quinta-feira, 16 de março de 2023

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

CPMI dos atos golpistas é só diversionismo

O Globo

Congresso tem tarefas mais relevantes, como as reformas administrativa, tributária e o novo marco fiscal

Os atos golpistas do 8 de Janeiro são investigados pela Polícia Federal, pela Procuradoria-Geral da República e contam com empenho do Supremo. Por isso mesmo o Congresso tem mais o que fazer do que perder tempo com uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) sobre o assunto, iniciativa do deputado André Fernandes (PL-CE) que já reuniu assinaturas suficientes para a leitura do requerimento. Outra tentativa de abrir uma comissão para investigar os ataques, da senadora Soraya Thronicke (União-MS), foi descartada pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), por ter sido iniciada na legislatura anterior.

A verdade é que não há com que deputados e senadores possam contribuir. Quem defende a CPMI quer apenas tumultuar. Vários apoiam teses segundo as quais os culpados são vítimas e as vítimas culpados. O país não precisa de um novo circo de embate político, e o Congresso tem pautas mais relevantes para tratar, como o novo marco fiscal e a reforma tributária.

 “CPI a gente sabe como começa, mas não como termina”, reza a velha máxima de Brasília. Muitas nem terminam, e a maioria não chega a lugar nenhum. Claro que há CPIs com resultados positivos. A Lei do Feminicídio, de 2015, foi inspirada em proposta elaborada pela CPMI da Violência contra a Mulher, de 2012 e 2013. A CPI da Pedofilia, de 2008 a 2010, resultou em avanços, ao elevar o prazo de prescrição de crimes sexuais contra crianças e adolescentes. A CPI do Judiciário, de 1999, expôs desvios no Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo. A CPI do PC Farias foi determinante para o impeachment de Fernando Collor. As CPIs dos Anões do Orçamento e do Mensalão desvendaram esquemas de corrupção. E a CPI da Covid trouxe evidências fundamentais sobre a omissão criminosa do governo Jair Bolsonaro durante a pandemia.

Mas essas são exceções numa miríade de CPIs que não deram em nada ou serviram apenas para satisfazer a interesses políticos, com ameaças de investigação para chantagear alvos ou tratamento VIP em depoimentos de testemunhas célebres. A Constituição prevê que CPIs podem ser criadas por Senado ou Câmara, em conjunto ou separadamente. O pré-requisito é a assinatura de um terço dos parlamentares. Uma vez instaladas, podem determinar diligências, requisitar documentos, quebrar sigilos ou ouvir testemunhas. Nenhum desses poderes é necessário neste momento para esclarecer o que aconteceu no 8 de Janeiro, já que PGR, PF e STF fazem seu trabalho.

O fato de Jair Bolsonaro, mesmo no exterior, ter articulado a criação da CPMI dos atos golpistas é evidência de que o objetivo é causar confusão. No poder, ele fez de tudo para disseminar desinformação sobre as urnas eletrônicas e não disse uma palavra de sensatez para desmobilizar seus acólitos acampados perto de quartéis. Agora, depois da violência contra a democracia, quer jogar a culpa no PT, sonhando até com um impeachment. Parece deboche.

Eleitos em outubro, os congressistas deveriam se ocupar de pautas com impacto na vida da população. O Parlamento tem responsabilidade pelo atraso do Brasil na agenda de reformas. Não há tempo a perder com teatro. Esta legislatura tem a oportunidade de aprovar uma reforma tributária decente, de tirar da geladeira a reforma administrativa e de instituir um marco fiscal com credibilidade diante do mercado. É nisso que precisa se concentrar.

Suspensão da venda de ativos da Petrobras provocará paralisia no setor

O Globo

Decisão do governo Lula congela investimentos em óleo e gás antes estimados em R$ 40 bilhões até 2029

No momento em que as companhias independentes de petróleo, as junior oils, preparavam o lançamento de ações em Bolsa para se capitalizar e investir no aumento da produção, o governo se encarregou de mudar as regras da atividade, paralisando todos os projetos de crescimento e obrigando os empresários a engavetar planos para novos negócios, fusões e aquisições que fortaleceriam o setor.

