bancada federal mineira.
Um palanque tucano praticamente resolvido é o de Pernambuco, onde uma conversa entre o senador Jarbas Vasconcelos (PMDB) e o governador de São Paulo, José Serra (PSDB), praticamente selou a candidatura de Jarbas ao governo estadual contra Eduardo Campos (PSB), candidato à reeleição.
Porto seguro
A Bahia é outro porto seguro. “Não temos o que temer. Na Bahia está tudo bem, e onde temos problemas, vamos resolver”, comenta o deputado Jutahy Júnior (BA). Lá, o PSDB fechou apoio à candidatura do ex-governador Paulo Souto (DEM), bem posicionado nas pesquisas, e ainda terá o PPS na coligação.
O partido vive uma situação semelhante no Paraná, onde Beto Richa (PSDB) é bem conceituado e tem aparecido na dianteira. Outro palanque que não representará problemas para o PSDB é o do Piauí, onde o PSDB lançará Sílvio Mendes ao governo e terá Heráclito Fortes (DEM) e Mão Santa (PSC) como candidatos ao Senado. (DR)
O discreto voo dos tucanos
José Serra e Aécio Neves já rodam o país como pré-candidatos ao Palácio do Planalto. Indecisão do partido, porém, os impede de bater de frente com a ministra Dilma Rousseff, favorita de Lula
Tiago Pariz
O governador de São Paulo, José Serra (PSDB), ainda não saiu da toca para se assumir oficialmente como pré-candidato ao Palácio do Planalto, mas tem intensificado sua agenda de andanças pelo Brasil. Depois de passar por Fortaleza para discursar para uma plateia de empresários, o governador irá ao Piauí no próximo fim da semana para participar de um encontro político. Além da maior exposição de Serra, o PSDB prepara uma ofensiva cujo alvo são os aliados regionais do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
A visita de Serra ao Piauí será um ato combinado com o governador de Minas Gerais, Aécio Neves (PSDB), também cotado para representar o partido na eleições 2010. O paulista vai na sexta e o mineiro no sábado. O objetivo dos dois é o mesmo: participar de discussões sobre a situação tucana no estado.
Serra demonstra estar cedendo aos apelos de seus aliados por mais exposição. Intensificou a agenda midiática, concedendo uma série de entrevistas a rádios e emissoras de televisão populares e planeja mais viagens pelo país. No PSDB e no DEM, todos estão ansiosos para equiparar o jogo com a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, que conta com o apoio declarado do presidente Lula para sucedê-lo.
Estratégia adiada
Embora os tucanos minimizem o crescimento de Dilma nas pesquisas mais recentes, há um entendimento de que não devem deixá-la sem oponentes, falando sozinha aos brasileiros. O problema é que nem Serra nem Aécio colocaram em prática uma agenda de interação com potenciais eleitores. O plano seria visitar localidades carentes do país — onde Lula goza de notório prestígio — e se oferecer como opção, minando a simpatia inercial do eleitorado pela favorita do presidente.
A ideia, porém, continua em banho-maria. E, diante do prazo exíguo para definir os pré-candidatos, é possível que jamais saia do papel. Aécio Neves já comunicou à cúpula do PSDB que se lançará ao Senado em janeiro próximo caso o impasse permaneça. Serra, por sua vez, insiste em fechar a questão somente em março.
Na última sexta-feira, o governador paulista concedeu entrevista para uma rede de televisão de Fortaleza e palestrou para empresários e profissionais liberais a convite do Centro Industrial do Ceará (CIC). Em paralelo à agenda de um candidato não assumido, o PSDB quer firmar uma estratégia de contra-ataque. Ou seja, vai trabalhar para roubar aliados do presidente Luiz Inácio Lula da Silva país afora. O primeiro passo é no Pará, estado considerado importante para a solução do conflito interno entre tucanos. Com uma solução que aponta para o lançamento da candidatura de Simão Jatene ao governo local, a cúpula do PSDB quer negociar com o PR e com o deputado Jader Barbalho (PMDB-PA).
O Pará é considerado um estado crucial também para o sucesso da aliança do PT com o PMDB. Nesta semana, Barbalho e a governadora paraense Ana Júlia Carepa deverão se sentar à mesa para discutir uma saída a contento. A chave para o peemedebista aderir à aliança nacional passa pelo tamanho que ele terá em um eventual governo petista. --> --> --> --> -->
PT lucra com inércia
Com uma situação pouco confortável na disputa por São Paulo, o PT tenta jogar no colo do governador José Serra (PSDB) a responsabilidade por acelerar a disputa local. Os petistas avaliam que a indefinição tucana no estado os ajuda a ganhar tempo em sua disputa interna.
O PSDB tem dois nomes que podem disputar o Palácio dos Bandeirantes. O ex-governador Geraldo Alckmin, atual secretário de Desenvolvimento, e o chefe da Casa Civil, Aloysio Nunes Ferreira.
Apesar de as pesquisas de intenção de votos colocarem Alckmin na dianteira folgada, há uma evidente disputa interna que pode ser explorada pelos petistas — o partido aposta que a paralisia tucana é parecida com a que o próprio PT enfrenta para escolher quem será o candidato da oposição no estado.
