Não é
possível dissociar os atos de investigação da CPI da Pandemia da natureza
política da atividade inerente ao Parlamento
Nada
mais falso, incongruente e inconsistente que ouvir políticos falando contra a
politização disso ou daquilo. No caso de uma CPI, como agora a que apura ações
e omissões do poder público na gestão da pandemia, soa a uma contradição em
termos. O nome diz tudo: é uma comissão parlamentar de inquérito. Portanto, não
é possível dissociar os atos de investigação da natureza política da atividade
inerente ao Parlamento.
Nas
tentativas de separar uma coisa da outra se evidencia o caráter de falsidade,
incongruência e inconsistência com que suas excelências de governo e oposição
se dirigem à sociedade. Além disso, incorrem em autoincriminação ao atribuir à
política um sentido nefasto de contaminação virulenta.
Quando fazem isso, já se colocam no banco dos réus diante do tribunal da opinião pública, reforçando a ideia de que a política é um ofício de aproveitadores, terreno por onde só transitam más intenções e ações deletérias.
Que o
senso comum tenha essa imagem admite-se, dada a contribuição na produção de
malfeitorias de visibilidade que nenhuma outra atividade tem. Dos profissionais
do ramo, contudo, espera-se atitude não apenas mais criteriosa, mas, sobretudo,
pedagógica, a fim de demonstrar o inverso.
Ao se
apegar à argumentação de que os trabalhos da CPI serão eminentemente
“técnicos”, os senadores mentem e no subtexto dizem que não há seriedade
possível no exercício da política. Além disso, enveredam pelo campo que
interessa ao governo federal, que é bater na tecla das acusações de politização
(no mau sentido) dos trabalhos da comissão.
O que
vai acontecer pelos próximos meses no Senado não é um julgamento de tribunal
nem investigação submissa aos ditames de uma polícia ou de um Ministério
Público. Nessas últimas o silêncio no curso dos trabalhos é a alma do negócio.
Em CPIs, a chance do êxito maior se constrói quanto mais visíveis forem as
investigações. Ademais, não é certo tomar o “técnico” como antônimo de
“político”. Tecnicalidades não são garantias de eficácia e/ou de condução
moralmente correta de procedimentos. Às vezes, muito ao contrário.
“É
impossível dissociar o ato de investigar da natureza política da atividade
parlamentar”
Há que
ter discernimento: uma coisa é a essência da função parlamentar, outra é o uso
eleitoral mediante truques, falsificações, omissões, parcialidades fraudulentas
e sobreposição de conveniências pessoais aos interesses do público. Se
enveredar por esse caminho, a CPI da Covid cairá no descrédito e estará fadada
ao fracasso.
Pode
acontecer? Pode, já vimos comissões de inquérito no Congresso (a maioria,
aliás) embarcarem nessa canoa. Não parece ser o caso em tela. Primeiro, em
razão do volume de evidências já produzidas. Se de um lado isso dificulta a
defesa do governo federal, e mesmo dos estaduais com indícios de culpa no
cartório, de outro funciona como barreira de contenção a desvirtuamentos
justamente devido à exposição dos fatos sobre os quais trabalhará a CPI.
Qualquer tentativa de manipulação mais esquisita será facilmente detectada pelo
público e utilizada como arma de contra-ataque por parte do Planalto e
adjacências.
O
segundo sinal de que a investigação do Senado tende a se manter no prumo é a
composição da comissão. Só tem cobra criada, notadamente na ala oposicionista,
na qual se incluem os ditos independentes. Gente experiente o bastante para
detectar e se desviar de armadilhas.
Entre
titulares e suplentes há cinco ex-governadores, dois ex-presidentes do Senado,
um ex-ministro da Saúde e dois líderes de bancada, sendo um do MDB e o outro da
oposição. Do lado governista, composto de uma desconfortável minoria de 4 x 7,
o nome de maior destaque é o de Ciro Nogueira, presidente do PP.
Tal
correlação de forças, quantitativa e qualitativamente falando, confere
tranquilidade suficiente aos que ali estão dispostos a não dar trégua aos
desmandos de Jair Bolsonaro, e de qualquer outro governante, para que o façam
sem recorrer a expedientes insidiosos ou a artificialidades que transformem a
CPI num triste espetáculo de vaidades eleitorais.
Farão
política sim, pois esse é o nome do jogo no Congresso. Ou o relator foi
escolhido e é temido por alguma razão que não seja política? Senadores não são
magistrados. Tampouco estão por isso autorizados a se utilizar de uma comissão
de inquérito (ainda essa cujo tema é uma tragédia humanitária) como palanque ou
picadeiro.
Publicado em VEJA de 5 de maio de 2021, edição nº 2736
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