Não bastasse a decisão sem sentido de taxar as exportações de petróleo — ainda que por quatro meses —, agora o governo suspendeu a venda de ativos da Petrobras, incluindo campos de produção que não interessam mais à empresa. Espalhou com isso uma insegurança sobre o setor capaz de paralisar qualquer novo projeto. A reação das empresas é compreensível, já que tudo pode mudar de uma hora para outra dependendo de uma ordem emitida do Planalto.

De acordo com cálculos obtidos pelo GLOBO, apenas três dessas companhias independentes de petróleo pretendiam investir R$ 5,8 bilhões em polos de produção na Bahia, no Espírito Santo e no Rio Grande do Norte. Como um todo, as junior oils estimavam investir R$ 40 bilhões até 2029, criando mais de 300 mil empregos no interior das regiões Sudeste, Centro- Oeste e Nordeste, segundo a Associação Brasileira de Produtores Independentes de Petróleo e Gás (Abpip). A perspectiva era mais que dobrar a produção do conjunto de empresas, de 225 mil para 500 mil barris diários.

Nada pior para o planejamento das empresas que a falta de estabilidade nas regras. A justificativa para a suspensão de vendas de ativos da estatal é que Lula pretende reavaliar a Política Energética Nacional. Para isso, não era preciso suspender a venda de campos antigos, em curso desde 2015, quando a Petrobras decidiu se desfazer de áreas de produção que não eram mais rentáveis para uma companhia de grande porte.

As junior oils surgiram para aproveitar a oportunidade oferecida pelo óleo e pelo gás que ainda existem nesses campos. Investimentos são suspensos, empregos deixam de ser criados e regiões pobres no interior, onde geralmente ficam essas áreas produtivas, perdem renda.

Não faz sentido taxar exportação de petróleo, porque mudam-se regras que deveriam ser estáveis para investimentos que já foram decididos. Menos ainda interromper a venda das áreas de produção, porque afastam-se novos investimentos. O melhor que o governo pode fazer é recuar nas duas decisões. Quanto à Petrobras, deveria se dedicar ao que o mercado demanda de uma petrolífera de grande porte: explorar o petróleo em águas profundas, prospectar o pré-sal e desenvolver fontes limpas de energia.

O mistério das joias

Folha de S. Paulo

Depoimento de ex-ministro só aumenta dúvidas sobre presente saudita a Bolsonaro

Nas aventuras de Sherlock Holmes, o detetive de Arthur Conan Doyle sempre se pauta pela separação meticulosa dos fatos antes de elaborar a tese a ser testada acerca da ocorrência de um crime. Não raro, contradições discretas mudavam o rumo das investigações.

Na vida real do Brasil de 2023, a sutileza passa bem longe. A apuração do opaco episódio das joias que o governo da Arábia Saudita teria enviado como presente para o então presidente Jair Bolsonaro (PL) tem revelado um cipoal de versões discrepantes.

O novo capítulo foi o depoimento dado pelo almirante Bento Albuquerque, ex-ministro de Minas e Energia, à Polícia Federal na terça-feira (14). Ele afirmou ter trazido, após reuniões no país árabe em 2021, dois conjuntos de joias sem saber do que se tratava.

Só descobriu, disse, quando seu assessor que carregava um estojo avaliado em R$ 16,5 milhões foi flagrado tentando entrar no país sem declará-lo à Receita Federal. Já em vídeo de segurança do aeroporto de Guarulhos, o almirante alegou que eram para a então primeira-dama, Michelle Bolsonaro, mas a carteirada não funcionou.

Em sua oitiva na PF, Albuquerque mudou a versão —reafirmada em entrevistas quando o caso emergiu neste ano— ao dizer que apenas supôs que os presentes eram para Michelle, e que o destinatário do mimo seria a impessoal União.

A explicação dada pelo almirante desmonta a alegação da defesa de Bolsonaro de que os agrados eram "personalíssimos" e poderiam, assim, serem levados para casa pelo então mandatário —o que de resto já contradizia a negativa inicial de conhecimento sobre o caso.

