Aposentar juiz compulsoriamente é prêmio, não punição
O Globo
Desde 2008, 119 magistrados punidos com
afastamento foram aposentados sem perda de vencimentos
Desde 2008, 119 juízes foram punidos com o afastamento definitivo da função por terem cometido infrações disciplinares graves. Um dos casos mais recentes envolveu Marcelo Bretas, do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2), conhecido pelo protagonismo no ramo fluminense da Operação Lava-Jato. Pela lei, quem é julgado incapaz de atuar como magistrado ganha um prêmio em vez de pena disciplinar. É aposentado compulsoriamente, recebendo vencimentos elevados, na média R$ 28,5 mil. O impacto anual nos cofres públicos, revelou reportagem do GLOBO, alcança R$ 41 milhões.
Não é pouco dinheiro, mas o pior é a
injustiça da regra. A aposentadoria é um benefício previdenciário para quem
tenha atingido a idade-limite, somado tempo de contribuição ou se tornado
incapaz para trabalhar. Não se trata de pena disciplinar. Seria como se, em vez
de ser multado e somar pontos que podem levar à suspensão da carteira, um
motorista infrator ganhasse combustível grátis.
As histórias de aposentadorias compulsórias
deixam claro por que ela é uma aberração. Por ter vendido decisões judiciais e
habeas corpus, mantido ligação com o crime organizado, ocultado bens e lavado
dinheiro, o ex-desembargador do Tribunal de Justiça do
Estado de Sergipe Luiz Antônio Araújo Mendonça foi afastado no ano passado. Em
abril deste ano, a juíza Priscila de Castro Murad, do Tribunal de Justiça do
Espírito Santo, perdeu o posto por paralisação de processos, baixa
produtividade e tratamento privilegiado a advogados. Como punição, ambos foram
aposentados sem perda de vencimentos.
Os defensores da aposentadoria compulsória
argumentam que o bom funcionamento dos tribunais depende da imparcialidade e da
independência dos magistrados, por isso nenhum deles pode trabalhar com temor
de ser alvo de alguma manobra política e perder o próprio sustento. Mas tal
lógica só faria sentido em regimes ditatoriais, onde juízes que contrariam os
interesses de governantes acabam afastados sem direito a recorrer nem a
remuneração. Nada de parecido ocorre no Brasil.
Por aqui, a magistratura usufrui garantias
plenas. Depois de dois anos, um juiz de primeira instância adquire direito a
cargo vitalício, perdendo o posto somente por sentença judicial transitada em
julgado. Punições só podem ser aplicadas por maioria absoluta pelo tribunal
onde atua ou pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Dada a possibilidade de os afetados recorrerem das decisões, a preocupação com
perseguição é infundada. Para isso, seria necessária a cumplicidade de várias
instâncias do Judiciário, realidade distante da brasileira.
No Congresso, houve várias tentativas de
acabar com a regra. Em 2007, o então deputado Raul Jungmann propôs uma mudança
na Constituição prevendo como punição a expulsão da magistratura, com perda do
direito à aposentadoria. De lá para cá, outras propostas semelhantes foram
apresentadas na Câmara e no Senado. Antes de deixar o cargo como senador para
assumir uma cadeira no Supremo Tribunal Federal (STF), Flávio Dino protocolou
uma Proposta de Emenda à Constituição também com esse fim. O grupo de trabalho
para tratar da reforma administrativa formado pelo presidente da Câmara, Hugo
Motta (Republicanos-PB), deveria resgatar essa ideia.
Proliferação de ‘gatos’ de energia deve ser
encarada como caso de polícia
O Globo
Prejuízos causados por ‘perdas não técnicas’
alcançaram R$ 10,3 bilhões em 2024, segundo Aneel
É paisagem corriqueira nas metrópoles
brasileiras o impressionante emaranhado de fios pendendo dos postes, grande
parte puxando energia da
rede sem pagar e gerando riscos para a segurança. São inúmeros os “gatos”,
apelido popular dos furtos de energia. Pode parecer problema menor, diante de
tantas outras mazelas. Mas não é. Um relatório da Agência Nacional de Energia
Elétrica (Aneel) mostrou que perdas não técnicas — causadas por furtos, fraudes
ou erros operacionais — impuseram prejuízo de R$ 10,3 bilhões ao setor de
distribuição no ano passado. Esse valor representa quase o custo previsto do
programa federal Pé-de-Meia (R$ 12 bilhões), incentivo à permanência de alunos
no ensino médio.
