DEU EM O GLOBO
Nova comandante do barco da economia precisará ver mais longe
A abertura da economia no início dos anos 1990, depois das crises do petróleo e ainda em meio ao longo processo inflacionário que se seguiu, não desencalhou o barco de nossa economia. Os mares do mundo batiam no casco, mas ele continuava adernado. Só depois de controlarmos a inflação, quando eu ainda era ministro da Fazenda do governo Itamar Franco, e depois que saneamos os ralos que corroíam as finanças públicas e levantamos as âncoras que nos mantinham estagnados — com a atração de capital privado para setores antes monopolizados pelo Estado —, é que o navio começou a andar. No começo timidamente, usufruindo as benesses de uma base agrícola poderosa e de uma indústria criada no passado.
Com a volta dos capitais e dos investimentos, começamos a navegar com maior desenvoltura. Por exemplo: em 1995 havia montadoras de veículos somente em São Paulo e Minas; em 2002, não só essas haviam aumentado a produção como também outras se haviam espalhado pelo país, no Rio Grande, no Paraná, no Rio de Janeiro, em Goiás e na Bahia. Outro exemplo: em 1995, a Petrobras não chegava a produzir 700.000 barris/dia; em 2002, ultrapassou um milhão e meio de barris. E assim por diante, sem esquecer a expansão das telecomunicações, da indústria aeronáutica ou mesmo da indústria naval, que começou a tomar ímpeto em 1999 com a encomenda pela Petrobras de 22 navios.
Daí em diante nossa economia não parou de crescer, apesar das crises financeiras que só deixaram de nos golpear em 1996 e em 2000. No período presidencial seguinte, o crescimento se acelerou. Não apenas porque o barco se tornou mais potente, uma vez mantido o rumo anteriormente traçado, mas também porque as águas do mar se encheram, pela bonança internacional entre 2003 e 2008.
Junto com o crescimento, deu-se a redução da pobreza. O efeito estabilizador do Plano Real reduziu a proporção de pobres de 40% para cerca de 30% da população total. No período presidencial seguinte, nova redução, para aproximadamente 20%. A redução da pobreza não foi resultado automático do crescimento. Políticas também foram adotadas com esse fim. Exemplo: o aumento real do salário mínimo, de 48% entre 1995 e 2002; e de 60% nos oito anos posteriores.
Em mares de almirante, com vento a favor, todos os barcos passaram a andar com velocidades maiores. Medido pelo aumento da renda per capita, andamos relativamente para trás: ocupávamos a 68 aposição no mundo, na década anterior e, nesta, retrocedemos à 72ª.
Mas o atual comandante do barco, embriagado pelos êxitos, confundiuse: atribuiu a si o aumento do nível das águas.
Pior, conseguiu convencer os marinheiros de que fazia milagre e se tornou “mito”. Agora, mais grisalho e quase aposentado, deixa o leme para uma companheira fiel. E será ela quem precisará usar lunetas para ver mais longe. Haverá tempestade sou bonança? Em qualquer caso, como anda o casco do navio? Que fazer para repará-lo? Ou para melhorar o desempenho do navio? Poderá continuar avançando sozinha ou dará a mão aos demais marinheiros? E as máquinas, seguirão a todo vapor sem algum ajuste ou será melhor evitar que a pressão as faça estourar? Acirrará ânimos e seguirá em frente até bater nalgum rochedo, ou será previdente e ouvirá outras vozes que não sejam as das estrelas? São questões cujas respostas estão em aberto.
E há outras perguntas, de ordem estratégica, que precisarão ser respondidas. Para começar, como será o mundo dos próximos 20 anos? Tudo indica que nele as economias emergentes e especialmente as dos Brics ocuparão maior espaço. Mas qual desses países crescerá mais depressa? China e Índia são, nesse caso, nossos competidores mais diretos, embora haja também complementaridades entre nossas economias. Estaremos condenados a, pouco a pouco, voltar à condição de provedores de alimentos e de matériasprimas para os países-monstros, que têm territórios com pouca possibilidade de expansão agrícola? Não necessariamente.
