quarta-feira, 18 de junho de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Aposentar juiz compulsoriamente é prêmio, não punição

O Globo

Desde 2008, 119 magistrados punidos com afastamento foram aposentados sem perda de vencimentos

Desde 2008, 119 juízes foram punidos com o afastamento definitivo da função por terem cometido infrações disciplinares graves. Um dos casos mais recentes envolveu Marcelo Bretas, do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2), conhecido pelo protagonismo no ramo fluminense da Operação Lava-Jato. Pela lei, quem é julgado incapaz de atuar como magistrado ganha um prêmio em vez de pena disciplinar. É aposentado compulsoriamente, recebendo vencimentos elevados, na média R$ 28,5 mil. O impacto anual nos cofres públicos, revelou reportagem do GLOBO, alcança R$ 41 milhões.

Não é pouco dinheiro, mas o pior é a injustiça da regra. A aposentadoria é um benefício previdenciário para quem tenha atingido a idade-limite, somado tempo de contribuição ou se tornado incapaz para trabalhar. Não se trata de pena disciplinar. Seria como se, em vez de ser multado e somar pontos que podem levar à suspensão da carteira, um motorista infrator ganhasse combustível grátis.

As histórias de aposentadorias compulsórias deixam claro por que ela é uma aberração. Por ter vendido decisões judiciais e habeas corpus, mantido ligação com o crime organizado, ocultado bens e lavado dinheiro, o ex-desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe Luiz Antônio Araújo Mendonça foi afastado no ano passado. Em abril deste ano, a juíza Priscila de Castro Murad, do Tribunal de Justiça do Espírito Santo, perdeu o posto por paralisação de processos, baixa produtividade e tratamento privilegiado a advogados. Como punição, ambos foram aposentados sem perda de vencimentos.

Os defensores da aposentadoria compulsória argumentam que o bom funcionamento dos tribunais depende da imparcialidade e da independência dos magistrados, por isso nenhum deles pode trabalhar com temor de ser alvo de alguma manobra política e perder o próprio sustento. Mas tal lógica só faria sentido em regimes ditatoriais, onde juízes que contrariam os interesses de governantes acabam afastados sem direito a recorrer nem a remuneração. Nada de parecido ocorre no Brasil.

Por aqui, a magistratura usufrui garantias plenas. Depois de dois anos, um juiz de primeira instância adquire direito a cargo vitalício, perdendo o posto somente por sentença judicial transitada em julgado. Punições só podem ser aplicadas por maioria absoluta pelo tribunal onde atua ou pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Dada a possibilidade de os afetados recorrerem das decisões, a preocupação com perseguição é infundada. Para isso, seria necessária a cumplicidade de várias instâncias do Judiciário, realidade distante da brasileira.

No Congresso, houve várias tentativas de acabar com a regra. Em 2007, o então deputado Raul Jungmann propôs uma mudança na Constituição prevendo como punição a expulsão da magistratura, com perda do direito à aposentadoria. De lá para cá, outras propostas semelhantes foram apresentadas na Câmara e no Senado. Antes de deixar o cargo como senador para assumir uma cadeira no Supremo Tribunal Federal (STF), Flávio Dino protocolou uma Proposta de Emenda à Constituição também com esse fim. O grupo de trabalho para tratar da reforma administrativa formado pelo presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), deveria resgatar essa ideia.

Proliferação de ‘gatos’ de energia deve ser encarada como caso de polícia

O Globo

Prejuízos causados por ‘perdas não técnicas’ alcançaram R$ 10,3 bilhões em 2024, segundo Aneel

É paisagem corriqueira nas metrópoles brasileiras o impressionante emaranhado de fios pendendo dos postes, grande parte puxando energia da rede sem pagar e gerando riscos para a segurança. São inúmeros os “gatos”, apelido popular dos furtos de energia. Pode parecer problema menor, diante de tantas outras mazelas. Mas não é. Um relatório da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) mostrou que perdas não técnicas — causadas por furtos, fraudes ou erros operacionais — impuseram prejuízo de R$ 10,3 bilhões ao setor de distribuição no ano passado. Esse valor representa quase o custo previsto do programa federal Pé-de-Meia (R$ 12 bilhões), incentivo à permanência de alunos no ensino médio.

Pelos dados da Aneel, o problema está concentrado. Apenas duas concessionárias — Light, no Rio de Janeiro, e Amazonas Energia — respondem por mais de um terço dessas perdas (34,1%). Elas ocorrem sobretudo na rede de baixa tensão, onde o controle é mais difícil. Contribuem para a distorção ligações clandestinas, adulterações em medidores, desvios da rede e falhas na medição ou no faturamento.

