segunda-feira, 22 de janeiro de 2024

Glenn Greenwald* - Propaganda pró-Israel

Folha de S. Paulo

Fantástico apresenta defensor do país como fonte neutra e exclui perspectiva palestina

A edição do último domingo (14) do Fantástico apresentou uma rápida e conveniente retrospectiva dos 100 dias da guerra entre Israel e Hamas. A matéria, em seu conjunto, é uma peça declarada de propaganda do governo de Binyamin Netanyahu, como vem sendo o grosso da cobertura da guerra pelo grupo Globo e pela grande mídia brasileira.

Desde o início, o teor da reportagem é idêntico à propaganda israelense. A repórter estava em Tel Aviv, mas não em qualquer parte da Palestina. No que diz respeito às acusações formais de genocídio contra Israel apresentadas à Corte Internacional de Justiça pela África do Sul, o programa incluiu apenas um representante de Israel, junto com Netanyahu, defendendo o caso, mas ninguém defendendo a acusação de genocídio foi ouvido.

A retórica da matéria incluiu imagens explícitas e emocionais de muitos israelenses feridos ou mortos em 7 de outubro, mas quase nada sobre civis palestinos mortos ou mutilados, um número cerca de 50 vezes maior. Nada foi dito sobre os milhares de palestinos mortos por Israel antes dessa data nem sobre os horrores da ocupação israelense da Cisjordânia e do seu bloqueio de quase duas décadas a Gaza.

O jornalismo da matéria também foi impreciso ao afirmar inequivocamente que a explosão do hospital Al-Ahli foi causada por um foguete do Hamas, o que ainda está em disputa na mídia internacional: tudo para retratar Israel como vítima.

A matéria também reproduziu de forma acrítica as alegações israelenses de que o hospital Al-Shifa era usado pelo Hamas, embora a maioria dos jornais tenha concluído não haver evidências que sustentem as afirmações de Israel sobre o que ali existia.

Pior ainda, o Fantástico, para concluir a reportagem, convidou um único "especialista em Oriente Médio" para "analisar o que se pode esperar da guerra daqui em diante". A se julgar pelo título de "especialista em Oriente Médio", André Lajst seria um agente neutro que analisa imparcialmente os fatos. Porém, os experts que o jornalismo tradicional nos apresenta têm, muitas vezes, uma agenda muito bem-definida, mas oculta. É justamente o caso de Lajst.

Formado em Israel, foi também acadêmico da Força Aérea do país, no departamento de pesquisa e operações de inteligência. Ele é também presidente-executivo da Stand With Us Brasil, braço brasileiro de uma organização cujo objetivo declarado é apresentar e defender os valores do Estado de Israel em todo o mundo.

O espectador desavisado sai da experiência convencido de que foi visitado por um sujeito que pode falar, com mediação e equilíbrio, sobre o ataque promovido pelo Hamas em Israel e os subsequentes massacres que o país promove há meses na Palestina. Mas esse "especialista" era tudo menos neutro: é abertamente um ativista pró-Israel.

É preciso então perguntar o que aconteceria se um acadêmico e ex-militar formado na Palestina —ou em qualquer país árabe—, presidente de uma organização de disseminação dos valores árabes, fosse convidado ao Fantástico para comentar a guerra como seu único especialista neutro?

Chamar um porta-voz dos interesses de Israel para fazer comentários na televisão aberta é justificado, desde que ele seja honestamente descrito. Lajst, inclusive, já publicou artigos de opinião neste jornal, em que identifica abertamente sua posição, inclusive seu papel no grupo ativista pró-Israel.

Federação Árabe Palestina do Brasil é uma organização proeminente que se manifesta com frequência a favor da causa palestina. Esse grupo criticou veementemente a decisão do Fantástico de —nas palavras desse grupo— "dar espaço para o propagandista do apartheid e articulador do lobby sionista no Brasil, e nada de representação palestina em 100 dias".

Hisham Alqam, coordenador-geral dos comitês Palestina Democrática na América Latina, acrescenta: "Israel está matando muitos dos reféns com seus bombardeios. Está destruindo bairros inteiros. Todos os que estão nestes locais morrem: israelenses, palestinos, guerrilheiros, reféns. Para encerrar a guerra em dois ou três meses, Israel quer dizer que, neste tempo, todos os reféns serão mortos".

Essa perspectiva do lado palestino foi excluída da reportagem em favor de inúmeros discursos israelenses.

Todo jornalista insiste que está apenas divulgando as notícias de forma neutra. É a mitologia central do jornalismo. Mas isso é, muitas vezes, uma fraude e o público sabe disso. Os jornalistas podem e devem lutar pela objetividade, mas nenhum de nós pode escapar totalmente da nossa estrutura de preconceitos e crenças.

Sabendo disso, jornalistas honestos têm a obrigação de incluir em suas reportagens —especialmente quando se trata de uma questão de opinião, não de um fato verificável— ambos os lados de um debate acalorado.

Mascarar um ativista de um lado desse debate como um "analista neutro", evitando que o outro lado seja incluído, é uma violação direta dos deveres jornalísticos. A reportagem do Fantástico falhou lamentavelmente —e mesmo radicalmente— em suas responsabilidades jornalísticas.

*Jornalista, advogado constitucionalista e fundador do The Intercept

5 comentários:

Neves disse...

