Folha de S. Paulo
Congresso aprova sequência de medidas
corporativas sem temer desgastes eleitorais
Virou quase um lugar-comum afirmar que o país
está rachado ao meio politicamente, no qual amizades são desfeitas e familiares
se desentendem, em um enfrentamento contínuo.
O fenômeno da polarização deveria pressupor
que grande parte da população passou a falar como nunca sobre política, ou ao
menos de maneira mais intensa do que ocorria nos anos 1990 ou 2000.
A aprovação no aumento do número de deputados, nesta quarta-feira (25), mostrou mais uma vez que a premissa tem algumas nuances. O interesse maior no tema não vem significando necessariamente um eleitorado mais vigilante nem uma classe política acuada.
Pautas controversas que não são identificadas
nem como "de esquerda" nem "de direita" são articuladas em
Brasília quase sem oposição ou reação popular. Passam longe dos grupos de zap
ou dos bate-bocas entre petistas e bolsonaristas.
São muitos os exemplos recentes. Em 2021, o
Congresso praticamente enterrou a Lei
de Improbidade Administrativa, que, ainda que com problemas, vigorava
havia três décadas, impondo obstáculos ao mau gestor público.
Posteriormente, o fundão eleitoral dobrou de tamanho para as eleições de 2022, e a dose foi repetida para a campanha municipal de 2024, na qual R$ 4,9 bilhões foram consumidos para financiar candidaturas a prefeito e a vereador.
Os limites para gastos com as
emendas parlamentares foram esgarçados a ponto de impactar
investimentos corriqueiros da máquina pública.
Todos os temas contaram com ampla adesão
parlamentar, da direita à esquerda. Nenhuma das propostas despertou debate
acalorado entre expoentes de um lado ou de outro. Não se tornaram hashtag, como
ocorre com propostas como a anistia aos réus do 8 de Janeiro ou as chamadas
pautas de costumes.
No caso do aumento do número de deputados, o
assunto se arrasta há meses com escassa repercussão junto à sociedade —de certa
forma insignificante perto do espaço consumido pela discussão sobre bebês
reborn.
Motivos não faltavam, já que foi um projeto
apresentado com justificativas no mínimo duvidosas, buscando inclusive
desacreditar os dados do Censo de 2022,
ao afirmar que o cálculo populacional dos estados feito pelo IBGE teria
"várias inconsistências".
Além disso, a reviravolta na quantidade de
cadeiras na Câmara dilui ainda mais o peso político de estados já
sub-representados, como São Paulo, desfigurando a proporcionalidade das
bancadas prevista na Constituição.
É uma iniciativa que dificilmente seria
tentada na ressaca dos protestos de junho de
2013, quando o Legislativo chegou a temer, de maneira inédita desde a
redemocratização, reação diante de medidas impopulares.
A sucessão frenética de assuntos e pautas
torna pouco crível que o desgaste dos parlamentares por causa da medida
aprovada nesta quarta perdure junto ao eleitorado até a eleição de
2026, daqui a mais de um ano.
Mais do que isso, a ampliação de vagas na
Câmara passa a mensagem de que o custo político para a aprovação de medidas
corporativas é muito baixo.
E ainda sinaliza que a sequência não vai
parar por aí. Projetos de teor igualmente problemático, como as mudanças no
Código Eleitoral e a unificação das eleições a cada cinco anos, estão à
espreita, na fila para apreciação no Congresso.
*Editor-assistente de Política
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