A Aneel não aplica penalidade às concessionárias quando metas de redução de perdas não são alcançadas, mas limita o repasse desses valores às tarifas. Portanto as empresas que não conseguem controlá-las absorvem prejuízo. A ideia é que isso funcione como incentivo para que invistam em medidas de combate às fraudes. Mesmo assim, a conta sobra para o consumidor, uma vez que as perdas em níveis considerados “eficientes” são incorporadas às tarifas.

No caso dos “gatos”, parece evidente que a solução não depende só do setor de energia. Trata-se de um caso de polícia, e como tal deve ser encarado. De acordo com o artigo 155 do Código Penal, constitui crime “subtrair para si ou para outrem coisa alheia móvel” — “equipara-se à coisa móvel a energia elétrica ou qualquer outra que tenha valor econômico”. A pena prevista é de um a quatro anos de reclusão e multa.

Não é, sem dúvida, questão simples de resolver. Em geral, funcionários de concessionárias não conseguem entrar em áreas conflagradas nem para fazer reparos, quanto mais para desfazer conexões ilegais. A própria polícia encontra dificuldades nas incursões, pois os bandidos costumam erguer barricadas nas comunidades. Territórios são controlados por organizações criminosas que impõem ali suas próprias leis. Furtam energia, sinal de TV, internet, depois cobram taxas dos moradores pelos serviços ilegais. O achaque é hoje uma das principais fontes de renda tanto das quadrilhas de traficantes quanto de milicianos.

Mas não se pode ter leniência com o crime, porque direta ou indiretamente quem acaba punido é o consumidor, obrigado a pagar mais pelo serviço. As autoridades de segurança têm o dever de coibir furtos de energia, até porque eles ajudam as quadrilhas a se capitalizar. Não fazer nada ou tratar o problema como algo menor só estimula a proliferação dos “gatos”.

Dólar em baixa e óleo em alta afetam cenário do Copom

Valor Econômico

A alta do petróleo encontra no Brasil uma inflação resistente. A desvalorização do dólar conteve repasses dos preços industriais

Dólar e petróleo dispararam juntos em várias crises passadas e formaram uma péssima receita a ser digerida, especialmente para as economias emergentes. Nos primeiros dias de ataques de Israel ao Irã, a história parece ser diferente. O petróleo subiu perto de 10% até agora, ante, por exemplo, 30% em duas semanas após a invasão da Ucrânia pela Rússia, em fevereiro de 2022. O dólar, por sua vez, está em baixa, mesmo diante de uma grave tensão geopolítica. O Comitê de Política Monetária (Copom) define nesta quarta-feira (18) a taxa de juros com fatores dissonantes em ação. A alta do petróleo, ainda que modesta, dá mais fôlego à resistência da inflação, se tiver duração e for repassada aos preços. Já a queda do dólar em relação ao real, em torno de 10%, teve efeitos baixistas perceptíveis nos índices de preços.

Determinações econômicas de fundo têm mais peso que os riscos geopolíticos para os preços dos ativos. No caso do petróleo, os especialistas que avaliaram as crises passadas chegaram à conclusão de que o frenesi altista das cotações não se sustenta sequer a curto prazo caso as condições econômicas não sejam propícias. Hoje não são. O último relatório da Agência Internacional de Energia indicou que a produção de petróleo, de 104,8 milhões de barris por dia, é superior à demanda, de 103,8 milhões, e deve continuar assim pelo resto do ano, a menos que ocorra um enorme distúrbio na oferta, como um bombardeio generalizado de refinarias tanto pelo Irã como por Israel. A Arábia Saudita e outros países do cartel do petróleo (Opep) têm condições, segundo a AIE, de suprir a saída do mercado de toda a produção do Irã, de 3,3 milhões de barris por dia. O Irã é o quarto maior produtor da organização e exporta 2 milhões de barris por dia.

Outro fator seria se as perspectivas da economia global fossem de crescimento e não de desaceleração, como agora. A demanda tende a declinar com a guerra tarifária do presidente Donald Trump contra o mundo, que deve produzir mais inflação e retração das atividades produtivas. As duas principais economias do mundo, EUA e China, vão se expandir menos, assim como a zona do euro e emergentes importantes, como Brasil e México. Além disso, o mapa da produção de petróleo mudou com os EUA assumindo a liderança mundial.

