sexta-feira, 27 de junho de 2025

Congresso mira Executivo fraco e ‘poder sem ônus’

Joelmir Tavares / Valor Econômico

Cientista política Lara Mesquita diz que parlamento busca dar demonstração de força com derrotas ao governo Lula

As movimentações do Congresso que resultaram em derrotas para o governo Lula nas últimas semanas são uma evidência de que o parlamento quer dar demonstração de força e manter o quadro de ingerência no orçamento sem ter que assumir responsabilidades, avalia a cientista política Lara Mesquita.

Para a professora da Fundação Getulio Vargas, os reveses impostos ao Executivo também podem ser lidos como tentativa de frear ações, agora ou no futuro, em prol do reequilíbrio institucional.

“Obviamente, a Câmara e o Senado estão tentando mandar um recado com a derrubada dos vetos e do decreto do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), que é mostrar que o Executivo está enfraquecido”, diz. “Há também uma tentativa de manutenção de longo prazo das prerrogativas que o Congresso acumulou nos últimos anos”, completa ela, em alusão ao avanço sobre o Orçamento, via emendas, e à concentração de poder nos presidentes da Câmara e Senado.

Na avaliação de Mesquita, o ganho de autonomia consolidou a imagem de que “o destino do Congresso independe do destino do Executivo”. O acesso a vultosos recursos das emendas orçamentárias e dos fundos partidário e eleitoral derrubou a lógica de governabilidade anterior, com adesão dos partidos ao Executivo em troca de benefícios.

“Aumentou o custo de colaborar com o Executivo. Além disso, se o Executivo fracassar, isso respinga pouco no Congresso, porque no presidencialismo a responsabilidade acaba recaindo sobre a figura do presidente, sejam os ônus ou os bônus.”

A situação é agravada por “anomalias” na organização do trabalho legislativo. Para a professora, é questionável manter o formato de votação híbrida (virtual e presencial), adotado na pandemia. O modelo, que reduz o tempo de debate, foi empregado, por decisão do presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), na votação de quarta (25) sobre o IOF. “Se fosse sessão presencial, teria sido diferente. Esse modelo concentra poder no presidente da Câmara e desempodera o plenário, as comissões e o Legislativo enquanto corpo.”

Mesquita diz que “é natural”, em uma democracia, o Legislativo participar da tomada de decisões sobre a agenda, mas que não é tarefa dele executar o orçamento. Estudos mostram que a interferência orçamentária no Brasil é maior do que em outros países. “Não é papel do Legislativo ser ordenador de despesa. Se o Legislativo quer ser ordenador, ele tem que ser capaz de ser responsabilizado também”, afirma.

A discussão sobre ajuste tem se concentrado na pressão do Legislativo por corte de gastos do Executivo, mas é preciso também cobrar “responsabilidade legislativa”, defende Mesquita. Para ela, a demora na votação do orçamento de 2025 - aprovado em março, com três meses de atraso - precisa ser lembrada, diante das queixas de congressistas sobre o ritmo da execução. “Não se pode dizer que o governo está sendo negligente, como se estivesse executando o orçamento há seis meses”, observa.

“Temos o Executivo afirmando que ‘está defendendo os pobres, enquanto o Congresso está defendendo os ricos’. É esperado [o discurso], num contexto em que o governo tenta justificar por que ele não está entregando tanto quanto gostaria. Do outro lado, há um Congresso que só se preocupa com os seus interesses e se exime. Historicamente, o eleitor não atribui esse tipo de responsabilidade [orçamentária] ao Poder Legislativo.”

Apesar das críticas, a cientista política diz que é preciso relativizar afirmações como a de que o Congresso estaria praticando “chantagem”, porque são atribuições dele fiscalizar o Executivo e discutir leis. “Nas derrubadas de vetos e outras questões, não acho que dê para dizer que o Legislativo esteja extrapolando suas prerrogativas e funções constitucionais. Alguém pode ficar insatisfeito, mas não é igual a dizer que o processo democrático esteja sendo deturpado.”

Para ela, contudo, é difícil apontar saídas institucionais. “Não sei se existe algo que o governo possa fazer para reverter isso. Ou melhor, até existe: fazer como o governo Bolsonaro e abrir mão de ter agenda. Mas essa é uma das diferenças importantes de um governo para o outro.”

A aprovação, pelo Congresso, do aumento no número de deputados é algo “sintomático, sobretudo, do corporativismo”, segundo Mesquita. A medida também expôs contradição com a demanda por corte de gastos e desconexão com a opinião pública. Uma pesquisa do instituto Datafolha apontou que 76% dos brasileiros são contra a ampliação de cadeiras, de 513 para 531.

“Se esse aumento tivesse como objetivo resolver a questão da proporcionalidade entre a representação política e a população dos Estados, seria adequado. Mas isso não está acontecendo. A nova bancada vai ser ainda mais desproporcional do que a atual.”

 

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