Por Raymundo Costa – Valor Econômico
BRASÍLIA - Emissários da presidente Dilma Rousseff abriram negociação com o presidente da Câmara, deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que detém o poder constitucional de dar prosseguimento ou arquivar o pedido de impeachment assinado pelo juristas Hélio Bicudo e Miguel Reale Junior. Num primeiro momento, ao ser informada das liminares concedidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF), a presidente Dilma Rousseff comemorou a decisão, mas depois ficou apreensiva com a possibilidade de Cunha deferir o pedido de impeachment.
Em manobra considerada imprudente por alguns dos principais conselheiros políticos da presidente no Congresso, quatro deputados haviam ingressado com mandado de segurança contra o rito estabelecido por Cunha para a apreciação do pedido de impedimento. Numa combinação tácita com a oposição, o ritual previa que Cunha arquivaria o pedido e seria questionado no plenário.
Boa parte dos conselheiros da presidente avaliava que o governo teria alguma chance no plenário, na votação do recurso contra a decisão de Cunha. Agora entendem que o despacho de Zavascki devolveu ao presidente da Câmara o poder monocrático de decidir pelo arquivamento ou continuidade do processo, algo que esses conselheiros prefeririam evitar. Agora a decisão ficou a cargo de Cunha.
Se o deputado indeferir o pedido, o processo pode ser dado como encerrado. Dilma entra em 2016 em condições de sobreviver até 2018 como uma presidente fraca. Pela decisão do Supremo não caberia recurso ao plenário. Mas se a decisão de Cunha for pela continuidade, o que a maioria dos aliados considera bastante provável, será mais difícil conter a abertura do processo e o afastamento da presidente.
Desde a sexta-feira passada a presidente teve reuniões diárias com o núcleo duro do governo, constituído pelos ministros que trabalham no Palácio do Planalto, mais o ministro da Defesa Aldo Rebelo, a fim de traçar uma estratégia para barrar o impeachment e blindar a chefe do governo no Congresso, sobretudo na Câmara. Para isso foi executada a reforma ministerial que, na prática, serviu apenas para contemplar a bancada do PMDB da Câmara.
Dilma também convocou ministros, senadores e deputados aliados que se encontravam fora de Brasília para voltarem anteontem, um feriado nacional. Em uma das reuniões fora do Palácio da Alvorada foi traçada uma estratégia para barrar o impeachment no plenário da Câmara, pelas regras estabelecidas por Cunha.
Esse era o cenário considerado "menos pior": Cunha arquivaria o pedido e a oposição recorreria ao plenário. Para conseguir derrubar a decisão de Cunha, PSDB e seus aliados teriam que formar uma maioria que somente conseguiriam com a adesão de integrantes dos partidos aliados. Uma manobra de risco, segundo seus próprios formuladores, mas com chances de êxito. No caso de uma derrota, o governo teria ainda uma segunda oportunidade: os votos dos dissidentes seriam mapeados e suas reivindicações atendidas, de modo a tornar ainda mais difícil, para a oposição, obter os 342 votos necessários para a Câmara autorizar a abertura do processo de impeachment da presidente no Senado.
Depois da decantação do novo ministério, os aliados de Dilma avaliam que melhoraram as suas chances na Câmara dos Deputados, a julgar pelos testes feitos pelo governo ao tentar votar vetos da presidente, semana passada. Mas para isso será preciso que o PT ceda e deixe de boicotar a entrega dos cargos de que dispõe no segundo escalão, especialmente no Ministério da Saúde e Cidades, onde o PSD de Gilberto Kassab tem o ministro mas não os demais cargos. Os ministros Jaques Wagner (Casa Civil), Ricardo Berzoini (Secretaria Geral) e Aldo Rebelo - grupo que forma a linha de frente de defesa da presidente - entenderam o recado e saíram de uma dessas reuniões com um ultimato ao PT: será preciso entregar os cargos do segundo escalão para evitar o impeachment.
A hipótese considerada "pior" na principal reunião realizada fora do Alvorada na noite de segunda-feira, Dia das Crianças e de Nossa Senhora Aparecida, era deixar a decisão em mãos do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, e ele deliberar em favor do impeachment. Há uma espécie de consenso de que o deputado carioca, acuado por uma denúncia ao Supremo Tribunal Federal por seu envolvimento na Lava-Jato, estaria pensando "criar um fato político maior que o seu" e virar o "herói-bandido" que desencadeou o processo de impeachment da presidente.
Nessa reunião, segundo apurou o Valor PRO, os representantes do governo anunciaram que já haviam aberto negociação com o deputado Eduardo Cunha, na noite anterior, quando ainda não havia decisão do ministro Zavascki. Sem êxito, no entanto. Uma nova tentativa seria feita pelos ministros Wagner e Berzoini, mas a opinião dominante era que o governo não tem o que oferecer a Eduardo Cunha que ele possa confiar. Nem na Lava-Jato. Um dos presentes disse ao Valor que o procurador Rodrigo Janot chegou a ser mencionado na reunião, mas logo ficou claro que ele não seria uma via para ajudar Cunha de alguma forma, entre outros motivos por ter um público interno ao qual deve respostas.
Se Cunha decidir a favor da tramitação do pedido, imediatamente pedirá aos líderes partidários as indicações de seus representantes para a comissão especial que tratará da perda do mandato. O impeachment estará de fato na rua. "É fogo morro acima", disse uma fonte da "tropa de choque" de Dilma ao Valor PRO.
Trata-se de um processo em que Dilma só tem a perder: instalada a comissão, seus trabalhos serão transmitidos pela televisão, o que deve facilitar a tarefa da oposição de arregimentar manifestações a favor do impeachment. E a presidente, decididamente, não teria força suficiente para conter a avalanche a ser desencadeada pelo processo. Ao menos por enquanto. Entre os aliados de Dilma também há a convicção de que entram em julgamento as "pedaladas" nas contas de 2015, mas também nas do exercício 2010-2014, pois desde a aprovação da emenda da reeleição o mandato dos chefes de executivo é continuado. O processo de judicialização tende a ser ampliado, a partir de agora.
Se abrir a porteira dos ministérios, Dilma tem condições de ampliar os votos de que dispõe no PMDB e no PSD, que esteve majoritariamente contra a presidente nas tentativas para a votação dos vetos. Um terço do PMDB, liderado pelo deputado Lúcio Vieira Lima, já se posicionou contra os entendimentos do líder da bancada, Leonardo Picciani, em troca dos ministérios da Saúde e da Ciência e Tecnologia. O vice Michel Temer tenta se manter afastado para não ser acusado no Palácio do Planalto de conspirar contra Dilma.
Hoje Temer foi à reunião do Conselho Político, convidado pela presidente Dilma Rousseff. Não ir poderia parecer que o vice-presidente estaria contra a titular do cargo. Temer, substituto natural no caso de impeachment, ficou agastado desde que Dilma resolveu negociar o ministério diretamente com Picciani. Quando tentou recorrer a seu vice, logo depois, ouviu um não e a resposta de que ela nem sequer o consultara sobre a conversa com líder da bancada. A presidente ainda disse que a articulação era coisa do governador do Rio, Luiz Fernando Pezão, e do prefeito Eduardo Paes, ambos do PMDB, mas de nada adiantou. Mas chamado a opinar sobre as liminares do STF, Temer, que é constitucionalista, advertiu que as decisões poderiam ter deixado todo o poder de decisão nas mãos de Cunha. Era preciso ler com atenção o teor das decisões.
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