Donald Trump também é a parte mais importante da trajetória distinta do dólar na crise atual. Seu unilateralismo radical, expresso pelo protecionismo tarifário e por ameaças de punição com mais impostos a investidores estrangeiros nos EUA, se o capital original provier de países que a Casa Branca julgue que tratem mal os interesses americanos (seja lá o que isso for), acrescentou novas camadas de desconfiança sobre a moeda americana. As sanções financeiras à Rússia e o confisco de suas reservas, na gestão de Joe Biden, já haviam alertado China e outros países emergentes que as transações financeiras podem se tornar armas políticas.

Dois movimentos que roubam posição do dólar se manifestaram desde a retaliação financeira contra a Rússia e a ascensão de Trump. Os bancos centrais compraram mil toneladas de ouro por ano desde lá e acumulam hoje 36 mil toneladas em suas reservas. Em meados dos anos 1960, quando vigia ainda o sistema de Bretton Woods, em que moedas como o dólar tinham paridade fixa em relação ao ouro, as reservas do metal atingiram 38 mil toneladas. Com isso, o ouro se tornou hoje a segunda reserva global (20% das reservas oficiais), ultrapassando o euro, segundo o Banco Central Europeu.

Mais um aspecto da desconfiança foi a aposta em outros ativos em desfavor da moeda americana. Pesquisa do Bank of America com gestores globais, de junho, revelou que nunca desde janeiro de 2005 houve uma exposição tão baixa ao dólar. Vinte por cento das carteiras desses gestores estão “vendidas”, isto é, apostam na desvalorização da moeda americana, que está perto do seu menor nível em três anos. Na direção contrária estão recomendações para ampliar os investimentos em euro e títulos de mercados emergentes.

Para a definição da política monetária, estes movimentos têm importância. A alta do petróleo encontra no Brasil uma inflação resistente, com expectativas desancoradas há bom tempo. A política de “abrasileirar” os preços dá, porém, tempo para que a Petrobras deixe de repassar os aumentos, e não há certeza de que um novo nível de preços, muito mais elevados, passe a predominar no mercado do óleo. Depois de o Brent ter subido 30% na guerra da Rússia contra a Ucrânia, sua cotação retornou ao que era antes da invasão oito semanas depois (Duncan Weldon, “FT”, na terça-feira).

A valorização do real desde o início do ano conteve os repasses da disparada anterior do dólar aos preços industriais, como ficou claro no IPCA de maio, que foi de 0,26%, abaixo do previsto. Mesmo com o conflito entre Israel e Irã, o dólar fez recuos adicionais, enquanto os indicadores de ponta mostraram ligeira desaceleração da economia no segundo trimestre. Caberá ao BC decidir se esse comportamento de dois ativos voláteis é suficiente para inclinar a balança a favor da interrupção de alta dos juros ou, em caso contrário, decidir por mais uma pequena elevação da Selic, talvez a última.

Estado de Direito rejeita inquéritos eternos

Folha de S. Paulo

Investigação de milícias digitais aberta em 2021 no STF pode ser prorrogada; ação não deve servir ao controle político

É preocupante a perspectiva de que o Supremo Tribunal Federal renove mais uma vez o inquérito das milícias digitais. A investigação, capitaneada pelo ministro Alexandre de Moraes e que tem como alvo figuras de proa do bolsonarismo, foi iniciada em julho de 2021.

Reportagem da Folha, que ouviu 7 dos 11 ministros do STF, além de advogados próximos a eles, mostra que a tendência da corte é manter o inquérito aberto ao longo de 2026. Na visão do próprio Moraes, a investigação seria útil para evitar conturbações políticas num ano eleitoral.

Não é que a análise sociológica do ministro esteja errada. O problema é que cortes constitucionais, embora tenham sempre uma dimensão política, precisam se pautar por razões jurídicas.
Nesse quesito, é longa a lista, talvez não de irregularidades, mas ao menos de heterodoxias que esse e outros inquéritos semelhantes acumulam.

Para início de conversa, o Estado de Direito rejeita investigações eternas. Inquéritos precisam ter um objeto claro. O desse é por demais amplo, já tendo abarcado vários eixos, que vão da falsificação de certificados de vacinas à importação irregular de joias, passando por ameaças a ministros do Supremo.

