quarta-feira, 18 de junho de 2025

Governo conta com recesso para respirar - Vera Magalhães

O Globo

Semestre perdido termina sem que articulação política saiba como desarmar bombas no Congresso

Lula não tem sequer uma boa notícia para comemorar no primeiro semestre de 2025. Não à toa, depois de algumas mudanças ministeriais no início do ano para inaugurar o que seria a fase das “entregas” do terceiro mandato, hoje a coisa mais difícil é achar um ministro disposto a dar as caras para defender a administração, que vai levando um 7 a 1 por dia no Congresso sem esboçar plano de reação.

As obras não apareceram, as viagens aos estados foram episódicas, sem nada de memorável — pelo contrário, numa recente ida a Pernambuco Lula chegou a dizer que Deus deixou o sertão sem água porque sabia que ele seria presidente e resolveria o problema —, e nem aquele apelo para que assuma pessoalmente a articulação política parece fazer sentido num momento de completo afastamento entre Executivo e Legislativo.

O presidente recebeu Hugo Motta (Republicanos-PB) e seu antecessor Arthur Lira (PP-AL) sábado no Alvorada. Nada aconteceu, e nesta segunda-feira o governo tomou uma derrota de lavada na votação da urgência para a votação dos Projetos de Decreto Legislativo (PDLs) para derrubar um já desidratado decreto de elevação do IOF.

De nada adianta a cantilena que lideranças governistas tentam vender nas conversas em off segundo a qual a votação da urgência não necessariamente significa que o mérito dos PDLs será aprovado. Só quem nunca pisou no carpete verde da Câmara pode se convencer desse blá-blá-blá.

As semanas de trégua que o governo terá, graças aos santos juninos e a seus festejos de grande potencial eleitoral, só seriam relevantes se os responsáveis pela suposta articulação política e a equipe da Fazenda tivessem o que oferecer no lugar do IOF. Mas já ficou claro que ninguém fala a mesma língua nesse capítulo.

Existe uma incompatibilidade fundamental entre a composição da base aliada e o time escalado para ser seu interlocutor. Enquanto os partidos do Centrão vão aumentando sua indisposição em relação à agenda de Lula para o Brasil, os escalados para toureá-los são 100% petistas, dos líderes na Câmara, no Congresso e no Senado aos ministros do Palácio do Planalto.

O placar da votação da urgência dos PDLs escancarou o que isso significa: menos de 100 votos é o que o núcleo petista da articulação política comanda hoje. No Senado, o cálculo de lulistas desolados e preocupados é que esse grupo fiel não chegue a 20 dos 81 senadores.

Se as nuvens carregadas sobre o arcabouço fiscal não fossem suficientes para prenunciar um segundo semestre tão complicado quanto o primeiro, Lula ainda recebeu de presente de Davi Alcolumbre (União-AP) a leitura do requerimento de criação da CPI Mista do INSS.

Depois do tão esperado recesso, nada indica que o trem volte aos trilhos, pois o Legislativo segue colocando lenha na fogueira onde ardem a popularidade e a governabilidade do petista.

É nesse cenário de conflagração que o governo precisará aprovar, até 30 de setembro, o projeto que amplia a isenção de Imposto de Renda da Pessoa Física para quem ganha até R$ 5 mil, considerado a cartada mais certeira de Lula para recuperar sua popularidade e, consequentemente, sua dianteira nas pesquisas de intenção de voto para o ano que vem. Esse é o prazo para que a mudança valha em 2026 — e, mesmo assim, será uma perspectiva apenas para a declaração de IR de 2027, com efeitos nas urnas ainda a ser medidos.

O clima na Esplanada oscila entre a apatia, a desconfiança entre ministros e a admissão de que são poucas as armas disponíveis para mudar essa clara disposição do Congresso de complicar a vida do governo. Só liberar as emendas, agora, parece pouco diante de um quadro em que deputados e senadores parecem não acreditar mais nas chances de reação do presidente e de seu combalido exército.

 

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