Não existe boa
história sem ser bem contada, e nisso Marçal Aquino é mestre, com seu passado
de repórter policial
Esperei 16 anos
mas valeu a pena. “Baixo esplendor”, de Marçal Aquino, é sua volta triunfal ao
livro depois de uma longa temporada como roteirista de séries barra pesada na
televisão, como “Força tarefa” e “Supermax”, e de filmes como “O invasor” e “Eu
receberia as piores notícias dos teus lindos lábios” (os dois inspirados em
livros seus). Li todos os seus livros e vi seus filmes. Sou fã. Mas não perco o
espírito crítico, nem meus critérios de qualidade da escrita e da trama, sou
leitor exigente.
Com uma narração fluente e econômica, a história é ambientada no período mais violento da ditadura militar, com um policial que se infiltra em uma grande quadrilha de roubos de carga, se torna amigo de fé do chefe e se apaixona pela irmã dele, uma bela mulher de temperamento e sexualidade intensos. E tem que denunciá-los à polícia e decepcioná-los com a sua traição. Daí para diante tudo é spoiler em uma história eletrizante de crime, ética, amizade e amor.
Não existe boa história sem ser bem contada, e nisso Marçal é mestre, com seu passado de repórter policial, sua familiaridade com a linguagem e com os valores e malandragens da bandidagem e da polícia. É um PhD em submundo do crime. E no uso preciso das palavras, nos seus ritmos e cadências, na sua capacidade de hipnotizar o leitor e levá-lo ao próximo parágrafo, como recomenda mestre García Márquez.
Adorei “Suíte Tóquio”,
de Giovana Madalosso, sobre um confronto entre uma patroa e uma babá que
sequestra sua filha, com a história narrada do ponto de vista de cada uma, e
fui atrás de seus outros livros. “Tudo pode ser roubado” é tão bom quanto, com
as mesmas qualidades do “Suíte”, contando a história de uma encantadora
garçonete de um restaurante chique de São Paulo que seduz e rouba seus
clientes, uma ladra vocacional que rouba tudo, até corações. Mas tudo muda
quando ela tenta roubar uma valiosa primeira edição de “O Guarani”, de José de
Alencar, de 1857, de um professor universitário, e ninguém sabe mais quem está
enganando quem. O resto é spoiler.
Sua escrita
delicada e desbocada, violenta e amorosa, cheia de sexo, humor e ironia, faz o
livro pegajoso, de que você não desgruda.
Parece ficção,
mas é pura verdade, ou uma busca da verdade, sobre o mistério do
desaparecimento de Belchior em “Viver é melhor que sonhar”, dos jornalistas
Chris Fuscaldo e Marcelo Bortoloti, com uma profunda investigação dos dez
últimos anos do artista, que abandonou a carreira, a família e o patrimônio
para se exilar no Uruguai com sua companheira Edna, personagem fundamental numa
fase sofrida de Belchior, sem trabalho, cheio de dívidas e processos, fugindo
de hotéis sem pagar a conta, morando de favor na casa de amigos, dormindo na
rua. Sofrendo muita rejeição, e até fome. Dói no coração ver um artista de sua
estatura, com uma poderosa obra musical e poética, ainda subavaliada, chorando
pra cachorro com tantas dores. Morrendo um pouco cada ano.
“Eu quero que esse canto torto feito faca corte a carne de vocês”, cantou o poeta.
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