Ou as autoridades reúnem indícios suficientes para apresentar uma denúncia com acusação concreta, ou as investigações devem ser encerradas. No caso específico, a Procuradoria-Geral da República já descartou abrir processos nos casos de vacinas e joias, mas o inquérito segue a pleno vapor, mudando de objeto conforme o tempo passa.

Não seria prudente estabelecer um limite temporal máximo objetivo para a permanência de inquéritos, já que a complexidade de cada investigação pode variar muito, mas é seguro afirmar que em nenhuma hipótese as apurações deveriam se tornar ferramenta de controle político.

Diga-se, em favor do Supremo, que até um passado recente havia justificativa para algumas das heterodoxias. Ela se chamava Augusto Aras —em cuja passagem pela PGR nada que contrariasse Jair Bolsonaro (PL) prosperava.

Sob essas circunstâncias, o STF fez bem ao encontrar um caminho, ainda que incomum, para superar a inércia do procurador. Não parece exagero afirmar que a firmeza da corte foi relevante para impedir que Bolsonaro intensificasse seus ataques às instituições democráticas.

A questão é que essas circunstâncias especiais não perduram mais. Aras concluiu seu termo, e a PGR, sob a direção de Paulo Gonet, voltou a ser um órgão funcional. O STF precisa voltar a operar em modo ortodoxo.

Está em jogo a própria credibilidade do Supremo. Se suas decisões são percebidas por uma parcela não desprezível da população como motivadas mais pela política do que pela técnica, o Judiciário deixará de ser visto como o órgão legítimo para a resolução de conflitos. E isso seria praticamente um suicídio institucional.

Cigarro eletrônico regulado

Folha de S. Paulo

Taxa de 8,5% de jovens entre 14 e 17 anos que usam esse dispositivo preocupa, mas proibição não é o melhor caminho

Desde 2009, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) proíbe a fabricação, a importação, a comercialização e a propaganda de dispositivos eletrônicos para fumar (DEFs), conhecidos como cigarros eletrônicos ou vapes. Mesmo assim, o consumo avança.

As apreensões pela Receita Federal bateram recorde em 2024, com 2 milhões de dispositivos. Mas todo esse esforço de inteligência e gasto de dinheiro público não impede o acesso ao produto até por menores de idade.

Segundo o Terceiro Levantamento Nacional de Álcool e Drogas, realizado pela Unifesp e a empresa de pesquisa de mercado Ipsos, 8,4% dos adolescentes entre 14 e 17 anos de idade disseram ter utilizado DEFs em 2024. A taxa é superior a de jovens na mesma faixa etária que consomem cigarros tradicionais (1,7%) e a de adultos que fumam vapes (5,4%).

Entre pessoas de 14 a 17 anos do sexo feminino, a porcentagem sobe para 9,8%, ante 7,7% entre as do sexo masculino. Ademais, 53,3% dos adolescentes afirmam ter fácil acesso a DEFs.

A pesquisa também mostra que 78% dos brasileiros acima dos 14 anos que fazem uso das duas modalidades de fumo não diminuíram o consumo do cigarro comum e só 8,9% o abandonaram.

O dado põe em xeque a tese de que vapes podem ajudar fumantes a largar o vício. De fato, ainda não há consenso científico sobre o tema, mas o sistema público de saúde do Reino Unido, um dos melhores do mundo, recomenda DEFs para esse objetivo.

Cigarros eletrônicos produzem vapor, em vez de fumaça da combustão. Apesar dessa diferença na administração ser menos nociva, os dispositivos estão relacionados a graves problemas pulmonares e cardiovasculares, sem contar o vício em nicotina.

De todo modo, a experiência mundial com o tabagismo no último século mostra que o proibicionismo não é o melhor caminho, já que gera gastos exorbitantes para o Estado, incentiva o mercado negro, dificulta a fiscalização e facilita a oferta de produtos fora de parâmetros de qualidade, que são mais prejudiciais à saúde.

Os DEFs deveriam ser submetidos à regulação e a medidas de contenção usadas para o tabaco e recomendadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS): proibir propaganda e venda para menores de idade, limitar locais permitidos para o fumo, cobrar altos impostos, monitorar o consumo, oferecer tratamento para o vício e manter campanhas contínuas de conscientização.

Afinal, foram essas ações que impulsionaram a queda global do tabagismo nas últimas décadas.