Pelos dados da Aneel, o problema está
concentrado. Apenas duas concessionárias — Light, no Rio de
Janeiro, e Amazonas Energia — respondem por mais de um terço dessas perdas
(34,1%). Elas ocorrem sobretudo na rede de baixa tensão, onde o controle é mais
difícil. Contribuem para a distorção ligações clandestinas, adulterações em
medidores, desvios da rede e falhas na medição ou no faturamento.
A Aneel não aplica penalidade às
concessionárias quando metas de redução de perdas não são alcançadas, mas
limita o repasse desses valores às tarifas. Portanto as empresas que não
conseguem controlá-las absorvem prejuízo. A ideia é que isso funcione como
incentivo para que invistam em medidas de combate às fraudes. Mesmo assim, a
conta sobra para o consumidor, uma vez que as perdas em níveis considerados
“eficientes” são incorporadas às tarifas.
No caso dos “gatos”, parece evidente que a
solução não depende só do setor de energia. Trata-se de um caso de polícia, e
como tal deve ser encarado. De acordo com o artigo 155 do Código Penal,
constitui crime “subtrair para si ou para outrem coisa alheia móvel” —
“equipara-se à coisa móvel a energia elétrica ou qualquer outra que tenha valor
econômico”. A pena prevista é de um a quatro anos de reclusão e multa.
Não é, sem dúvida, questão simples de
resolver. Em geral, funcionários de concessionárias não conseguem entrar em
áreas conflagradas nem para fazer reparos, quanto mais para desfazer conexões
ilegais. A própria polícia encontra dificuldades nas incursões, pois os
bandidos costumam erguer barricadas nas comunidades. Territórios são
controlados por organizações criminosas que impõem ali suas próprias leis.
Furtam energia, sinal de TV, internet, depois cobram taxas dos moradores pelos
serviços ilegais. O achaque é hoje uma das principais fontes de renda tanto das
quadrilhas de traficantes quanto de milicianos.
Mas não se pode ter leniência com o crime, porque direta ou indiretamente quem acaba punido é o consumidor, obrigado a pagar mais pelo serviço. As autoridades de segurança têm o dever de coibir furtos de energia, até porque eles ajudam as quadrilhas a se capitalizar. Não fazer nada ou tratar o problema como algo menor só estimula a proliferação dos “gatos”.
Dólar em baixa e óleo em alta afetam cenário
do Copom
Valor Econômico
A alta do petróleo encontra no Brasil uma
inflação resistente. A desvalorização do dólar conteve repasses dos preços
industriais
Dólar e petróleo dispararam juntos em várias
crises passadas e formaram uma péssima receita a ser digerida, especialmente
para as economias emergentes. Nos primeiros dias de ataques de Israel ao Irã, a
história parece ser diferente. O petróleo subiu perto de 10% até agora, ante,
por exemplo, 30% em duas semanas após a invasão da Ucrânia pela Rússia, em
fevereiro de 2022. O dólar, por sua vez, está em baixa, mesmo diante de uma
grave tensão geopolítica. O Comitê de Política Monetária (Copom) define nesta
quarta-feira (18) a taxa de juros com fatores dissonantes em ação. A alta do
petróleo, ainda que modesta, dá mais fôlego à resistência da inflação, se tiver
duração e for repassada aos preços. Já a queda do dólar em relação ao real, em
torno de 10%, teve efeitos baixistas perceptíveis nos índices de preços.
Determinações econômicas de fundo têm mais
peso que os riscos geopolíticos para os preços dos ativos. No caso do petróleo,
os especialistas que avaliaram as crises passadas chegaram à conclusão de que o
frenesi altista das cotações não se sustenta sequer a curto prazo caso as
condições econômicas não sejam propícias. Hoje não são. O último relatório da
Agência Internacional de Energia indicou que a produção de petróleo, de 104,8
milhões de barris por dia, é superior à demanda, de 103,8 milhões, e deve continuar
assim pelo resto do ano, a menos que ocorra um enorme distúrbio na oferta, como
um bombardeio generalizado de refinarias tanto pelo Irã como por Israel. A
Arábia Saudita e outros países do cartel do petróleo (Opep) têm condições,
segundo a AIE, de suprir a saída do mercado de toda a produção do Irã, de 3,3
milhões de barris por dia. O Irã é o quarto maior produtor da organização e
exporta 2 milhões de barris por dia.
Outro fator seria se as perspectivas da
economia global fossem de crescimento e não de desaceleração, como agora. A
demanda tende a declinar com a guerra tarifária do presidente Donald Trump
contra o mundo, que deve produzir mais inflação e retração das atividades
produtivas. As duas principais economias do mundo, EUA e China, vão se expandir
menos, assim como a zona do euro e emergentes importantes, como Brasil e
México. Além disso, o mapa da produção de petróleo mudou com os EUA assumindo a
liderança mundial.
