“Precisamos
parar com mitos, panaceias, simplismos”, defende o economista
No
debate sobre política fiscal pós-pandemia surge alternativa à lei do teto do
gasto público. Trata-se de uma proposta de substituição do teto por limites
para o crescimento da dívida pública, defendida pelo economista e especialista
em contas públicas Jose Roberto Afonso, em seminário virtual patrocinado pela
Instituição Fiscal Independente (IFI) e pelo Tribunal de Contas da União, na
terça-feira. Tal mudança alinharia o Brasil ao que está ocorrendo em vários
outros países, no mundo pós covid-19, a exemplo da Nova Zelândia.
“Gasto só pode ser âncora para estabilidade supondo que a receita está garantida e será crescente. Com recessão, inflação baixa e a receita indo ladeira abaixo, essa variável perde eficácia”, segundo Afonso. Nesse caso, defende, “a âncora tem que ser a dívida, por teoria e pela experiência internacional. É só ver a literatura, inclusive a recente, reforça isso ainda mais”, diz ele. Afonso cita textos de Vitor Gaspar, diretor do Departamento de Assuntos Fiscais do Fundo Monetário Internacional (FMI), que trata da meta para a dívida, e de Olivier Blanchard e Leandro Zettelmeyer, que advogam uma política fiscal para a União Europeia mais baseada em padrões (“fiscal standards”) que em regras (“fiscal rules”), e em prescrições qualitativas. Este é o chamado Novo Consenso Fiscal, concebido após a pandemia.
Novo
consenso é ter menos regras e mais padrões
“O mais
importante, agora, é construir um regime fiscal, que significa ponderar as
diferentes peças. Conforme a realidade e o tempo, você mexe em uma ou em
outra”, diz Afonso. Não é prudente, segundo ele, colocar todos os ovos em uma
só cesta. A hora, agora, é de consolidar as regras e instituições fiscais. Isso
é matéria muito mais para o Congresso do que para Executivo. “Essa é uma
empreitada para se discutir, para se debater”, sugere ele.
“Precisamos
parar com mitos, panaceias, simplismos. A matéria fiscal é complexa, muda ao
longo do tempo, muda conforme a situação econômica. Se o mundo muda, e mudou
radicalmente, precisamos também mudar as regras”, adianta.
Para o
economista, é preciso separar as regras do jogo da opção de jogo. Isso, em um
campo de futebol, significa que cada time entra com 11 jogadores, a bola é
redonda e tem uma trave de cada lado. Essas são as regras. A estratégia do
jogo, por exemplo, poderá ser jogar mais no ataque ou na defesa.
Neste
momento de recessão, “o jogo da política fiscal é ser expansionista”. Gastar
mais com saúde, com proteção social, aumentar a carga tributária é a política fiscal
predominante mundo afora, sublinha o economista. “A realidade atual exige isso,
temos uma pandemia, uma recessão e uma sociedade que não aceita mais tanta
pobreza e desigualdade”, salienta. Há cinco anos atrás, quando foi aprovada a
lei do teto do gasto público, que limitou a variação da despesa a cada ano à
inflação do período anterior, ou seja, congelou o gasto em termos reais, “não
era essa a opção política. Ali estava se pagando a conta da grande crise
financeira de 2008/2009”.
Uma das
queixas da profusão de regras criadas no país para conter a despesa e,
consequentemente, a trajetória ascendente da dívida como proporção do Produto
Interno Bruto (PIB) é que elas ficaram confusas, por vezes contraditórias e
incompletas. “É um bom momento para consolidar, revisar, debater e, sobretudo,
harmonizá-las”, diz. Afonso sugere consolidar toda a legislação em uma lei
complementar. E o primeiro passo para isso seria desconstitucionalizar as
normas fiscais. “Nenhum país do mundo tem tanta regra de finanças públicas no
texto constitucional, e isso não garantiu estabilidade fiscal ao Brasil.”
É
evidente que nem todos os economistas pensam dessa forma. Mesmo não tendo lá
grandes simpatias pela lei do teto, que precisa ser aperfeiçoada, há os que
advogam o controle direto do gasto público, pois a dívida interna é
consequência do aumento da despesa. Instituída em 2016, a lei do teto foi
inicialmente bastante frouxa, segundo os critérios do governo Michel Temer. A
reforma da Previdência, de 2019, porém não interrompeu o crescimento dos
benefícios acima da inflação. O mais correto, dada a realidade das contas
públicas, seria flexibilizar a regra do teto para que o gasto possa crescer ao
menos pela variação do PIB.
Há quem
veja nesse debate uma peça para enganar as pessoas, “Isso é invencionice para
pegar otários”, diz um ex-ministro da Fazenda. O fato é que a despesa bateu no
teto e ninguém quer rever os gastos. Há, ainda, os que esmiuçam as contas do
Orçamento recém-aprovado para este ano e encontram despesas superestimadas e
não entendem como é que não se aloca recurso para o IBGE fazer o Censo!
Outra
argumentação é a de que estabelecer limite para a dívida interna é dar mais
poder ao Legislativo para que ele possa infernizar a vida do Executivo. Foi
assim com o Congresso americano e o então presidente Obama quando o país perdeu
o rating AAA (triplo A) que era atribuído à sua dívida pública.
Para não
ser uma medida que represente apenas “tirar o sofá da sala”, uma fonte
especialista em administração da dívida deu uma reformulada na proposta de
Afonso de maneira que a dívida seja um gatilho para ações mais duras. Um
exemplo hipotético: se a dívida atingir 93% do PIB, dispara-se o gatilho que
congela os salários do funcionalismo por cinco anos. Hoje a dívida corresponde
a 90% do PIB.
O
problema é se a troca de teto do gasto por limite para a dívida for entendida
apenas como uma troca de termômetro de quem não está querendo fazer ajuste
algum. A experiência de abrir os cofres públicos como medida para estimular a
atividade econômica em 2014 foi traumática. O crescimento até pode surpreender
por um par de meses, mas depois cai e vem a recessão.
Está passando da hora de o país acordar para o que está acontecendo. O Brasil está mudando de categoria e se tornando um país irrelevante para o investimento estrangeiro. Sem disciplina fiscal, o Brasil deixa de ser uma economia interessante e sai do radar do resto do mundo.
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