 Falta liderança e sobra oportunismo

O Estado de S. Paulo

Humilhação imposta a governo na Câmara no imbróglio do IOF confirma o descompasso entre Executivo e Legislativo e evidencia a perda da capacidade de Lula para liderar a agenda nacional

A Câmara mostrou ao Palácio do Planalto o tamanho da base com a qual o presidente Lula da Silva pode contar e, à sociedade, quem determina de fato os rumos da política nacional. Pelo humilhante placar de 346 votos a 97, a Casa aprovou o regime de urgência para o projeto de decreto legislativo que altera as alíquotas do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) determinadas pelo governo. Seja qual for o resultado final desse movimento político, uma coisa é certa: Lula da Silva perdeu uma parte substancial de sua capacidade para liderar o País como chefe de governo.

O Brasil claramente entrou em mais um período de estagnação, evidenciada por esse nítido descompasso entre Executivo e Legislativo. É possível antever que, de agora até as eleições de 2026, pouco ou nada de relevante para o País sairá do Palácio do Planalto ou avançará no Congresso, pois ambos os Poderes, cada um do seu jeito, têm emitido sinais diários de que estão ocupados com tudo, menos com o melhor interesse público.

A responsabilidade por essa paralisia é, em primeiro lugar, do presidente da República. No passado, Lula da Silva já demonstrou habilidade para construir coalizões e liderar o processo político, mas agora se mostra incapaz de organizar minimamente sua base no Congresso e de articular uma agenda que mobilize o País em torno de objetivos comuns. A bem da verdade, o petista já não tinha um projeto de governo digno do nome quando candidato em 2022, tendo sido eleito por margem ínfima de votos, convém recordar, não por ter uma suposta agenda programática, mas porque a maioria dos eleitores não quis correr o risco de conceder mais quatro anos de governo a Jair Bolsonaro.

Agora, é ainda mais remota a possibilidade de o presidente da República se ocupar das medidas estruturantes de que tanto o País precisa. O único plano que interessa a Lula da Silva é o de sua sucessão, além da busca sôfrega por adornos internacionais à sua biografia no crepúsculo de sua vida política.

Dito isso, também recai sobre o Congresso uma parcela da responsabilidade pelo fato de o Brasil ora patinar sobre gelo fino. Como sublinhamos há poucos dias, nada mais parece sensibilizar deputados e senadores do que a manutenção do esquema do “orçamento secreto” em suas múltiplas facetas. Para o País fora de Brasília, é péssimo este quadro de desvirtuação do regime presidencialista consagrado pela Constituição. Um Congresso hipertrofiado pelo sequestro de recursos orçamentários já seria uma aberração, fossem boas as intenções dos parlamentares para dispor de bilhões de reais em recursos públicos sem o devido escrutínio.

A perda da capacidade de Lula da Silva para propor e conduzir uma agenda nacional – o que não implica dizer que o petista esteja enfraquecido do ponto de vista estritamente eleitoral –, somada à miopia seletiva do Congresso, que só tem olhos para as emendas, cristalizou esse modelo de governança bastardo, em que o chefe do Executivo perdeu a iniciativa política e o Legislativo passou a legislar em benefício de interesses paroquiais, com pouca ou nenhuma preocupação com as necessidades estruturais do País.

Enquanto o governo se debate para conter crises sucessivas e aumentar a popularidade do presidente na base do marketing eleitoreiro, temas fundamentais seguem relegados a segundo plano. A reforma administrativa, que poderia modernizar o Estado e melhorar a qualidade do gasto público, permanece no campo dos desejos. A regulamentação da reforma tributária, essencial para garantir segurança jurídica e incentivar investimentos, avança a passos lentos. Questões centrais como a regulação das big techs, a adaptação do Brasil à nova realidade da inteligência artificial e os marcos legais para a nova realidade do trabalho e o enfrentamento do crime organizado também patinam. O resultado concreto é este vácuo de liderança que abre espaço para a consolidação de um modelo político dominado por interesses fisiológicos.

Não há saída para a crise política e institucional sem liderança. E, por ora, o que se vê em Brasília é a perigosa combinação entre o vazio de comando do Executivo e o avanço desmedido de um Legislativo que age com os olhos fixados no curto prazo e nas suas próprias conveniências.

O golpismo corre nas veias

O Estado de S. Paulo

Ao condicionar o apoio político do pai em 2026 a um indulto e ao confronto violento com o STF, Flávio Bolsonaro reafirma a crônica disposição do bolsonarismo para a ruptura institucional

Sentado no banco dos réus, Jair Bolsonaro tentou, mas não há como fingir que os ataques à democracia partiram apenas dos “malucos” que o apoiam – como ele se referiu aos incautos que se dispuseram a enfrentar sol e chuva em defesa de seu plano golpista – nem os minimizar como arroubos retóricos. Em recente entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), do alto de sua condição de primogênito do ex-presidente, escancarou com brutal naturalidade aquilo que sempre esteve na raiz do bolsonarismo: o desprezo contumaz pelo Estado Democrático de Direito e a disposição para atacar as instituições republicanas até por meios violentos, quando necessário.