Donald Trump também é a parte mais importante
da trajetória distinta do dólar na crise atual. Seu unilateralismo radical,
expresso pelo protecionismo tarifário e por ameaças de punição com mais
impostos a investidores estrangeiros nos EUA, se o capital original provier de
países que a Casa Branca julgue que tratem mal os interesses americanos (seja
lá o que isso for), acrescentou novas camadas de desconfiança sobre a moeda
americana. As sanções financeiras à Rússia e o confisco de suas reservas, na
gestão de Joe Biden, já haviam alertado China e outros países emergentes que as
transações financeiras podem se tornar armas políticas.
Dois movimentos que roubam posição do dólar
se manifestaram desde a retaliação financeira contra a Rússia e a ascensão de
Trump. Os bancos centrais compraram mil toneladas de ouro por ano desde lá e
acumulam hoje 36 mil toneladas em suas reservas. Em meados dos anos 1960,
quando vigia ainda o sistema de Bretton Woods, em que moedas como o dólar
tinham paridade fixa em relação ao ouro, as reservas do metal atingiram 38 mil
toneladas. Com isso, o ouro se tornou hoje a segunda reserva global (20% das
reservas oficiais), ultrapassando o euro, segundo o Banco Central Europeu.
Mais um aspecto da desconfiança foi a aposta
em outros ativos em desfavor da moeda americana. Pesquisa do Bank of America
com gestores globais, de junho, revelou que nunca desde janeiro de 2005 houve
uma exposição tão baixa ao dólar. Vinte por cento das carteiras desses gestores
estão “vendidas”, isto é, apostam na desvalorização da moeda americana, que
está perto do seu menor nível em três anos. Na direção contrária estão
recomendações para ampliar os investimentos em euro e títulos de mercados
emergentes.
Para a definição da política monetária, estes
movimentos têm importância. A alta do petróleo encontra no Brasil uma inflação
resistente, com expectativas desancoradas há bom tempo. A política de
“abrasileirar” os preços dá, porém, tempo para que a Petrobras deixe
de repassar os aumentos, e não há certeza de que um novo nível de preços, muito
mais elevados, passe a predominar no mercado do óleo. Depois de o Brent ter
subido 30% na guerra da Rússia contra a Ucrânia, sua cotação retornou ao que
era antes da invasão oito semanas depois (Duncan Weldon, “FT”, na terça-feira).
A valorização do real desde o início do ano conteve os repasses da disparada anterior do dólar aos preços industriais, como ficou claro no IPCA de maio, que foi de 0,26%, abaixo do previsto. Mesmo com o conflito entre Israel e Irã, o dólar fez recuos adicionais, enquanto os indicadores de ponta mostraram ligeira desaceleração da economia no segundo trimestre. Caberá ao BC decidir se esse comportamento de dois ativos voláteis é suficiente para inclinar a balança a favor da interrupção de alta dos juros ou, em caso contrário, decidir por mais uma pequena elevação da Selic, talvez a última.
Estado de Direito rejeita inquéritos eternos
Folha de S. Paulo
Investigação de milícias digitais aberta em
2021 no STF pode ser prorrogada; ação não deve servir ao controle político
É preocupante a perspectiva de que o Supremo
Tribunal Federal renove mais uma vez o inquérito das milícias digitais. A
investigação, capitaneada pelo ministro Alexandre
de Moraes e que tem como alvo figuras de proa do bolsonarismo, foi
iniciada em julho de 2021.
Reportagem da Folha, que ouviu 7 dos 11
ministros do STF,
além de advogados próximos a eles, mostra que a
tendência da corte é manter o inquérito aberto ao longo de 2026. Na visão
do próprio Moraes, a investigação seria útil para evitar conturbações políticas
num ano eleitoral.
Não é que a análise sociológica do ministro
esteja errada. O problema é que cortes constitucionais, embora tenham sempre
uma dimensão política, precisam se pautar por razões jurídicas.
Nesse quesito, é longa a lista, talvez não de irregularidades, mas ao menos
de heterodoxias
que esse e outros inquéritos semelhantes acumulam.
Para início de conversa, o Estado de Direito
rejeita investigações eternas. Inquéritos precisam ter um objeto claro. O desse
é por demais amplo, já tendo abarcado vários eixos, que vão da falsificação de
certificados de vacinas à importação irregular de joias, passando por ameaças a
ministros do Supremo.
