DEU EM O ESTADO DE S. PAULO /ALIÁS
Opor-se, em uma sociedade politicamente ‘desenvolvida’, não é simplesmente tomar posição contrária a quem está no poder
O PSDB chegou cedo ao poder. Formado inicialmente por um punhado de professores da USP, foi alavancado com a ascensão de Fernando Henrique Cardoso ao Planalto. Desde então, contudo, não logrou firmar bases sólidas nem junto à classe operária nem junto aos movimentos sociais. Foi e continua sendo, ao longo de seus mais de vinte anos de existência, um partido de quadros, sem militância e com identidade difusa e confusa. O ideário social-democrático que inspirou sua criação ficou em parte perdido no meio do caminho. O horror ao populismo o levou a um certo distanciamento das massas. Sobrou o discurso moralista e faltou cheiro e suor de povo.
O PT, seu rival histórico, teve trajetória diferente. Superou o ímpeto revolucionário que lhe deu origem e se transformou com Lula, depois de três derrotas, em um partido reformista. Aceitou as regras do jogo eleitoral, a propriedade privada e as instituições políticas antes tidas como burguesas.
O PT amadureceu e se consolidou política e institucionalmente. É diverso e heterogêneo, com tendências nem sempre convergentes, mas tem rumo e prumo. O PSDB, ao contrário, ficou no ar. Isto apesar das mudanças do Brasil com o fim da inflação no governo Itamar e com as políticas modernizadoras da era Fernando Henrique.
A verdade é que o PSDB não sabe bem o que quer. É contra ou a favor das privatizações? Contra mais impostos? A favor de uma reforma tributária? Defende um novo pacto federalista ou a continuidade do que está aí? E a reforma política, é retórica ou realidade?
O PSDB precisa se repensar e se reestruturar. Não tanto porque Serra perdeu a disputa presidencial mas porque encolheu no Congresso apesar das conquistas de governos estaduais importantes e sua crise de identidade tende a se agravar. Pode ficar menor nas próximas eleições. O partido - fato hoje amplamente reconhecido - não soube fazer oposição ao governo Lula. Fez uma oposição à UDN, com muita verborragia e pouca confrontação de ideias, políticas e projetos.
Serra ou Aécio, quem quer que fosse o representante do PSDB, tenderia a perder para a candidata do presidente Lula. São exceções os casos em que um presidente bem avaliado (acima de 60%) não se reelege ou não faz o seu sucessor.
Perder ou ganhar em política depende tanto de fatores estruturais quanto de contingências ou acidentes de disputa. O importante é aprender com a experiência e não repetir erros. Um dos muitos pecados de Serra foi o de não mostrar propostas alternativas para governar. Olhou para o umbigo e para trás. O PSDB precisa escolher: centro-direita ou centro-esquerda? Terá fôlego para disputar com o PT o lugar de centro-esquerda? Logrará estabelecer pontes com organizações sindicais ou movimentos sociais?
O País está mudando, e à medida que se expandem os setores médios, melhora a educação e diminuem a pobreza e a desigualdade. Também se modificará o espectro da política brasileira. As classes médias, que já não formam um contingente pequeno entre nós, podem vir a ser o polo hegemônico da política e não os segmentos menos favorecidos da população, como acontece hoje.
Paralelamente às mudanças na realidade social e econômica do País ocorrem outras transformações - menos visíveis, mas não menos relevantes e nem menos impactantes - de caráter institucional e político.
As instituições políticas brasileiras estão mais consolidadas. Funcionam mais e melhor que no passado recente. Tudo isso acabará exigindo reacomodações no comportamento político das massas e das elites.
Em razão disso, a oposição ao governo Dilma não poderá ser cega ou com viseiras. No caso do PSDB será também a oportunidade para desenhar com mais nitidez os seus contornos políticos e ideológicos. Opor-se, em uma sociedade politicamente "desenvolvida", não é simplesmente tomar posição simétrica e contrária à defendida por quem está de plantão no poder.
É preciso contrapor políticas e modelos, arranjos e ideias, sem contar o dever de fiscalizar as ações governamentais, não só do ponto de vista dos códigos legais mas também da perspectiva da eficiência e da eficácia das políticas implementadas.
O palco do confronto entre governo e oposição é o Congresso. Governadores têm responsabilidades administrativas que tendem a dificultar a execução desse papel. Será na Câmara e no Senado que o PSDB precisará estabelecer suas diferenças com os detentores do governo da República.
Tudo leva a crer que teremos um novo figurino e uma nova estratégia de oposição com Aécio Neves. Uma oposição à PSD e não à UDN. Se abrirá ou não caminho para conquista do poder em 2014 para o PSDB é matéria sobre a qual não se pode ter certezas hoje. Mas que promoverá avanços na construção/consolidação do partido, sobre isso não cabe dúvidas. De quebra, pode representar mais alguns passos na jornada da consolidação das instituições políticas entre nós.