O “zero um” usou a entrevista para transmitir recados aos que pretendem receber o apoio político do pai na eleição presidencial de 2026. Segundo o senador fluminense, o compromisso com a concessão de um indulto a Jair Bolsonaro – indicação de que a família assume que não há defesa jurídica capaz de livrar o chefe de uma condenação à prisão – é o mínimo que Bolsonaro espera receber em troca da unção. O “fulano ou fulana”, como disse Flávio, que pretende obter o apoio político do réu no pleito do ano que vem precisará ir “muito além disso”. Considerando que o Supremo Tribunal Federal (STF) decerto julgará inconstitucional um eventual indulto a Bolsonaro, o ungido deverá mostrar publicamente disposição para “brigar com o STF” e, inclusive, para fazer “uso da força”, se for preciso.

Ao que tudo indica, Bolsonaro entrou em modo desespero ao se ver premido pelas circunstâncias jurídica e política que o cercam, uma intimamente ligada à outra. À medida que seu destino penal fica cada vez mais claro, vale dizer, a condenação criminal pela tentativa de golpe e a manutenção de sua inelegibilidade, mais os partidos de centro e de direita que pretendem se opor à candidatura lulopetista em 2026 caminham em direção à independência do bolsonarismo. Os movimentos políticos nesse sentido são evidentes. Ademais, por mais que Flávio tenha se esforçado para dizer que o debate sobre a anistia aos golpistas “está mais vivo do que nunca”, na realidade ninguém mais em Brasília trata como séria a perspectiva de avanço de uma agenda que, como ficou claro, interessa apenas a Bolsonaro e a rigorosamente mais ninguém.

A chantagem explícita – condicionar o apoio político de Bolsonaro à concessão de um indulto juridicamente descabido e a um compromisso de confronto violento com o STF – não é apenas mais um atentado à ordem constitucional sustentada, entre outros pilares, pela separação de Poderes. É uma declaração de guerra à própria democracia brasileira. A desfaçatez com que o sr. Flávio Bolsonaro disse o que disse mostra que o senador não traiu a genética: o golpismo corre nas veias da família. São declarações de evidente desdém pelos limites institucionais estabelecidos pelo regime democrático.

Não chega a ser uma novidade, pois sempre que as leis e as instituições contrariaram os interesses do clã Bolsonaro, as “saídas”, digamos assim, cogitadas passaram, necessariamente, por intimidações, ameaças e movimentos de ruptura. A rigor, a entrevista de Flávio Bolsonaro dá sequência a uma longa trajetória de desrespeito do bolsonarismo à ordem democrática. Recorde-se da infame história pública do mau militar, mau deputado e mau presidente, passando pela ameaça feita por Eduardo Bolsonaro, ainda em 2018, sugerindo que bastariam “um soldado e um cabo” para fechar o STF, até a cogitação de um golpe de Estado em 2022, culminando na Ação Penal 2.668, ora em curso.

Ainda assim, é inaceitável que um senador da República, em pleno exercício do mandato, articule um discurso de enfrentamento violento às instituições republicanas, particularmente o STF, como fez o sr. Flávio Bolsonaro na entrevista à Folha. A sociedade brasileira não pode normalizar o golpismo escancarado em português cristalino, nem muito menos ceder a chantagens de quem coloca os interesses mesquinhos de sua família acima da estabilidade social, política e econômica do País.

Braskem na mira do lulopetismo

O Estado de S. Paulo

Presidente da Petrobras não esconde intenção de obter mais espaço na gestão da petroquímica

A presidente da Petrobras, Magda Chambriard, afirmou recentemente que a estatal quer ampliar a sua participação na gestão da Braskem, a sexta maior petroquímica do mundo e da qual a petroleira é uma das acionistas. Hoje, a Petrobras detém 47% das ações com direito a voto da Braskem, enquanto a Novonor (ex-Odebrecht) possui 50,1%, o que garante à construtora o controle da petroquímica.