Ou as autoridades reúnem indícios suficientes
para apresentar uma denúncia com acusação concreta, ou as investigações devem
ser encerradas. No caso específico, a Procuradoria-Geral da República já
descartou abrir processos nos casos de vacinas e joias, mas o inquérito segue a
pleno vapor, mudando de objeto conforme o tempo passa.
Não seria prudente estabelecer um limite
temporal máximo objetivo para a permanência de inquéritos, já que a
complexidade de cada investigação pode variar muito, mas é seguro afirmar que
em nenhuma hipótese as apurações deveriam se tornar ferramenta de controle
político.
Diga-se, em favor do Supremo, que até um
passado recente havia justificativa para algumas das heterodoxias. Ela se
chamava Augusto
Aras —em cuja passagem pela PGR nada que
contrariasse Jair
Bolsonaro (PL)
prosperava.
Sob essas circunstâncias, o STF fez bem ao
encontrar um caminho, ainda que incomum, para superar a inércia do procurador.
Não parece exagero afirmar que a firmeza da corte foi relevante para impedir
que Bolsonaro intensificasse seus ataques às instituições democráticas.
A questão é que essas circunstâncias
especiais não perduram mais. Aras concluiu seu termo, e a PGR, sob a direção
de Paulo
Gonet, voltou a ser um órgão funcional. O STF precisa voltar a operar em
modo ortodoxo.
Está em jogo a própria credibilidade do
Supremo. Se suas decisões são percebidas por uma parcela não desprezível da
população como motivadas mais pela política do que pela técnica, o Judiciário
deixará de ser visto como o órgão legítimo para a resolução de conflitos. E
isso seria praticamente um suicídio institucional.
Cigarro eletrônico regulado
Folha de S. Paulo
Taxa de 8,5% de jovens entre 14 e 17 anos que
usam esse dispositivo preocupa, mas proibição não é o melhor caminho
Desde 2009, a Agência Nacional de Vigilância
Sanitária (Anvisa)
proíbe a fabricação, a importação, a comercialização e a propaganda de
dispositivos eletrônicos para fumar (DEFs), conhecidos como cigarros
eletrônicos ou vapes. Mesmo assim, o consumo avança.
As apreensões pela Receita
Federal bateram recorde em 2024, com 2 milhões de dispositivos. Mas
todo esse esforço de inteligência e gasto de dinheiro público não impede o
acesso ao produto até por menores de idade.
Segundo o Terceiro Levantamento Nacional de
Álcool e Drogas, realizado pela Unifesp e a empresa de pesquisa de mercado
Ipsos, 8,4% dos adolescentes entre 14 e 17 anos de idade disseram
ter utilizado DEFs em 2024. A taxa é superior a de jovens na mesma faixa
etária que consomem cigarros tradicionais (1,7%) e a de adultos que fumam vapes
(5,4%).
Entre pessoas de 14 a 17 anos do sexo
feminino, a porcentagem sobe para 9,8%, ante 7,7% entre as do sexo masculino.
Ademais, 53,3% dos adolescentes afirmam ter fácil acesso a DEFs.
A pesquisa também mostra que 78% dos
brasileiros acima dos 14 anos que fazem uso das duas modalidades de fumo não
diminuíram o consumo do cigarro comum e só 8,9% o abandonaram.
O dado põe em xeque a tese de que vapes podem
ajudar fumantes a largar o vício. De fato, ainda não há consenso científico
sobre o tema, mas o sistema público de saúde do
Reino Unido, um dos melhores do mundo, recomenda DEFs para esse objetivo.
Cigarros eletrônicos produzem vapor, em vez
de fumaça da combustão. Apesar dessa diferença na administração ser menos
nociva, os dispositivos estão relacionados a graves problemas pulmonares e
cardiovasculares, sem contar o vício em nicotina.
De todo modo, a experiência mundial com o
tabagismo no último século mostra que o proibicionismo não é o melhor caminho,
já que gera gastos exorbitantes para o Estado, incentiva o mercado negro,
dificulta a fiscalização e facilita a oferta de produtos fora de parâmetros de
qualidade, que são mais prejudiciais à saúde.
Os DEFs deveriam ser submetidos à regulação e
a medidas de contenção usadas para o tabaco e recomendadas
pela Organização Mundial da Saúde (OMS): proibir
propaganda e venda para menores de idade, limitar locais permitidos para o
fumo, cobrar altos impostos, monitorar o consumo, oferecer tratamento para o
vício e manter campanhas contínuas de conscientização.
Afinal, foram essas ações que impulsionaram a
queda global do tabagismo nas últimas décadas.
