Parece não haver
lugar para a decência no Brasil. Além dos desencontros diários do presidente
Bolsonaro com a língua portuguesa, o bom senso e a empatia, não raro seus
ministros inundam a República com persecutórias aleivosias. O camelô da 25 de
março que faz as vezes de ministro da Economia, o personagem de Dante, Paulo
Guedes, durante uma reunião do Conselho de Saúde Suplementar na última
terça-feira – que ele não sabia que estava sendo gravada – expressou, sem
receios, todo o seu olhar sinistro sobre o Brasil, os brasileiros e o nosso
tenebroso tempo. “Nas universidades públicas ensinam Paulo Freire, sexo para
crianças de 5 anos e há maconha e bebidas nas unidades de ensino mantidas pelo
governo”, professorou Paulo Guedes emulando as mais “eruditas” teses
bolsonaristas. E num araujiano assombro diplomático acusou os chineses de terem
inventado o coronavírus e uma vacina menos efetiva do que a vacina
americana. “Os americanos têm 100 anos de investimento em pesquisa. Os
caras falam: qual é o vírus? É esse? Tá bom. Decodifica. Tá aqui a vacina da
Pfizer. É melhor que as outras. Então, vamos acreditar no setor privado”, vociferou
Guedes, bolsonaristicamente, emporcalhando os fatos e a inteligência. Outras
aberrações animaram a confraria palaciana que contou com a presença, dentre
outros, dos ministros Luiz Eduardo Ramos, Marcelo Queiroga e Anderson Torres.
As insanidades dessa reunião foram tamanhas que se acredita que as ofensas primitivas do ministro Paulo Guedes, vazadas deliberadamente, cumprem uma estratégia no sentido de construir uma nova crise diante dos prováveis avanços da CPI da Covid instalada no início da semana no Senado. “Olha aí uma estratégia já até desbotada no governo federal. Sempre que um ministro não consegue cumprir o prometido ao povo brasileiro, para desviar a atenção do seu fracasso, copia uma das narrativas cretinas dos bolsonaristas ‘terraplanistas’ e soltam na mídia como se fosse uma ‘pérola’,” disse o deputado Fausto Pinto, presidente da Frente Parlamentar Brasil-China, formada por cerca de 270 deputados e senadores.
Bolsonaro, desde
a sua posse na presidência da República, vem ofendendo a vida, a dignidade
humana, a razão, a ciência, a decência, as instituições, a democracia, a Nação
e a República. As tensões, artificiais e reais, sempre animaram o não-fazer do
governo Bolsonaro. Do escandaloso descaso com a pandemia, passando pela sua
evidente cumplicidade com os crimes ambientais, até as suas constantes
sinalizações de que, a qualquer tempo, convocará as Forças Armadas para conter
os seus fantasmas, Bolsonaro nunca sentiu, de maneira tão evidente, que o poder
não está e nem nunca esteve exatamente em suas mãos.
As CPIs, no
Brasil, costumam não dar em nada. É sempre plausível! Mas podem abrir as portas
para o impeachment do presidente da República, como aconteceu com o
ex-presidente Fernando Collor. Podem também imobilizar o governo, paralisar as
aspirações políticas e eleitorais do presidente em exercício, como aconteceu
com o ex-presidente Michel Temer que, para conter uma ameaça de um eventual
impeachment ou da instalação de uma CPI, não teve condições de se candidatar
para um segundo mandato.
Um outro fantasma
de Bolsonaro, ainda não devidamente valorizado pela mídia, é a eventual candidatura
do senador Tasso Jereissati à presidência da República. Lula, Ciro, Eduardo
Leite, Doria e Huck não assustam exatamente a reeleição de Bolsonaro. Ao seu
modo, cada um desses nomes evidencia suas fragilidades, ainda que o nome de
Ciro Gomes apresente significativas vantagens e qualidades diante dos demais.
Já o senador Tasso Jereissati é um personagem diferente. Ele jamais bateu à
porta do poder ou empurrou portões de Palácios para se fazer presente na cena
pública com o devido destaque. Em 1986, foi convidado para ser candidato ao
governo do Ceará, inaugurando a Nova República cearense. Desde então, tornou-se
uma das vozes mais respeitadas e acreditadas no universo político do País.
Talvez a única
vez que ele tenha se colocado, deliberadamente, à frente de uma disputa
política tensa em seu partido, tenha sido na sucessão do presidente Fernando
Henrique Cardoso. Na ocasião, Tasso sabia que o senador José Serra, que
empurrava a porta do Palácio no momento, não teria condições de vencer o
candidato do PT. Ele sabia que a elite paulista e o mundo empresarial temiam,
por motivos justos ou não, o nome de Serra na presidência da República. Tasso
seria o único nome tucano, naquele momento, com chances reais de vencer o Lula
e por isso lutou pela indicação na legenda. Ele perdeu no PSDB e o partido
perdeu o poder pelas urnas. Essa história deve ser mais rica e bem mais
interessante, mas, objetivamente, foi isso o que aconteceu.
Agora, assim como
em 1986, Tasso está sendo convocado para ser o candidato que daria qualidade à
disputa presidencial, que seria apenas medíocre entre Lula e Bolsonaro. Claro,
ainda é muito cedo para previsões. Mas o senador Tasso Jereissati jamais
deixaria o seu nome ser colocado como presidenciável e menos ainda se colocaria
a disposição da sua legenda, se as conversas, avaliações, possibilidades,
articulações, meios e modos, já não estivessem devidamente analisados.
São boas as
razões para as apreensões de Bolsonaro e dos bolsonaristas. O senador
Jereissati não se fez como homem público tangendo plateias ou sujando os
tapetes. De um modo geral, abrem a porta e o convidam. A conferir!
*Jorge Henrique Cartaxo, jornalista, cientista político e historiador
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