Para piorar, ainda será apurado o caminho de um segundo conjunto de joias, este masculino, que estava na bagagem de um dos membros da comitiva e escapou da interceptação pela Receita.

O ex-ministro o manteve de forma incompreensível em um cofre, e o material foi entregue a Bolsonaro em novembro de 2022, enquanto o estojo apreendido em 2021 foi objeto de oito tentativas frustradas de recuperação por parte da Presidência perante o fisco.

Nada no caso parece se encaixar, a começar pelo valor dos presentes, acima da já bem generosa média dos agrados da monarquia absolutista do Golfo. Já o transporte do material nas raias da ilegalidade apenas exacerba as dúvidas sobre a natureza do presente.

O caso constrange também os sauditas, mudos até aqui, não menos porque Albuquerque esteve reunido na viagem com a gigante petrolífera estatal Aramco, que é negociada em Bolsa nos EUA —o que implica regras draconianas sobre relações com governos, como oferecimento de presentes suspeitos.

O teste de Macron

Folha de S. Paulo

Reformista francês tenta mudar aposentadoria no país recordista em gasto público

Quase seis anos depois de assumir a Presidência francesa com uma plataforma reformista, Emmanuel Macron pode ter nesta quinta-feira (16) um dia decisivo para o penoso plano de rever as normas previdenciárias do país.

Em seu segundo mandato, Macron volta a se deparar com massivos protestos de rua contra restrições propostas para as condições de aposentadoria. A primeira tentativa acabou interrompida pela pandemia e deu lugar a um projeto menos ambicioso.

As imagens que inevitavelmente simbolizam a nova onda de resistência feroz à reforma são da capital Paris coberta por toneladas de lixo. Trata-se de efeito da greve dos coletores, que hoje têm direito de se aposentar aos 57 anos —o governo quer elevar essa idade mínima a 59 anos.

Mudanças previdenciárias são controversas em qualquer sociedade, por estarem em jogo direitos fundamentais e o próprio contrato entre cidadãos e poder público. Na França, as reações são proporcionais a um Estado superlativo.

Ali está o maior gasto governamental do planeta, equivalente a 55% do Produto Interno Bruto, chegando aos 60% durante o enfrentamento da pandemia, segundo dados do Fundo Monetário Internacional (FMI).

No Brasil, que se destaca em hipertrofia estatal entre os emergentes, são 45%.

O dispêndio francês com o sistema de aposentadorias é o terceiro maior do mundo rico, atrás apenas dos de Itália e Grécia, consumindo cerca de 14% do PIB —o desembolso brasileiro, quando se consideram União, estados e municípios, aproxima-se desse patamar.

Perto da votação conclusiva no Legislativo, a reforma de Macron tem como principal proposta a elevação, de 62 para 64 anos, da idade mínima geral para aposentadoria. Não há nada de draconiano aí. Grande parte dos países ricos e remediados já adota um piso de 65 anos —aqui, ele vale para os homens, sendo de 62 o das mulheres.

Lá como aqui, o argumento em favor da mudança é a insustentabilidade do sistema com o envelhecimento da população: se nada for feito, os encargos previdenciários ocuparão parcelas crescentes do Orçamento e exigirão cortes em outras prioridades ou alta escorchante dos impostos.

A verdade é que, dados os enormes obstáculos políticos, as reformas em geral são feitas com atraso, já sob pressão da asfixia econômica. Assim foi no Brasil e é na França.

Orçamento secreto 2.0

O Estado de S. Paulo.

Ao que parece, tudo mudou em Brasília para permanecer como era. Governo pode ser novo, mas o rateio de recursos do Orçamento sem transparência segue mais vivo do que nunca

O esquema do orçamento secreto, revelado por este jornal em maio de 2021, pode ter acabado do ponto de vista formal depois que o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou sua gritante inconstitucionalidade, em dezembro de 2022. Porém, a distribuição de vultosos recursos do Orçamento da União entre parlamentares escolhidos a dedo continua envolta por uma névoa de mistério, em desabrida afronta à Constituição.