O Estado de S. Paulo
Humilhação imposta a governo na Câmara no
imbróglio do IOF confirma o descompasso entre Executivo e Legislativo e
evidencia a perda da capacidade de Lula para liderar a agenda nacional
A Câmara mostrou ao Palácio do Planalto o
tamanho da base com a qual o presidente Lula da Silva pode contar e, à
sociedade, quem determina de fato os rumos da política nacional. Pelo
humilhante placar de 346 votos a 97, a Casa aprovou o regime de urgência para o
projeto de decreto legislativo que altera as alíquotas do Imposto sobre
Operações Financeiras (IOF) determinadas pelo governo. Seja qual for o
resultado final desse movimento político, uma coisa é certa: Lula da Silva
perdeu uma parte substancial de sua capacidade para liderar o País como chefe
de governo.
O Brasil claramente entrou em mais um período
de estagnação, evidenciada por esse nítido descompasso entre Executivo e
Legislativo. É possível antever que, de agora até as eleições de 2026, pouco ou
nada de relevante para o País sairá do Palácio do Planalto ou avançará no
Congresso, pois ambos os Poderes, cada um do seu jeito, têm emitido sinais
diários de que estão ocupados com tudo, menos com o melhor interesse público.
A responsabilidade por essa paralisia é, em
primeiro lugar, do presidente da República. No passado, Lula da Silva já
demonstrou habilidade para construir coalizões e liderar o processo político,
mas agora se mostra incapaz de organizar minimamente sua base no Congresso e de
articular uma agenda que mobilize o País em torno de objetivos comuns. A bem da
verdade, o petista já não tinha um projeto de governo digno do nome quando
candidato em 2022, tendo sido eleito por margem ínfima de votos, convém recordar,
não por ter uma suposta agenda programática, mas porque a maioria dos eleitores
não quis correr o risco de conceder mais quatro anos de governo a Jair
Bolsonaro.
Agora, é ainda mais remota a possibilidade de
o presidente da República se ocupar das medidas estruturantes de que tanto o
País precisa. O único plano que interessa a Lula da Silva é o de sua sucessão,
além da busca sôfrega por adornos internacionais à sua biografia no crepúsculo
de sua vida política.
Dito isso, também recai sobre o Congresso uma
parcela da responsabilidade pelo fato de o Brasil ora patinar sobre gelo fino.
Como sublinhamos há poucos dias, nada mais parece sensibilizar deputados e
senadores do que a manutenção do esquema do “orçamento secreto” em suas
múltiplas facetas. Para o País fora de Brasília, é péssimo este quadro de
desvirtuação do regime presidencialista consagrado pela Constituição. Um
Congresso hipertrofiado pelo sequestro de recursos orçamentários já seria uma
aberração, fossem boas as intenções dos parlamentares para dispor de bilhões de
reais em recursos públicos sem o devido escrutínio.
A perda da capacidade de Lula da Silva para
propor e conduzir uma agenda nacional – o que não implica dizer que o petista
esteja enfraquecido do ponto de vista estritamente eleitoral –, somada à miopia
seletiva do Congresso, que só tem olhos para as emendas, cristalizou esse
modelo de governança bastardo, em que o chefe do Executivo perdeu a iniciativa
política e o Legislativo passou a legislar em benefício de interesses
paroquiais, com pouca ou nenhuma preocupação com as necessidades estruturais do
País.
Enquanto o governo se debate para conter
crises sucessivas e aumentar a popularidade do presidente na base do marketing
eleitoreiro, temas fundamentais seguem relegados a segundo plano. A reforma
administrativa, que poderia modernizar o Estado e melhorar a qualidade do gasto
público, permanece no campo dos desejos. A regulamentação da reforma
tributária, essencial para garantir segurança jurídica e incentivar
investimentos, avança a passos lentos. Questões centrais como a regulação
das big techs, a adaptação do Brasil à nova realidade da inteligência
artificial e os marcos legais para a nova realidade do trabalho e o
enfrentamento do crime organizado também patinam. O resultado concreto é este
vácuo de liderança que abre espaço para a consolidação de um modelo político
dominado por interesses fisiológicos.
Não há saída para a crise política e
institucional sem liderança. E, por ora, o que se vê em Brasília é a perigosa
combinação entre o vazio de comando do Executivo e o avanço desmedido de um
Legislativo que age com os olhos fixados no curto prazo e nas suas próprias
conveniências.
