O
primeiro ponto é que tudo deve ser questionado
A
reforma tributária deverá ganhar novo impulso no Congresso, já que está
prevista para os próximos dias a apresentação de um relatório sobre o tema. O
que devemos esperar desse movimento? Podemos ter sérias expectativas sobre a
aprovação da proposta?
Em
primeiro lugar, o consenso em torno da questão está longe de ser alcançado.
Existem muitos atores relevantes com posições divergentes. Por exemplo, o setor
de serviços não concorda com a taxação proposta. O governo federal não quer
perder a receita obtida por contribuições não partilhadas com estados e
municípios.
Estados que ganham com o atual ICMS não querem perder com o novo imposto sobre valor agregado (IVA). Governadores querem compensar as perdas decorrentes das eventuais mudanças, mas a União não quer bancar essas perdas.
Burocratas
não querem uma radical simplificação do sistema, o que acabaria esvaziando o
papel de fiscais, auditores etc. Como disse um anônimo: a burocracia aumenta
para atender aos interesses do aumento da burocracia.
O setor
empresarial está dividido. Alguns temem perder isenções e renúncias; outros
querem reduzir a burocracia infernal. A equipe econômica quer implementar uma
reforma por fases, começando pelo IVA e chegando ao IPI e ao imposto de renda
de pessoas jurídicas. O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira
(PP-AL), também defende que a reforma seja feita por partes.
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“Falta
consciência social sobre a necessidade de acabar com benefícios e injustiças do
nosso sistema”
Como
resolver o imbróglio? Vamos pensar em Descartes. O primeiro ponto é que tudo
deve ser questionado e não deve existir nenhuma vaca sagrada no meio do
caminho. O segundo ponto é dividir o problema em tantas parcelas quanto
for possível, para facilitar a sua resolução.
Prosseguindo
com Descartes, deve-se começar tratando dos itens mais fáceis e pouco a pouco
ir avançando sobre o que é mais complexo. Importante também examinar os pontos
de consenso, caso da excessiva burocracia do sistema. Simplificá-la é um
excepcional começo. Por fim, é preciso fazer enumerações completas e revisões
gerais, buscando a certeza de não ter omitido nenhum aspecto do problema.
Voltando
às perguntas iniciais, vou tentar respondê-las. Quanto às expectativas em torno
do sucesso de uma reforma tributária, elas devem ser moderadas. Até mesmo por
não sabermos o que será proposto, nem como será, nem em que tempo. Nem por isso
devemos deixar de tentar estimulá-la.
Com
relação a sua aprovação, devemos considerar que o tema continuará a ser
debatido por algum tempo. Ainda falta conscientização social sobre a
importância da reforma, ou seja, da necessidade de acabar com benefícios e
injustiças existentes em nosso sistema tributário. Nesse sentido, caberia ao
governo começar a reforma tributária dentro do próprio sistema — a reforma da
porta para dentro —, a fim de dar o bom exemplo.
Publicado em VEJA de 5 de maio de 2021, edição nº 2736
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