Penso que, a quem possa dispor de ogivas nucleares, não cabe apoio, solidariedade etc.
Então:
https://www.trtworld.com/opinion/the-brutal-war-on-gaza-and-israels-barbarisation-of-warfare-16703578

https://www.theguardian.com/commentisfree/2024/jan/21/palestinian-lives-gaza-politics-media

Anônimo disse...

■■■Israel comete erros no Corredor Palestino inteiro, e não é de hoje que Israel comete esses erros.
■Desde 1948 que a reação dos árabes, ao não aceitarem a partilha do território feita pela ONU, empurrou Israel ao cometimento de erros ao reagir às ameaças que sofre.

Toda decisão de Israel para se defender fica condicionada à reação contra grupos radicais muçulmanos e isso levou ao fortalecimento dos mais que radicais na democracia eleitoral de Israel, com estes fundamentalistas judeus hoje sendo liderados por Benjamim Netanyaho.

Conflitos mediados por extremistas é sempre uma repetição de erros sem fim, sendo que cada polo entende seus erros como grandes acertos, embora tenham grande facilidade em identificarem como erros as mesmas práticas e propostas quando feitas por adversários.
=》Em Israel repete-se o que sempre se repete em disputas políticas ideologizadas:: ao fortalecimento de um extremismo se segue o fortalecimento de outro extremismo em chave oposta, sendo os dois extremismos, em graus diferentes dependendo do ambiente e cultura, quase sempre doutrinários, fanatizantes, violentos e que se retroalimentam.

■■A solução para o fim de todo tipo de polarização, quando despolarizar é necessário, é combater os dois polos, e não um polo só. Neste momento a democracia de Israel precisa ter como prioridade total o combate aos terroristas do Hamas, que é um dos polos fundamentalistas do conflito, porque o combate a terroristas nunca deve ser adiado, sejam os terroristas ideologicamente à direita (caso do Hamas) ou à esquerda.

Mesmo o fato de o Hamas usar até mesmo velhos e crianças como escudos humanos nada deve impedir o combate e favorecer os terroristas, porque a consequência de recuar no combate agora é aumentar ainda mais a chance de tudo se perpetuar, como querem os instrumentalizadores do Hamas. Se civis estão sendo vítimas em Gaza, isso não está ocorrendo por decisão deliberada dos soldados israelenses e sim pela prática covarde e criminosa dos terroristas e de seus protetores e é essa covardia que Greenwald e todos que protegem terroristas deveriam denunciar e não distorcerem e usarem como desculpas para proteger o Hamas.

=》■Mas necessariamente o passo seguinte de Israel ao combate sem tréguas aos terroristas do Hamas tem que ser outro combate sem tréguas, este outro contra Netanyaho e seus fundamentalistas, que são 50% dos responsáveis pela calcificação e retroalimentação do conflito.

■■O maior de todos os erros que Israel comete eu penso que é o de permitir a ocupação e colonização de territórios que na partilha da ONU foram atribuídos aos palestinos para estabelecerem seu Estado:: na impossibilidade de devolver os territórios agora, o mínimo aceitável é que estes territórios sejam preservados sem ocupação para serem devolvidos assim que possível. Onde hoje tem israelenses em terras de palestinos tem que ser desocupado e as terras mantidas vazias até que possam ser devolvidas aos palestinos.

■■■Toda a história na região e todo o conflito Israel-Palestinos é de uma complexidade tão grande que eu penso que até especialistas não ideológicos devam ser bastante comedidos em formar juízos muito definitivos sobre cada aspecto.
■Já quanto a juízos de personagens sabidamente ideologizantes, como os juizos feitos por Glenn Greenwald, estes juízos não podem ter maior importância para pensar a questão. É útil ler Greenwald sobre o conflito, claro, do mesmo modo como é útil ler os juízos dos fundamentalistas pró-Israel; apenas não vejo como considerar maior importância na leitura de fundamentalistas para formar opinião sobre a questão Israel-Palestinos e sobre nada.

Edson Luiz Pianca.
W:: (27) 9 9238.2119

Neves disse...

Assim sendo
https://www-aljazeera-com.translate.goog/news/2023/11/27/palestine-and-israel-brief-history-maps-and-charts?traffic_source=KeepReading&_x_tr_sl=en&_x_tr_tl=pt&_x_tr_hl=pt

Daniel disse...

O jornalista Glenn Greenwald analisa o que conhece: uma reportagem parcial e sem seriedade feita pelo programa Fantástico no dia 14/1, algo comum em outros programas da emissora e também no Jornal Nacional, onde visões favoráveis a Israel são frequentemente mostradas. O suposto "especialista" era DESCARADAMENTE favorável aos ataques israelenses, como comprova o currículo do sujeito informado nesta coluna. O Fantástico tenta se apresentar como um programa sério de informação e entretenimento, mas a reportagem criticada nesta coluna estava TOTALMENTE AFASTADA DISTO, representando mera repetição das posições israelenses, sem qualquer análise crítica e sem qualquer exposição da realidade dos palestinos diariamente atacados e massacrados pelos militares israelenses na Faixa de Gaza. Os crimes de guerra de Israel nem sequer foram cogitados pelo programa. A posição majoritária dos países da ONU que rejeitam o prosseguimento dos ataques israelenses também foi ignorada.

Daniel disse...

A corte de Haia impôs ontem restrições às ações militares de Israel em Gaza. E decidiu que tem atribuição de julgar o caso - acusação da África do Sul de genocídio israelense contra os palestinos de Gaza!