Seguindo o famoso conselho do oportunista Tancredi no romance O Leopardo, de Lampedusa, tudo aparentemente mudou em Brasília para permanecer exatamente como era. Vale dizer, o Palácio do Planalto continua submisso às vontades de um Congresso que não só foi capaz de manter, como ampliou sua esfera de poder mesmo após o revés no STF. Ninguém duvida que a caciquia do Poder Legislativo segue forte o bastante para exigir contrapartidas nem sempre republicanas por seu apoio às questões de interesse do chefe do Poder Executivo – seja quem for.

Reportagem do Estadão revelou que o governo do presidente Lula da Silva, decerto em combinação com a cúpula do Congresso, engendrou um novo modelo de transferência de recursos orçamentários para parlamentares ungidos depois que o STF ordenou o fim dos repasses por meio das chamadas emendas de relator (RP9), base do orçamento secreto. Na prática, o estratagema consiste em cumprir a decisão da Corte Suprema em seus aspectos formais ao mesmo tempo que dá sobrevida, por outros meios, à distribuição de recursos orçamentários ao abrigo do escrutínio da sociedade.

A técnica dessa espécie de “orçamento secreto 2.0” pode ser distinta, mas, na essência, o esquema em nada difere da artimanha de Jair Bolsonaro para comprar a base de apoio congressual que lhe valeu, entre outras coisas, a permanência no cargo, malgrado o fato de o ex-presidente ter gabaritado a lei dos crimes de responsabilidade.

Há poucos dias, as ministras do Planejamento, Simone Tebet, da Gestão, Esther Dweck, e o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, assinaram uma portaria definindo o novo processo de liberação de emendas parlamentares pelo Palácio do Planalto. O documento, no entanto, não estabelece qualquer mecanismo objetivo que assegure a transparência sobre os dados dessas transferências, como, aliás, determinou o STF.

Fundamentalmente, a portaria apenas centraliza na pasta das Relações Institucionais a negociação com o Congresso em torno da distribuição das verbas por meio de projetos de outros Ministérios. Questionada pela reportagem, a assessoria do ministro Alexandre Padilha não soube responder como o cidadão poderá consultar os nomes dos parlamentares agraciados com a liberação das emendas, nem tampouco os valores e a destinação dos recursos.

Como disse ao Estadão a procuradora do Ministério Público de Contas do Estado de São Paulo Élida Graziane, não houve mudança fundamental de um modelo de distribuição de recursos do governo Bolsonaro para o governo Lula da Silva. A falta de transparência no manejo do Orçamento da União permanece. “Há uma fortíssima tendência de a execução (das emendas) repetir o que foi o ‘orçamento secreto’, que é liberar o dinheiro sem aderência ao planejamento, de forma discriminatória, escolhendo os beneficiários sem nenhum filtro”, disse a procuradora.

Parece que foi há muito tempo, mas durante a campanha eleitoral do ano passado, o então candidato Lula da Silva chegou a dizer em alto e bom som que “fizeram um tremendo carnaval com o mensalão”, mas, segundo o petista, o orçamento secreto seria “a maior excrescência política orçamentária deste País”. Lula prometeu acabar com a prática antirrepublicana, que, em suas palavras, fizera de seu antecessor um “bobo da corte” nas mãos do Congresso. Mas só a ingenuidade ou o desconhecimento do passado da era lulopetista autorizavam a crença de que algo, de fato, haveria de mudar na relação entre o Executivo e o Legislativo.

É legítimo que o Poder Legislativo, como representante da sociedade e da Federação, disponha de parte do Orçamento da União. Emendas parlamentares são usuais em países de democracia consolidada. O que não tem cabimento é a falta de transparência no manejo desses recursos, ao arrepio do espírito constitucional.

Lira e a farra das medidas provisórias

O Estado de S. Paulo.

É surreal que um senador tenha de recorrer ao STF para fazer cumprir o rito constitucional das MPs, impedindo manobra do presidente da Câmara que permite desfigurá-las

O senador Alessandro Vieira (PSDB-SE) ingressou com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) para obrigar o presidente da Câmara, Arthur Lira (PPAL), a retomar imediatamente o rito constitucional das medidas provisórias (MPs). No mandado de segurança, o senador menciona um ato assinado pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que restabelece a tramitação ordinária e a instalação das comissões mistas para todas as MPs editadas a partir de 1.º de janeiro.

