Cientista política Lara Mesquita diz que
parlamento busca dar demonstração de força com derrotas ao governo Lula
As movimentações do Congresso que resultaram
em derrotas para o governo Lula nas últimas semanas são uma evidência de que o
parlamento quer dar demonstração de força e manter o quadro de ingerência no
orçamento sem ter que assumir responsabilidades, avalia a cientista política
Lara Mesquita.
Para a professora da Fundação Getulio Vargas,
os reveses impostos ao Executivo também podem ser lidos como tentativa de frear
ações, agora ou no futuro, em prol do reequilíbrio institucional.
“Obviamente, a Câmara e o Senado estão tentando mandar um recado com a derrubada dos vetos e do decreto do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), que é mostrar que o Executivo está enfraquecido”, diz. “Há também uma tentativa de manutenção de longo prazo das prerrogativas que o Congresso acumulou nos últimos anos”, completa ela, em alusão ao avanço sobre o Orçamento, via emendas, e à concentração de poder nos presidentes da Câmara e Senado.
Na avaliação de Mesquita, o ganho de
autonomia consolidou a imagem de que “o destino do Congresso independe do
destino do Executivo”. O acesso a vultosos recursos das emendas orçamentárias e
dos fundos partidário e eleitoral derrubou a lógica de governabilidade
anterior, com adesão dos partidos ao Executivo em troca de benefícios.
“Aumentou o custo de colaborar com o
Executivo. Além disso, se o Executivo fracassar, isso respinga pouco no
Congresso, porque no presidencialismo a responsabilidade acaba recaindo sobre a
figura do presidente, sejam os ônus ou os bônus.”
A situação é agravada por “anomalias” na
organização do trabalho legislativo. Para a professora, é questionável manter o
formato de votação híbrida (virtual e presencial), adotado na pandemia. O
modelo, que reduz o tempo de debate, foi empregado, por decisão do presidente
da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), na votação de quarta (25) sobre o IOF.
“Se fosse sessão presencial, teria sido diferente. Esse modelo concentra poder
no presidente da Câmara e desempodera o plenário, as comissões e o Legislativo
enquanto corpo.”
Mesquita diz que “é natural”, em uma
democracia, o Legislativo participar da tomada de decisões sobre a agenda, mas
que não é tarefa dele executar o orçamento. Estudos mostram que a interferência
orçamentária no Brasil é maior do que em outros países. “Não é papel do
Legislativo ser ordenador de despesa. Se o Legislativo quer ser ordenador, ele
tem que ser capaz de ser responsabilizado também”, afirma.
A discussão sobre ajuste tem se concentrado
na pressão do Legislativo por corte de gastos do Executivo, mas é preciso
também cobrar “responsabilidade legislativa”, defende Mesquita. Para ela, a
demora na votação do orçamento de 2025 - aprovado em março, com três meses de
atraso - precisa ser lembrada, diante das queixas de congressistas sobre o
ritmo da execução. “Não se pode dizer que o governo está sendo negligente, como
se estivesse executando o orçamento há seis meses”, observa.
“Temos o Executivo afirmando que ‘está
defendendo os pobres, enquanto o Congresso está defendendo os ricos’. É
esperado [o discurso], num contexto em que o governo tenta justificar por que
ele não está entregando tanto quanto gostaria. Do outro lado, há um Congresso
que só se preocupa com os seus interesses e se exime. Historicamente, o eleitor
não atribui esse tipo de responsabilidade [orçamentária] ao Poder Legislativo.”
Apesar das críticas, a cientista política diz
que é preciso relativizar afirmações como a de que o Congresso estaria
praticando “chantagem”, porque são atribuições dele fiscalizar o Executivo e
discutir leis. “Nas derrubadas de vetos e outras questões, não acho que dê para
dizer que o Legislativo esteja extrapolando suas prerrogativas e funções
constitucionais. Alguém pode ficar insatisfeito, mas não é igual a dizer que o
processo democrático esteja sendo deturpado.”
Para ela, contudo, é difícil apontar saídas
institucionais. “Não sei se existe algo que o governo possa fazer para reverter
isso. Ou melhor, até existe: fazer como o governo Bolsonaro e abrir mão de ter
agenda. Mas essa é uma das diferenças importantes de um governo para o outro.”
A aprovação, pelo Congresso, do aumento no
número de deputados é algo “sintomático, sobretudo, do corporativismo”, segundo
Mesquita. A medida também expôs contradição com a demanda por corte de gastos e
desconexão com a opinião pública. Uma pesquisa do instituto Datafolha apontou
que 76% dos brasileiros são contra a ampliação de cadeiras, de 513 para 531.
“Se esse aumento tivesse como objetivo
resolver a questão da proporcionalidade entre a representação política e a
população dos Estados, seria adequado. Mas isso não está acontecendo. A nova
bancada vai ser ainda mais desproporcional do que a atual.”
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