domingo, 7 de dezembro de 2025

Lula na Sapucaí, o “dedazo” de Bolsonaro e o desfile do “bloco de sujos”, por Luiz Carlos Azedo

Correio Braziliense

Na política, um sistema de pesos e contrapesos preserva a cooperação institucional. A independência entre os Poderes parece ter perdido esse equilíbrio silencioso. Falta harmonia.

Não é que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não mereça um enredo de escola de samba, pois sua vida romanesca serve até para a teledramaturgia. Mas a estreia da Acadêmicos de Niterói no Grupo Especial em 2026, conduzindo pela Sapucaí um enredo que celebra sua trajetória pessoal, é um caso típico de culto à personalidade, que só não é comparável ao estilo norte-coreano porque lá a sociedade foi militarizada e, aqui, é carnaval. Não seria nada mais justo se 2026 não fosse um ano eleitoral.

A avenida transforma líderes em alegorias, memórias em canto coletivo e contradições nacionais em poesia. O processo político não é um desfile na Sapucaí, porém, as escolas de samba nos dão um ensinamento precioso para a política, que nos faz muita falta nesse momento de estresse entre os Poderes. Toda grande escola, para desfilar na avenida, precisa de um diretor de harmonia, alguém capaz de garantir que o conjunto avance sem “atravessar” o samba e abrir grandes espaços na pista.

O enredo sobre Lula — o menino do agreste que subia no pé de mulungu para enxergar esperança — ilumina a dimensão simbólica de sua biografia. A escola rememora a seca, o pau de arara, o sindicalismo sob a ditadura, a viuvez, a ascensão política e o pacto social que moldou sua liderança. Tudo embalado pela fantasia coletiva que faz do desfile uma narrativa. Na política real, porém, Lula está acossado por uma conjuntura menos lírica: tensão aberta com o Senado, ruídos com o Judiciário e um Legislativo em crescente rebeldia. Falta harmonia.

O diretor de harmonia, figura central no carnaval, não rege a bateria — isso cabe ao mestre. Ele rege algo mais complexo: o espírito da escola. Acompanha alas, controla o fluxo, mantém o canto vivo, evita buracos no desfile e corrige desalinhamentos antes que virem tragédia. Sua missão é assegurar concordância entre partes diversas e evitar que pequenos conflitos entre suas alas comprometam a escola inteira.

Na política, um sistema de pesos e contrapesos preserva a cooperação institucional, porém em harmonia. A independência entre os Poderes parece ter perdido esse equilíbrio silencioso e não tem um líder que o restabeleça.

Ao impor barreiras inéditas à abertura de processos de impeachment contra seus ministros, o Supremo Tribunal Federal age para se blindar da pressão externa provocada pela radicalização política e pelo uso abusivo desses pedidos como instrumento de chantagem.

O Senado, por sua vez, reage e dobra a aposta ao discutir mandatos fixos para ministros, mudanças no quórum para abertura de processos e uma reforma profunda da Lei do Impeachment. Executivo, Legislativo e Judiciário, menos de um ano antes das eleições, perdem pontos nos quesitos equilíbrio, previsibilidade e respeito recíproco. Em vez de desfile, temos uma marcha para o caos.

As cacofonias

Se de um lado falta harmonia entre os Poderes, sobra cacofonia no campo da oposição. A prisão preventiva de Jair Bolsonaro não destruiu sua influência, mas reduziu sua “sombra de futuro”. Mesmo inelegível e encarcerado, determina movimentos, arbitra candidaturas e condiciona estratégias. A escolha de Flávio Bolsonaro (RJ) como “candidato do PL” para 2026, anunciada na própria Superintendência da Polícia Federal, é o típico “dedazo” latino-americano, no qual o líder indica, sem consulta interna, seu herdeiro político. O gesto preserva seu espólio eleitoral na figura do seu primogênito, mas desarticula a direita do país.

Os governadores Ronaldo Caiado (União-GO), Romeu Zema (Novo-MG), Ratinho Junior (PSD-PR) e Eduardo Leite (PSD-RS) mantêm suas pré-candidaturas e não aceitam a imposição familiar. Michelle Bolsonaro (PL), ao apoiar Flávio, tenta manter a unidade simbólica do clã Bolsonaro. Valdemar Costa Neto, preocupado com a sobrevivência do capital eleitoral do bolsonarismo, preferiria Michelle, mas já oficializou a candidatura de Flávio, para conter a evasão de parlamentares para outras legendas.

A prisão de Bolsonaro encurtou o horizonte da cooperação entre os pré-candidatos. Governadores e parlamentares já se perguntavam se valia a pena manter a espera pela bênção do líder encarcerado. O establishment da direita começava a compor seus próprios enredos. O “viver e deixar viver” que mantinha o equilíbrio entre os oposicionistas acabou. Tarcísio de Freitas é a grande esfinge desse tabuleiro.

Sua própria “sombra de futuro” ameaçava o frágil pacto da oposição: se for candidato, pode frustrar o projeto da família Bolsonaro por uma década; se não for, nada arrisca, mantém-se como governante forte de São Paulo, mirando 2030. Flávio não tem a obsessão do pai, cumpre uma tarefa; Tarcísio é mais ambicioso. Somente quando terminar o prazo para desincompatibilização dos cargos públicos saberemos se a candidatura do primogênito de Bolsonaro é para valer ou apenas uma cortina de fumaça para tirar Tarcísio do sereno e transformá-lo em “tertius” da oposição.

Lula enfrenta seu próprio teste de harmonia. O PT não consegue ou não quer ampliar suas alianças; o governo mantém uma queda de braços com Alcolumbre e perde capacidade de articulação na Câmara; também vê o STF tomar decisões que moldam o ambiente institucional; e ainda precisa administrar uma oposição que, mesmo dividida, carrega ainda o peso simbólico do bolsonarismo.

Não há, na conjuntura política brasileira, quem faça o papel do diretor de harmonia. Poderes, partidos, governadores, base e oposição carnavalizam a política e se movimentam como se fossem o “bloco de sujos” da elite política do país.

 

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