Há mais de um mês, Lira protela a assinatura desse ato, atitude que explica, em parte, a letargia que tem marcado os trabalhos do Congresso neste ano. Não é coincidência que nada de útil tenha sido apreciado pelos parlamentares desde o início da nova legislatura: enquanto Lira não firma o ato, Pacheco se recusa a enviar as MPs à Câmara. Assim, quase 30 medidas provisórias estão paradas, 11 das quais editadas pelo presidente Lula da Silva, e algumas podem perder validade se não forem deliberadas até abril.

Na ação, Vieira acusa Lira de cometer ato “ilegal e abusivo consubstanciado na inércia da autoridade coautora” e “flagrante atentado” contra o texto constitucional. “A Constituição estabelece um regime específico para a tramitação de Medidas Provisórias, e o que hoje acontece é uma subversão desse regime por uma determinação e um capricho do presidente da Câmara dos Deputados”, afirmou Vieira, em discurso no Senado.

Tem toda a razão o senador, mas é surreal que ele tenha de recorrer ao Supremo para garantir o cumprimento de algo que a Constituição definiu de forma tão cristalina. Fruto de emenda constitucional de 2001, o artigo 62 menciona expressamente as comissões mistas, compostas por igual número de deputados e senadores, como as responsáveis por emitir parecer antes que os textos sejam submetidos ao plenário da Câmara e do Senado.

O mesmo assunto já foi tratado pelo STF há exatos 11 anos. Em março de 2012, o STF determinou à Câmara e ao Senado que respeitassem a Constituição e adotassem, obrigatoriamente, a instalação de comissões mistas para toda medida provisória. É função desses colegiados analisar se as MPs cumprem os pressupostos de relevância e urgência que asseguram sua edição por parte do Executivo, analisar o mérito das propostas e elaborar o parecer que irá a votação em plenário.

Na pandemia de covid-19, para evitar aglomerações e proteger os parlamentares, esse procedimento foi revisto. Além de permitir deliberações a distância, o Congresso suspendeu as comissões mistas e passou a analisar as MPs diretamente em plenário. O mais interessante é que um dos fatores considerados pelos ministros do STF no caso julgado em 2012 foi a mesma “polêmica” que voltou à tona neste ano: mudanças profundas no teor das medidas provisórias, aprovadas por meio de emendas propostas em plenário, sem que houvesse uma “reflexão mais detida” em comissão, segundo mencionou o voto do ministro Luiz Fux.

Pelo rito constitucional, as emendas às MPs são apresentadas na etapa da comissão mista. O relator pode ou não acatá-las sem seu parecer e, caso elas não sejam acolhidas, os parlamentares podem destacá-las em plenário, desde que elas já tenham sido apresentadas à comissão. Não é permitido, no entanto, apresentar novas emendas à MP na fase de plenário – e é contra isso que se insurge o presidente da Câmara.

O rito expresso pandêmico deu a Lira poder para alterar leis em tempo real, no momento em que as MPs entravam na pauta das sessões. O protocolo também assegurou à Câmara não só a primeira, como a última palavra sobre as MPs, já que alterações feitas pelo Senado poderiam ser retiradas da redação final sem dificuldades – como foram em muitas ocasiões nos últimos três anos.

A pior fase da pandemia de covid-19, felizmente, foi superada. Já não há mais nada a amparar a conduta de Lira ou a continuidade deste rito excepcional de tramitação de medidas provisórias. Nesse caso, não há decisão nem acordo possível que não passe pelo simples cumprimento da Constituição e pelo retorno das comissões mistas.

O jogo ainda é ilegal no Brasil

O Estado de S. Paulo.