O golpismo corre nas veias
O Estado de S. Paulo
Ao condicionar o apoio político do pai em
2026 a um indulto e ao confronto violento com o STF, Flávio Bolsonaro reafirma
a crônica disposição do bolsonarismo para a ruptura institucional
Sentado no banco dos réus, Jair Bolsonaro
tentou, mas não há como fingir que os ataques à democracia partiram apenas dos
“malucos” que o apoiam – como ele se referiu aos incautos que se dispuseram a
enfrentar sol e chuva em defesa de seu plano golpista – nem os minimizar como
arroubos retóricos. Em recente entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, o
senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), do alto de sua condição de primogênito do
ex-presidente, escancarou com brutal naturalidade aquilo que sempre esteve na
raiz do bolsonarismo: o desprezo contumaz pelo Estado Democrático de Direito e
a disposição para atacar as instituições republicanas até por meios violentos,
quando necessário.
O “zero um” usou a entrevista para transmitir
recados aos que pretendem receber o apoio político do pai na eleição
presidencial de 2026. Segundo o senador fluminense, o compromisso com a
concessão de um indulto a Jair Bolsonaro – indicação de que a família assume
que não há defesa jurídica capaz de livrar o chefe de uma condenação à prisão –
é o mínimo que Bolsonaro espera receber em troca da unção. O “fulano ou
fulana”, como disse Flávio, que pretende obter o apoio político do réu no
pleito do ano que vem precisará ir “muito além disso”. Considerando que o
Supremo Tribunal Federal (STF) decerto julgará inconstitucional um eventual
indulto a Bolsonaro, o ungido deverá mostrar publicamente disposição para
“brigar com o STF” e, inclusive, para fazer “uso da força”, se for preciso.
Ao que tudo indica, Bolsonaro entrou em modo
desespero ao se ver premido pelas circunstâncias jurídica e política que o
cercam, uma intimamente ligada à outra. À medida que seu destino penal fica
cada vez mais claro, vale dizer, a condenação criminal pela tentativa de golpe
e a manutenção de sua inelegibilidade, mais os partidos de centro e de direita
que pretendem se opor à candidatura lulopetista em 2026 caminham em direção à
independência do bolsonarismo. Os movimentos políticos nesse sentido são evidentes.
Ademais, por mais que Flávio tenha se esforçado para dizer que o debate sobre a
anistia aos golpistas “está mais vivo do que nunca”, na realidade ninguém mais
em Brasília trata como séria a perspectiva de avanço de uma agenda que, como
ficou claro, interessa apenas a Bolsonaro e a rigorosamente mais ninguém.
A chantagem explícita – condicionar o apoio
político de Bolsonaro à concessão de um indulto juridicamente descabido e a um
compromisso de confronto violento com o STF – não é apenas mais um atentado à
ordem constitucional sustentada, entre outros pilares, pela separação de
Poderes. É uma declaração de guerra à própria democracia brasileira. A
desfaçatez com que o sr. Flávio Bolsonaro disse o que disse mostra que o
senador não traiu a genética: o golpismo corre nas veias da família. São
declarações de evidente desdém pelos limites institucionais estabelecidos pelo
regime democrático.
Não chega a ser uma novidade, pois sempre que
as leis e as instituições contrariaram os interesses do clã Bolsonaro, as
“saídas”, digamos assim, cogitadas passaram, necessariamente, por intimidações,
ameaças e movimentos de ruptura. A rigor, a entrevista de Flávio Bolsonaro dá
sequência a uma longa trajetória de desrespeito do bolsonarismo à ordem
democrática. Recorde-se da infame história pública do mau militar, mau deputado
e mau presidente, passando pela ameaça feita por Eduardo Bolsonaro, ainda em 2018,
sugerindo que bastariam “um soldado e um cabo” para fechar o STF, até a
cogitação de um golpe de Estado em 2022, culminando na Ação Penal 2.668, ora em
curso.
Ainda assim, é inaceitável que um senador da
República, em pleno exercício do mandato, articule um discurso de enfrentamento
violento às instituições republicanas, particularmente o STF, como fez o sr.
Flávio Bolsonaro na entrevista à Folha. A sociedade brasileira não pode
normalizar o golpismo escancarado em português cristalino, nem muito menos
ceder a chantagens de quem coloca os interesses mesquinhos de sua família acima
da estabilidade social, política e econômica do País.
Braskem na mira do lulopetismo
O Estado de S. Paulo
Presidente da Petrobras não esconde intenção
de obter mais espaço na gestão da petroquímica
A presidente da Petrobras, Magda Chambriard,
afirmou recentemente que a estatal quer ampliar a sua participação na gestão da
Braskem, a sexta maior petroquímica do mundo e da qual a petroleira é uma das
acionistas. Hoje, a Petrobras detém 47% das ações com direito a voto da
Braskem, enquanto a Novonor (ex-Odebrecht) possui 50,1%, o que garante à
construtora o controle da petroquímica.