Mas para evitar esse destino teremos de definir políticas que aumentem a nossa capacidade de inovar e competir. Não só na área fiscal, não só na tributária e na trabalhista, mas também nas de educação, ciência e tecnologia.
Sem isso, será difícil ter uma indústria globalmente competitiva.
Em 2030, deveremos ter uma população em idade ativa da ordem de 150 milhões de pessoas. Sem uma indústria com musculatura e cérebro para enfrentar a competição global, será impossível gerar empregos na qualidade e quantidade de que necessitamos. Sem os empregos e a renda necessários, o país corre o risco de se tornar “velho” antes de ficar rico. Precisamos aproveitar a nossa janela de “oportunidade demográfica”, que se fechará a partir de 2030, para dar um salto em nossa capacidade de produção de riquezas. E para melhor distribuí-las também. E isso depende mais de uma verdadeira revolução educacional do que da expansão do Bolsa Família e de outros programas assistenciais.
Como compatibilizar as necessárias taxas de crescimento da economia com os indispensáveis requisitos de respeito ao meio ambiente, de combate ao aquecimento global e assim por diante? Estaremos dispostos a pensar com maior profundidade sobre como conservar uma matriz energética que utiliza fontes renováveis? Nesse contexto e atentos às questões de custos para o país, introduziremos maior racionalidade na discussão do pré-sal ou continuaremos a fingir que se trata de um Fla-Flu entre “patriotas” e “entreguistas”? Por fim, nunca é demais lembrar: que papel o Brasil jogará no mundo, continuaremos indiferentes diante de vários autoritarismos e desrespeitos aos direitos humanos ou nos comprometeremos crescentemente com formas democráticas de convívio? Quem viver verá. No entretempo, é melhor manter um otimismo cauteloso e, sem embarcar em ufanismos enganosos, acreditar que a vitalidade dos brasileiros (vista uma vez mais na reafirmação democrática do pluralismo eleitoral recente) nos levará a melhores rumos.
Sociólogo, foi Presidente da República
Nova comandante do barco da economia precisará ver mais longe
A abertura da economia no início dos anos 1990, depois das crises do petróleo e ainda em meio ao longo processo inflacionário que se seguiu, não desencalhou o barco de nossa economia. Os mares do mundo batiam no casco, mas ele continuava adernado. Só depois de controlarmos a inflação, quando eu ainda era ministro da Fazenda do governo Itamar Franco, e depois que saneamos os ralos que corroíam as finanças públicas e levantamos as âncoras que nos mantinham estagnados — com a atração de capital privado para setores antes monopolizados pelo Estado —, é que o navio começou a andar. No começo timidamente, usufruindo as benesses de uma base agrícola poderosa e de uma indústria criada no passado.
Com a volta dos capitais e dos investimentos, começamos a navegar com maior desenvoltura. Por exemplo: em 1995 havia montadoras de veículos somente em São Paulo e Minas; em 2002, não só essas haviam aumentado a produção como também outras se haviam espalhado pelo país, no Rio Grande, no Paraná, no Rio de Janeiro, em Goiás e na Bahia. Outro exemplo: em 1995, a Petrobras não chegava a produzir 700.000 barris/dia; em 2002, ultrapassou um milhão e meio de barris. E assim por diante, sem esquecer a expansão das telecomunicações, da indústria aeronáutica ou mesmo da indústria naval, que começou a tomar ímpeto em 1999 com a encomenda pela Petrobras de 22 navios.
Daí em diante nossa economia não parou de crescer, apesar das crises financeiras que só deixaram de nos golpear em 1996 e em 2000. No período presidencial seguinte, o crescimento se acelerou. Não apenas porque o barco se tornou mais potente, uma vez mantido o rumo anteriormente traçado, mas também porque as águas do mar se encheram, pela bonança internacional entre 2003 e 2008.