O partido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem como pré-candidatos o ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci, o ministro da Educação, Fernando Haddad, e o prefeito de Osasco, Emídio de Souza. Correndo por fora, aparecem o deputado Arlindo Chinaglia e o senador Eduardo Suplicy. Não bastasse a penca de candidatos, há ainda um debate sobre a viabilidade do deputado Ciro Gomes (PSB-CE) no estado. “Se o PSDB já tivesse escolhido o seu candidato, nossa situação estaria muito ruim, mas como eles também estão mais ou menos paralisados, estamos mais tranquilos”, disse um petista.
O PT tem trabalhado com o mesmo tempo de Serra para o estado. A definição do candidato sairá somente no fim do primeiro trimestre do ano que vem. Lula gostaria que o partido apoiasse Ciro, mas isso ainda depende de uma composição interna e com os aliados. Os petistas também tentam vender a imagem que estão mais avançados nas alianças eleitorais, lembrando a toda hora que têm pacto com PDT, PSB, PSL, PSC, PRB, PTN e PCdoB para lançar um único candidato de oposição ao PSDB no estado. (TP)
E EU COM ISSO
A intensificação da agenda dos dois pré-candidatos do PSDB à Presidência da República em 2010 é uma resposta à estratégia petista de superexpor a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff. Se o PSDB entrar de cabeça no jogo proposto pelo PT, o clima de campanha será antecipado e pegará fogo sete meses antes do prazo oficial para a eleição.
Alberto Dines :: A partilha da Palestina
Foi pífia a proposta do governo de Israel para iniciar as negociações de paz: paralisar por 10 meses a construção de novos assentamentos na Cisjordânia. Congelamento morno, pouco afirmativo, imediatamente contestado pelos 300 mil colonos já estabelecidos em território que pertence à Autoridade Palestina.
Nem generoso nem voluntário, o gesto do governo de centro-direita de Benjamin Netanyahu foi uma resposta à forte pressão exercida pela Casa Branca no sentido de remover um dos mais visíveis obstáculos às negociações de paz que culminarão com a criação do Estado Palestino.
Esta transação provisória, pouco convincente, melancólica, tem como cenário uma das decisões mais importantes e emocionantes já votadas pela Organização das Nações Unidas em toda a sua história: no dia 29 de Novembro de 1947 - há 62 anos -- por 33 votos a favor, 13 contra e dez abstenções foi aprovada pela Assembleia Geral a partilha da Palestina em dois Estados, um árabe e outro judeu. Entre os apoiadores da partilha estavam três dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança: Estados Unidos, União Soviética e França. A China (ainda de Chiang-Kaichek) se absteve, assim como a Grã Bretanha que detinha o Mandato sobre a região contestada. O brasileiro Oswaldo Aranha, presidente da Assembleia Geral, foi o artífice da histórica decisão ao adiar para a manhã seguinte ao Dia de Ação de Graças, um sábado, uma votação cujo resultado era incerto.
Não é este o lugar para relembrar as dificuldades e o banho de sangue derramado para implementar a decisão da ONU. Importa registrar que ela constitui a base legal para a proclamação da independência do Estado de Israel. Saudada pelos 600 mil judeus que viviam na Palestina encerrou uma perigosa dissensão ideológica que ameaçava dividir a Diáspora recém despertada do horror do Holocausto: a opção de um Estado binacional era apoiada não apenas pelos comunistas, sionistas de extrema esquerda e também pelos seguidores do filósofo humanista Martin Buber.
A extrema-direita (da qual Netanyahu é herdeiro) apostava na conquista integral da Terra Santa (incluindo a antiga Transjordânia). Os religiosos, salvo uma minoria não fundamentalista, eram absolutamente contrários a existência de um Estado judeu que não fosse proclamado pelo Messias, como está nas Escrituras.
A grande maioria seguia a coligação socialdemocrata-centro chefiada por David Ben Gurion e Chaim Weitzmann (escolhidos como primeiro-ministro e presidente do primeiro governo israelense).
O esforço concentrado para a criação de um Estado árabe na Palestina (para usar o vocabulário da época) abre o caminho senão para a paz, pelo menos para um armistício duradouro, depois de sete conflitos bélicos de grandes proporções. Além disso, repara o castigo imposto aos palestinos pela intransigência dos países árabes dos países vizinhos que recusaram a divisão preconizada pela ONU. Sobretudo, cala a boca de delinquentes como Mahmud Ahmadinejad e Osama bin Laden, os hitlers do século 21, cujas carreiras e postulados foram fabricados com a matéria-prima do terrorismo e da insanidade.
A partilha da Palestina precisa ser concluída com urgência. Esta página não pode permanecer semiaberta ou semi-fechada – reticências em história só favorecem os conflitos. Os assentamentos na Cisjordânia são meros empreendimentos habitacionais, subsidiados, destinados a abrigar a fina flor do fanatismo religioso sem qualquer contribuição para o desenvolvimento regional. O congelamento destas incursões imobiliárias como foi proposto é insuficiente, deve ser visto como a etapa inicial para avanços mais corajosos e consistentes.
A Diáspora judaica, inclusive no Brasil, avalizou com emoção a resolução da ONU sobre a Palestina. Mais de seis décadas depois, estas convicções não deveriam ser esquecidas, nem descartado o esforço para implementar o texto aprovado. Depois de partilhar, hora de compartilhar.
» Alberto Dines é jornalista