A executiva indicada por Lula da Silva para
comandar a Petrobras demonstrou insatisfação com o acordo de acionistas da
Braskem. Para ela, o atual arranjo “é um ponto” para a administração da
Petrobras, que teria pouco espaço na empresa. A jornalistas após um evento da
Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan), no dia 10 de
junho, Chambriard afirmou que é a petroleira “quem entende da área de
petróleo”, “quem entende de petroquímica” e “quem opera nove das refinarias
brasileiras”.
Esse pleito da presidente da Petrobras só é
possível porque, desde que veio à tona a participação da Odebrecht nos
escândalos de corrupção revelados pela Operação Lava Jato, a construtora
atravessa uma grave crise financeira. Em recuperação judicial, a Novonor
colocou os papéis da Braskem como garantia de dívidas estimadas em R$ 19
bilhões com os maiores bancos do País – Bradesco, Itaú Unibanco, Santander,
Banco do Brasil e Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Em paralelo, a Novonor tenta vender suas ações, mantendo ao menos uma
participação minoritária na Braskem – e há negociações em curso.
Como mostrou a Coluna do Broadcast, os
bancos credores também têm interesse em reorganizar a Braskem. A ideia é
assumir seu controle e tentar melhorar seu valor de mercado, hoje em R$ 8,6
bilhões, o que poderá, sem dúvida, ajudar a equilibrar seu balanço, torná-la
mais sustentável e também mais lucrativa. O plano dos bancos, porém, pode
esbarrar nos interesses de Chambriard.
A presidente da Petrobras citou os projetos
para o Rio de Janeiro, que incluem aportes de R$ 25 bilhões na Refinaria Duque
de Caxias (Reduc) e no Complexo de Energias Boaventura. Destacou a sinergia da
Petrobras e da Braskem no Estado. E deixou evidente sua preocupação, bastante
alinhada com os interesses de seu chefe: “É muito emprego, é muito
investimento, é muito esforço para treinamento de pessoal”, disse, como se
fosse uma ministra de Estado, e não uma executiva à frente de uma empresa de
capital misto com papéis listados em bolsa.
Como a sanha desenvolvimentista é indisfarçável, Chambriard logo tentou explicar que não se trata de estatizar a Braskem. Mas nem precisaria de muitas explicações, haja vista que as investidas do governo Lula da Silva sobre empresas privadas, como Vale e Eletrobras, mostram as reais intenções do lulopetismo. Entre elas, ampliar a presença de companheiros em postos de comando de empresas consideradas estratégicas e reafirmar sua política, comprovadamente equivocada, de tratar o Estado como principal indutor do crescimento.
Mais tensão no Oriente Médio e os objetivos
paralelos
Correio Braziliense
A conveniência da nova escalada da morte não
serve apenas a Netanyahu. Pode servir de moeda de troca para os Estados Unidos
nas negociações conduzidas com a Rússia para alcançar uma trégua na invasão de
Moscou na Ucrânia
O mundo assiste a um novo conflito no Oriente
Médio, entre Israel e Irã. Ao contrário do que acontece nos embates contra o
Hezbollah no Líbano e contra o Hamas na Cisjordânia, Jerusalém tem, agora, um
adversário com capacidade bélica bem mais ameaçadora, capaz de colocar em risco
uma maior parte da população israelense. Essa constatação forçou líderes
mundiais a alertarem para a retirada de seus civis dos dois países nos últimos
dias — no Brasil, comitiva de prefeitos e secretários que visitava Israel conseguiu
socorro a partir da Jordânia após momentos de muita apreensão.
Diante de tantos riscos para o Oriente Médio, por que Israel dobrou a aposta ao atacar o Irã? Antigos aliados, Irã e Israel hoje ocupam lados opostos no xadrez da geopolítica. Enquanto o governo do aiatolá Ali Khamenei se aproxima da China e da Rússia — inclusive com intercâmbio de tecnologia armamentista com esse último país —, a gestão de Benjamin Netanyahu sempre esteve ao lado da Casa Branca.
Desde a nova escalada entre Israel e Irã,
algumas observações chamam a atenção. A primeira delas é o momento em que
ocorre o ataque de Netanyahu. Pressionado internamente e na comunidade
internacional pela ofensiva em Gaza, o primeiro-ministro israelense enfrentou
uma moção que poderia significar o fim do seu governo neste mês. Mesmo
ameaçado, permaneceu. Com ao menos seis meses de sobrevida, parece tentar criar
um "fato novo" em busca de apoio popular, retirando o foco do
conflito na Cisjordânia.