Casas de apostas esportivas online desrespeitam a legislação brasileira, que proíbe jogos de azar

Em 1941, a Lei de Contravenções Penais (Decreto-Lei 3.688/1941) proibiu os jogos de azar no País, fixando pena de prisão de três meses a um ano para quem estabelecer ou explorar “jogo de azar em lugar público ou acessível ao público”. A lei é cristalina. Afora as apostas sobre corrida de cavalos, que continuaram autorizadas, “consideram-se jogos de azar as apostas sobre qualquer outra competição esportiva”. Apesar da proibição legal, alguns cassinos funcionaram até 1946, quando o Decreto-Lei 9.215/1946 reiterou a vigência da proibição dos jogos de azar.

Desde então, houve muitas tentativas de legalizar o jogo no Brasil, mas sempre foram rechaçadas, em razão dos muitos danos sociais causados pela jogatina. Em 2015, reiterando a proibição da Lei de Contravenções Penais, o Congresso modificou o DecretoLei 3.688/1941 para incluir na pena de multa “quem é encontrado a participar do jogo, ainda que pela internet ou por qualquer outro meio de comunicação, como ponteiro ou apostador”.

No ano passado, houve mais uma tentativa para legalizar cassinos, bingos, jogo do bicho e apostas esportivas. A Câmara dos Deputados aprovou um novo texto do Projeto de Lei (PL) 442/91, mas felizmente o Senado mostrou-se menos açodado. O tema não foi ainda à votação pela Casa. O jogo de azar continua proibido no País.

Todo esse itinerário de resistência à jogatina, que também se relaciona com uma das grandes batalhas dos tempos atuais – a prevenção da lavagem de dinheiro e do financiamento do tráfico de drogas e do terrorismo –, vem sendo acintosamente ignorado pelas apostas esportivas online. Quem assiste a uns minutos de televisão no Brasil tem a impressão de que o jogo de azar foi inteiramente liberado no País, tal é a presença de comerciais de casas de apostas pela internet.

Como mostrou o Estadão, são empresas com sede no exterior – nem sequer estão localizadas aqui – que oferecem, de forma massiva e reiterada, sem nenhuma fiscalização, serviços de apostas esportivas aos brasileiros. No futebol, elas se tornaram onipresentes, patrocinando quase todos os clubes da série A do Campeonato Brasileiro.

A situação é um acinte com a legislação brasileira e com o próprio Congresso. Aqui faz-se necessário um esclarecimento. Ao contrário do que alguns alegam, a Lei 13.756/18 não liberou os jogos de azar no País. Originalmente, ela era uma Medida Provisória para tratar do Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP). No Congresso, ganhou um capítulo sobre “apostas de quota fixa”, “sob a forma de serviço público exclusivo da União”, a serem exploradas mediante autorização ou concessão do Ministério da Fazenda, que nem sequer regulamentou o tema.

A Lei 13.756/18 é ruim e mal redigida. De toda forma, ela não autoriza o que essas empresas de apostas situadas no exterior vêm fazendo no Brasil. Além de revelar a voracidade do setor e seu baixo compromisso com a lei, esse cenário de apostas pela internet reforça a importância de não legalizar o jogo. Se é assim antes de liberar, o que será depois?

Sob pressão, BCE decidirá futuro do aperto monetário

Valor Econômico

Diante do menor sinal de risco bancário, a prudência acabará se revelando o melhor caminho

Os bancos suíços já foram os mais seguros do mundo - não mais. O Credit Suisse, que chegou a ser oitavo maior banco do mundo, foi tragado por uma espiral de maus negócios, operações suspeitas de lavagem de dinheiro e fraudes fiscais nos Estados Unidos e na França e, agora, por desconfianças letais sobre suas demonstrações financeiras. Com a quebra do Silicon Valley Bank e mais duas instituições financeiras americanas, ondas de insegurança entre os investidores se espalharam do outro lado do Atlântico. Um dos elos frágeis do sistema bancário europeu, o Credit Suisse viu suas ações caírem 24% ontem, em uma sequência de perdas de valor de mercado que atingiu 85% em dois anos. O preço de seus papéis passou a valer menos que o de uma barra de chocolate (suíço).

Não havia pior momento para que a consultoria PwC anunciasse sua “opinião adversa sobre a eficácia de controle interno sobre os relatórios financeiros”. Anteontem, o CEO do banco, Axel Lehmann, mencionara “fraquezas materiais” da situação financeira da instituição e outros analistas preferiram apontar “debilidades significativas”. Seja qual for o termo, ele expressa a grave enrascada em que se meteu o banco, o 44º do mundo por ativos e o 17º maior europeu.