A executiva indicada por Lula da Silva para comandar a Petrobras demonstrou insatisfação com o acordo de acionistas da Braskem. Para ela, o atual arranjo “é um ponto” para a administração da Petrobras, que teria pouco espaço na empresa. A jornalistas após um evento da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan), no dia 10 de junho, Chambriard afirmou que é a petroleira “quem entende da área de petróleo”, “quem entende de petroquímica” e “quem opera nove das refinarias brasileiras”.

Esse pleito da presidente da Petrobras só é possível porque, desde que veio à tona a participação da Odebrecht nos escândalos de corrupção revelados pela Operação Lava Jato, a construtora atravessa uma grave crise financeira. Em recuperação judicial, a Novonor colocou os papéis da Braskem como garantia de dívidas estimadas em R$ 19 bilhões com os maiores bancos do País – Bradesco, Itaú Unibanco, Santander, Banco do Brasil e Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Em paralelo, a Novonor tenta vender suas ações, mantendo ao menos uma participação minoritária na Braskem – e há negociações em curso.

Como mostrou a Coluna do Broadcast, os bancos credores também têm interesse em reorganizar a Braskem. A ideia é assumir seu controle e tentar melhorar seu valor de mercado, hoje em R$ 8,6 bilhões, o que poderá, sem dúvida, ajudar a equilibrar seu balanço, torná-la mais sustentável e também mais lucrativa. O plano dos bancos, porém, pode esbarrar nos interesses de Chambriard.

A presidente da Petrobras citou os projetos para o Rio de Janeiro, que incluem aportes de R$ 25 bilhões na Refinaria Duque de Caxias (Reduc) e no Complexo de Energias Boaventura. Destacou a sinergia da Petrobras e da Braskem no Estado. E deixou evidente sua preocupação, bastante alinhada com os interesses de seu chefe: “É muito emprego, é muito investimento, é muito esforço para treinamento de pessoal”, disse, como se fosse uma ministra de Estado, e não uma executiva à frente de uma empresa de capital misto com papéis listados em bolsa.

Como a sanha desenvolvimentista é indisfarçável, Chambriard logo tentou explicar que não se trata de estatizar a Braskem. Mas nem precisaria de muitas explicações, haja vista que as investidas do governo Lula da Silva sobre empresas privadas, como Vale e Eletrobras, mostram as reais intenções do lulopetismo. Entre elas, ampliar a presença de companheiros em postos de comando de empresas consideradas estratégicas e reafirmar sua política, comprovadamente equivocada, de tratar o Estado como principal indutor do crescimento.

Mais tensão no Oriente Médio e os objetivos paralelos

Correio Braziliense

A conveniência da nova escalada da morte não serve apenas a Netanyahu. Pode servir de moeda de troca para os Estados Unidos nas negociações conduzidas com a Rússia para alcançar uma trégua na invasão de Moscou na Ucrânia

O mundo assiste a um novo conflito no Oriente Médio, entre Israel e Irã. Ao contrário do que acontece nos embates contra o Hezbollah no Líbano e contra o Hamas na Cisjordânia, Jerusalém tem, agora, um adversário com capacidade bélica bem mais ameaçadora, capaz de colocar em risco uma maior parte da população israelense. Essa constatação forçou líderes mundiais a alertarem para a retirada de seus civis dos dois países nos últimos dias — no Brasil, comitiva de prefeitos e secretários que visitava Israel conseguiu socorro a partir da Jordânia após momentos de muita apreensão. 

Diante de tantos riscos para o Oriente Médio, por que Israel dobrou a aposta ao atacar o Irã? Antigos aliados, Irã e Israel hoje ocupam lados opostos no xadrez da geopolítica. Enquanto o governo do aiatolá Ali Khamenei se aproxima da China e da Rússia — inclusive com intercâmbio de tecnologia armamentista com esse último país —, a gestão de Benjamin Netanyahu sempre esteve ao lado da Casa Branca.

Desde a nova escalada entre Israel e Irã, algumas observações chamam a atenção. A primeira delas é o momento em que ocorre o ataque de Netanyahu. Pressionado internamente e na comunidade internacional pela ofensiva em Gaza, o primeiro-ministro israelense enfrentou uma moção que poderia significar o fim do seu governo neste mês. Mesmo ameaçado, permaneceu. Com ao menos seis meses de sobrevida, parece tentar criar um "fato novo" em busca de apoio popular, retirando o foco do conflito na Cisjordânia.