A conveniência da nova escalada da morte não
serve apenas a Netanyahu. Pode servir de moeda de troca para os Estados Unidos
nas negociações conduzidas com a Rússia para alcançar uma trégua na invasão de
Moscou na Ucrânia — Trump e Putin reforçaram o diálogo nessa frente nas últimas
semanas. Em um cenário de Kiev e Teerã em pratos opostos, a balança da paz pode
ser alcançada nos dois embates? É uma aposta ousada, porém possível.
O panorama do mais novo conflito também
envolve líderes europeus, que se manifestaram a favor de Israel nas primeiras
horas após o início do embate com o Irã. Como observou o doutor em sociologia e
pesquisador Serge Katz em recente texto publicado na plataforma Substack, a
posição adotada por Emmanuel Macron (França) e Keir Starmer (Reino Unido) é um
claro alinhamento civilizacional dessas nações ao lado de Israel. Ambos veem a
escalada do conservadorismo nos países que governam e, com ele, o aumento da
resistência dos europeus aos muçulmanos, um fundo eleitoral relevante no mundo
ocidental. A diplomacia dá lugar ao "nós contra eles", em defesa do
Ocidente.
O que está evidente no novo front no Oriente
Médio é, mais uma vez, o uso da força militar com objetivos secundários,
ignorando completamente os danos causados contra civis — em patamares muito
superiores a guerras anteriores, a partir do uso de forças aéreas que não
faziam parte, por exemplo, das ofensivas dos EUA no Afeganistão e no Iraque no
início do século. Milhares de cidadãos e cidadãs do Irã e de Israel perderam a
vida nos últimos dias em um confronto que parece estar longe do fim.
Independentemente do desfecho, é o povo quem sempre sai derrotado.
Os 115 anos do Theatro José de Alencar
O Povo (CE)
O mundo era outro, Fortaleza sequer apontava
para a metrópole dos dias atuais, com as dores e as delícias que isso
representa, mas, ao autorizar o início das obras do Theatro José de Alencar, no
distante ano de 1906, Nogueira Accioly, governador da época, nunca poderia
imaginar que o equipamento se transformaria no que é hoje, com tudo de riqueza
que tem de acumulado e do que ainda parece capaz de oferecer à cultura da nossa
cidade e do Estado do Ceará. Mesmo assim, parecia saber, já ali, que algo de transformador
envolvia aquele gesto e aquele momento.
De fato, como ele vaticinou, o equipamento
que nasceria de sua ação administrativa seria capaz de colocar Fortaleza no
roteiro das grandes temporadas teatrais do País, a partir de sua inauguração
oficial em 1910. Passamos a dispor de um espaço apto ao recebimento dos maiores
espetáculos, do acolhimento aos artistas dos níveis mais altos de qualificação,
enfim, nos lançávamos a um patamar novo numa disputa onde a estrutura oferecida
surge como elemento decisivo para o desfecho positivo de muitas conversas.
Fortaleza, a partir do José de Alencar,
entrou no radar dos grandes espetáculos e, mais do que isso, passou a dispor de
um fator de atração para as grandes estrelas das artes cênicas brasileiras
terem interesse de nos inserir nas suas temporadas. Estabelecera-se uma
admiração de mão dupla, onde muitos deles queriam conhecer a obra arquitetônica
e as razões dela ser motivo de tanto orgulho, até hoje, para o fortalezense,
com suas colunas de ferro, fachadas ornamentadas e vitrais que, num conceito
arrojado dos responsáveis por ela, harmonizam passado, presente e futuro.
Claro que não é uma trajetória linear,
marcada apenas pelos momentos bons. O que parece até natural dentro de um
contexto no qual a cultura, em geral, nunca costuma fazer parte das prioridades
verdadeiras dos governos em nosso País, consideradas todas as esferas. Ou seja,
os altos e baixos que o teatro tem experimentado parecem consequência natural
de um poder público que, no seu sentido histórico, olha com pouca atenção áreas
nas quais o que prevalece de verdade é o sentimento de pertencimento das pessoas,
algo que nem sempre é traduzível no voto que todo político busca de maneira
quase obsessiva.
O importante, no entanto, é que o velho e centenário Theatro José de Alencar chega ao seu ano 115 pleno no respeito da classe à qual serve e da sociedade onde se encontra estabelecido como um dos seus principais endereços de cultura. O principal, certamente, no entendimento justo de muitos. Um momento de festa que devemos comemorar, mas que também precisa levar a uma reflexão coletiva sobre o que há acumulado de vivência, entre avanços e retrocessos, na perspectiva de vislumbrar a atenção que nos exige o desafio permanente de garantir vida longa, talvez eterna, para um equipamento que tem prestado um inestimável serviço à população do Ceará.
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