Luis Aureliano Gama de Andrade é doutor em Ciência Política pela Universidade de Michigan e professor das faculdades Pedro Leopoldo, em Minas Gerais
Opor-se, em uma sociedade politicamente ‘desenvolvida’, não é simplesmente tomar posição contrária a quem está no poder
O PSDB chegou cedo ao poder. Formado inicialmente por um punhado de professores da USP, foi alavancado com a ascensão de Fernando Henrique Cardoso ao Planalto. Desde então, contudo, não logrou firmar bases sólidas nem junto à classe operária nem junto aos movimentos sociais. Foi e continua sendo, ao longo de seus mais de vinte anos de existência, um partido de quadros, sem militância e com identidade difusa e confusa. O ideário social-democrático que inspirou sua criação ficou em parte perdido no meio do caminho. O horror ao populismo o levou a um certo distanciamento das massas. Sobrou o discurso moralista e faltou cheiro e suor de povo.
O PT, seu rival histórico, teve trajetória diferente. Superou o ímpeto revolucionário que lhe deu origem e se transformou com Lula, depois de três derrotas, em um partido reformista. Aceitou as regras do jogo eleitoral, a propriedade privada e as instituições políticas antes tidas como burguesas.
O PT amadureceu e se consolidou política e institucionalmente. É diverso e heterogêneo, com tendências nem sempre convergentes, mas tem rumo e prumo. O PSDB, ao contrário, ficou no ar. Isto apesar das mudanças do Brasil com o fim da inflação no governo Itamar e com as políticas modernizadoras da era Fernando Henrique.
A verdade é que o PSDB não sabe bem o que quer. É contra ou a favor das privatizações? Contra mais impostos? A favor de uma reforma tributária? Defende um novo pacto federalista ou a continuidade do que está aí? E a reforma política, é retórica ou realidade?
O PSDB precisa se repensar e se reestruturar. Não tanto porque Serra perdeu a disputa presidencial mas porque encolheu no Congresso apesar das conquistas de governos estaduais importantes e sua crise de identidade tende a se agravar. Pode ficar menor nas próximas eleições. O partido - fato hoje amplamente reconhecido - não soube fazer oposição ao governo Lula. Fez uma oposição à UDN, com muita verborragia e pouca confrontação de ideias, políticas e projetos.
Serra ou Aécio, quem quer que fosse o representante do PSDB, tenderia a perder para a candidata do presidente Lula. São exceções os casos em que um presidente bem avaliado (acima de 60%) não se reelege ou não faz o seu sucessor.
Perder ou ganhar em política depende tanto de fatores estruturais quanto de contingências ou acidentes de disputa. O importante é aprender com a experiência e não repetir erros. Um dos muitos pecados de Serra foi o de não mostrar propostas alternativas para governar. Olhou para o umbigo e para trás. O PSDB precisa escolher: centro-direita ou centro-esquerda? Terá fôlego para disputar com o PT o lugar de centro-esquerda? Logrará estabelecer pontes com organizações sindicais ou movimentos sociais?
O País está mudando, e à medida que se expandem os setores médios, melhora a educação e diminuem a pobreza e a desigualdade. Também se modificará o espectro da política brasileira. As classes médias, que já não formam um contingente pequeno entre nós, podem vir a ser o polo hegemônico da política e não os segmentos menos favorecidos da população, como acontece hoje.
Paralelamente às mudanças na realidade social e econômica do País ocorrem outras transformações - menos visíveis, mas não menos relevantes e nem menos impactantes - de caráter institucional e político.
As instituições políticas brasileiras estão mais consolidadas. Funcionam mais e melhor que no passado recente. Tudo isso acabará exigindo reacomodações no comportamento político das massas e das elites.
Em razão disso, a oposição ao governo Dilma não poderá ser cega ou com viseiras. No caso do PSDB será também a oportunidade para desenhar com mais nitidez os seus contornos políticos e ideológicos. Opor-se, em uma sociedade politicamente "desenvolvida", não é simplesmente tomar posição simétrica e contrária à defendida por quem está de plantão no poder.
É preciso contrapor políticas e modelos, arranjos e ideias, sem contar o dever de fiscalizar as ações governamentais, não só do ponto de vista dos códigos legais mas também da perspectiva da eficiência e da eficácia das políticas implementadas.
O palco do confronto entre governo e oposição é o Congresso. Governadores têm responsabilidades administrativas que tendem a dificultar a execução desse papel. Será na Câmara e no Senado que o PSDB precisará estabelecer suas diferenças com os detentores do governo da República.
Tudo leva a crer que teremos um novo figurino e uma nova estratégia de oposição com Aécio Neves. Uma oposição à PSD e não à UDN. Se abrirá ou não caminho para conquista do poder em 2014 para o PSDB é matéria sobre a qual não se pode ter certezas hoje. Mas que promoverá avanços na construção/consolidação do partido, sobre isso não cabe dúvidas. De quebra, pode representar mais alguns passos na jornada da consolidação das instituições políticas entre nós.
Luis Aureliano Gama de Andrade é doutor em Ciência Política pela Universidade de Michigan e professor das faculdades Pedro Leopoldo, em Minas Gerais
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