Junto com o crescimento, deu-se a redução da pobreza. O efeito estabilizador do Plano Real reduziu a proporção de pobres de 40% para cerca de 30% da população total. No período presidencial seguinte, nova redução, para aproximadamente 20%. A redução da pobreza não foi resultado automático do crescimento. Políticas também foram adotadas com esse fim. Exemplo: o aumento real do salário mínimo, de 48% entre 1995 e 2002; e de 60% nos oito anos posteriores.
Em mares de almirante, com vento a favor, todos os barcos passaram a andar com velocidades maiores. Medido pelo aumento da renda per capita, andamos relativamente para trás: ocupávamos a 68 aposição no mundo, na década anterior e, nesta, retrocedemos à 72ª.
Mas o atual comandante do barco, embriagado pelos êxitos, confundiuse: atribuiu a si o aumento do nível das águas.
Pior, conseguiu convencer os marinheiros de que fazia milagre e se tornou “mito”. Agora, mais grisalho e quase aposentado, deixa o leme para uma companheira fiel. E será ela quem precisará usar lunetas para ver mais longe. Haverá tempestade sou bonança? Em qualquer caso, como anda o casco do navio? Que fazer para repará-lo? Ou para melhorar o desempenho do navio? Poderá continuar avançando sozinha ou dará a mão aos demais marinheiros? E as máquinas, seguirão a todo vapor sem algum ajuste ou será melhor evitar que a pressão as faça estourar? Acirrará ânimos e seguirá em frente até bater nalgum rochedo, ou será previdente e ouvirá outras vozes que não sejam as das estrelas? São questões cujas respostas estão em aberto.
E há outras perguntas, de ordem estratégica, que precisarão ser respondidas. Para começar, como será o mundo dos próximos 20 anos? Tudo indica que nele as economias emergentes e especialmente as dos Brics ocuparão maior espaço. Mas qual desses países crescerá mais depressa? China e Índia são, nesse caso, nossos competidores mais diretos, embora haja também complementaridades entre nossas economias. Estaremos condenados a, pouco a pouco, voltar à condição de provedores de alimentos e de matériasprimas para os países-monstros, que têm territórios com pouca possibilidade de expansão agrícola? Não necessariamente.
Mas para evitar esse destino teremos de definir políticas que aumentem a nossa capacidade de inovar e competir. Não só na área fiscal, não só na tributária e na trabalhista, mas também nas de educação, ciência e tecnologia.
Sem isso, será difícil ter uma indústria globalmente competitiva.
Em 2030, deveremos ter uma população em idade ativa da ordem de 150 milhões de pessoas. Sem uma indústria com musculatura e cérebro para enfrentar a competição global, será impossível gerar empregos na qualidade e quantidade de que necessitamos. Sem os empregos e a renda necessários, o país corre o risco de se tornar “velho” antes de ficar rico. Precisamos aproveitar a nossa janela de “oportunidade demográfica”, que se fechará a partir de 2030, para dar um salto em nossa capacidade de produção de riquezas. E para melhor distribuí-las também. E isso depende mais de uma verdadeira revolução educacional do que da expansão do Bolsa Família e de outros programas assistenciais.
Como compatibilizar as necessárias taxas de crescimento da economia com os indispensáveis requisitos de respeito ao meio ambiente, de combate ao aquecimento global e assim por diante? Estaremos dispostos a pensar com maior profundidade sobre como conservar uma matriz energética que utiliza fontes renováveis? Nesse contexto e atentos às questões de custos para o país, introduziremos maior racionalidade na discussão do pré-sal ou continuaremos a fingir que se trata de um Fla-Flu entre “patriotas” e “entreguistas”? Por fim, nunca é demais lembrar: que papel o Brasil jogará no mundo, continuaremos indiferentes diante de vários autoritarismos e desrespeitos aos direitos humanos ou nos comprometeremos crescentemente com formas democráticas de convívio? Quem viver verá. No entretempo, é melhor manter um otimismo cauteloso e, sem embarcar em ufanismos enganosos, acreditar que a vitalidade dos brasileiros (vista uma vez mais na reafirmação democrática do pluralismo eleitoral recente) nos levará a melhores rumos.
Sociólogo, foi Presidente da República
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