A conveniência da nova escalada da morte não serve apenas a Netanyahu. Pode servir de moeda de troca para os Estados Unidos nas negociações conduzidas com a Rússia para alcançar uma trégua na invasão de Moscou na Ucrânia — Trump e Putin reforçaram o diálogo nessa frente nas últimas semanas. Em um cenário de Kiev e Teerã em pratos opostos, a balança da paz pode ser alcançada nos dois embates? É uma aposta ousada, porém possível. 

O panorama do mais novo conflito também envolve líderes europeus, que se manifestaram a favor de Israel nas primeiras horas após o início do embate com o Irã. Como observou o doutor em sociologia e pesquisador Serge Katz em recente texto publicado na plataforma Substack, a posição adotada por Emmanuel Macron (França) e Keir Starmer (Reino Unido) é um claro alinhamento civilizacional dessas nações ao lado de Israel. Ambos veem a escalada do conservadorismo nos países que governam e, com ele, o aumento da resistência dos europeus aos muçulmanos, um fundo eleitoral relevante no mundo ocidental. A diplomacia dá lugar ao "nós contra eles", em defesa do Ocidente. 

O que está evidente no novo front no Oriente Médio é, mais uma vez, o uso da força militar com objetivos secundários, ignorando completamente os danos causados contra civis — em patamares muito superiores a guerras anteriores, a partir do uso de forças aéreas que não faziam parte, por exemplo, das ofensivas dos EUA no Afeganistão e no Iraque no início do século. Milhares de cidadãos e cidadãs do Irã e de Israel perderam a vida nos últimos dias em um confronto que parece estar longe do fim. Independentemente do desfecho, é o povo quem sempre sai derrotado.

 Os 115 anos do Theatro José de Alencar

O Povo (CE)

O mundo era outro, Fortaleza sequer apontava para a metrópole dos dias atuais, com as dores e as delícias que isso representa, mas, ao autorizar o início das obras do Theatro José de Alencar, no distante ano de 1906, Nogueira Accioly, governador da época, nunca poderia imaginar que o equipamento se transformaria no que é hoje, com tudo de riqueza que tem de acumulado e do que ainda parece capaz de oferecer à cultura da nossa cidade e do Estado do Ceará. Mesmo assim, parecia saber, já ali, que algo de transformador envolvia aquele gesto e aquele momento.

De fato, como ele vaticinou, o equipamento que nasceria de sua ação administrativa seria capaz de colocar Fortaleza no roteiro das grandes temporadas teatrais do País, a partir de sua inauguração oficial em 1910. Passamos a dispor de um espaço apto ao recebimento dos maiores espetáculos, do acolhimento aos artistas dos níveis mais altos de qualificação, enfim, nos lançávamos a um patamar novo numa disputa onde a estrutura oferecida surge como elemento decisivo para o desfecho positivo de muitas conversas.

Fortaleza, a partir do José de Alencar, entrou no radar dos grandes espetáculos e, mais do que isso, passou a dispor de um fator de atração para as grandes estrelas das artes cênicas brasileiras terem interesse de nos inserir nas suas temporadas. Estabelecera-se uma admiração de mão dupla, onde muitos deles queriam conhecer a obra arquitetônica e as razões dela ser motivo de tanto orgulho, até hoje, para o fortalezense, com suas colunas de ferro, fachadas ornamentadas e vitrais que, num conceito arrojado dos responsáveis por ela, harmonizam passado, presente e futuro.

Claro que não é uma trajetória linear, marcada apenas pelos momentos bons. O que parece até natural dentro de um contexto no qual a cultura, em geral, nunca costuma fazer parte das prioridades verdadeiras dos governos em nosso País, consideradas todas as esferas. Ou seja, os altos e baixos que o teatro tem experimentado parecem consequência natural de um poder público que, no seu sentido histórico, olha com pouca atenção áreas nas quais o que prevalece de verdade é o sentimento de pertencimento das pessoas, algo que nem sempre é traduzível no voto que todo político busca de maneira quase obsessiva.

O importante, no entanto, é que o velho e centenário Theatro José de Alencar chega ao seu ano 115 pleno no respeito da classe à qual serve e da sociedade onde se encontra estabelecido como um dos seus principais endereços de cultura. O principal, certamente, no entendimento justo de muitos. Um momento de festa que devemos comemorar, mas que também precisa levar a uma reflexão coletiva sobre o que há acumulado de vivência, entre avanços e retrocessos, na perspectiva de vislumbrar a atenção que nos exige o desafio permanente de garantir vida longa, talvez eterna, para um equipamento que tem prestado um inestimável serviço à população do Ceará. 

 

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