A negativa de injeção de capital por um dos grandes acionistas, o Saudi National Bank, que detém 10% do capital, foi a gota d’água para que a instituição recorresse ao Banco Central da Suíça em busca de apoio. O BC disse no fim do dia que abriria, se necessário, uma linha de assistência de liquidez ao Credit, que, com o UBS, domina o sistema financeiro local e, por décadas, foram sinônimos da segurança do país como centro financeiro global. Segundo o BC suíço, o Credit atende os requisitos de capital e liquidez exigidos dos bancos sistemicamente importantes. No fim de 2022, o banco perdeu US$ 111 bilhões em depósitos e continua perdendo, em ritmo menor.

Na Arábia Saudita, aonde foi pedir dinheiro, Lehmann disse que o Credit tem um “balanço forte”, que está em meio a uma reestruturação radical para estancar perdas e que uma ajuda financeira do BC suíço “não é uma questão” para o banco. Suas declarações a esta altura valem tanto quanto as ações da instituição. Os ‘credit default swaps” do banco, termômetro das possibilidades de falência, atingiram ontem a marca dos 1.145 pontos - o de papéis do Brasil era de 224 e os da Argentina, 1.031.

A quebra de bancos regionais americanos, a delicada situação do Credit e a inquietação quanto à existência ou não de mais instituições com fragilidades financeiras ampliaram o desafio do Banco Central Europeu, que se reúne hoje para definir os próximos passos de sua política monetária e já havia indicado como certo mais um aumento de 0,5 ponto percentual na taxa de juros, de 2,5%. Ao mesmo tempo, a autoridade monetária pediu aos principais bancos da zona do euro que relatassem seu grau de exposição ao Credit.

O BCE está diante da mesma equação com a qual o Fed se defrontará na semana que vem. Uma corrente de investidores de peso acredita que o aperto monetário é um dos principais responsáveis pelos sintomas de crise bancária que estão emergindo. Ray Dalio, dirigente de um dos maiores fundos de hedge, o Bridgewater, vê na falência do SVB o exemplo clássico de estouro de uma bolha de crédito-débito por juros altos, que atingirá ativos de longo prazo alavancados e que só será brecada com a interrupção do aperto monetário e a volta do “quantitative easing”. Larry Fink, que pilota o BlackRock, com gestão de ativos de US$ 8,6 trilhões, vai na mesma linha e vê as recentes quebras como “preço a pagar por décadas de dinheiro fácil”.

Ainda que o ambiente seja o mesmo - o aperto monetário nos dois lados do Atlântico - há poucas semelhanças entre os bancos em dificuldades, exceto erros estratégicos e má gestão. Ainda assim, tanto o Fed como o BCE têm motivos para reduzí-lo ou pausá-lo para ver a extensão dos estragos no sistema financeiro. Não faz sentido prosseguir com a mesma intensidade a redução de liquidez com juros mais elevados e redução dos títulos em seus balanços se, por outro lado, o Fed faz o contrário para evitar corridas bancárias.

As perdas contábeis não realizadas, com títulos do Tesouro e hipotecas adquiridos a juros baixos e que se desvalorizam com a alta somam até agora US$ 600 bilhões nos EUA. No balanço do próprio Fed, há perda de US$ 38 bilhões. Mas a inflação, com toda a carga de juros, cai lentamente e se mantém ainda distante da meta do BCE e do Fed. Diante do menor sinal de risco bancário, a prudência acabará se revelando o melhor caminho.

2 comentários:

Anônimo disse...

"Folha de S. Paulo
Depoimento de ex-ministro só aumenta dúvidas sobre presente saudita a Bolsonaro"

Não há dúvida. O joiagate é corrupção mesmo. Remuneração pelos serviços prestados pelo genocida ao comprador da refinaria.
$16,5 MI de presente sem contrapartida? Eh, articulista inocente!

Anônimo disse...

Jair Messias Bolsonaro, o Groja