Abertura comercial terá efeito imediato na produtividade
Por O Globo
Acordo Mercosul-UE e redução do tarifaço de
Trump são cruciais para sanar deficiência crônica do Brasil
Nos últimos cinco anos, a renda per capita cresceu 1,7% ao ano no Brasil. O principal motor do avanço foi a queda no desemprego. Em outubro, ele caiu a 5,4%, nível mais baixo da série histórica iniciada em 2012. Mas é impossível o desemprego seguir caindo de forma indefinida sem gerar pressão inflacionária. A situação atual da economia expõe, ao mesmo tempo, o limite das políticas de estímulo ao consumo e a dificuldade crônica do Brasil de enfrentar sua maior deficiência— a improdutividade.
A competição no Brasil é baixa, e isso é um
problema. O tamanho médio das empresas é muito menor que no Chile ou na China.
Companhias antigas não são maiores que as iniciantes, e sua produtividade não
cresce. Tudo isso decorre de uma economia que permite a sobrevivência dos
incompetentes, por isso roda abaixo da capacidade. “Empresas mais produtivas
não crescem, e as empresas de baixa produtividade permanecem no mercado”, diz
Fernando Veloso, diretor de pesquisa do Instituto Mobilidade e Desenvolvimento
Social (IMDS). Não é surpresa que a produtividade por hora trabalhada avance a
passos de tartaruga. De 1981 a 2024, cresceu ridículo 0,5% ao ano. Nos últimos
cinco anos, a situação piorou: o crescimento caiu a 0,3%, segundo o
Observatório da Produtividade Regis Bonelli. A melhora se deve basicamente ao
agronegócio. No setor industrial, o valor gerado por hora trabalhada caiu 23%
em 30 anos. Além do atraso de uma indústria protegida por subsídios e barreiras
comerciais, a informalidade — que emprega quatro em dez brasileiros — favorece
produtividade baixa.
Uma economia improdutiva não tem como
produzir riqueza na proporção necessária para combater miséria e desigualdade.
Os remédios são conhecidos, mas custosos. O mais óbvio é pôr mais gente para
trabalhar. Infelizmente, o Brasil já não pode mais contar com o bônus
demográfico, período em que a população em idade produtiva supera crianças e
idosos. À medida que o país envelhece, é preciso achar alternativas. A educação
é a resposta mais duradoura. Se ainda somos um país onde proliferam ocupações
que não geram riqueza, como flanelinhas, porteiros de prédio, cobradores de
ônibus ou até ascensoristas, é porque não temos uma população bem formada,
preparada para trabalho produtivo. É verdade que tem havido melhora, mas esse é
um desafio que só pode ser superado no longo prazo — e não temos tempo para
esperar.
Outra saída, defendida por Veloso e outros
autores no estudo “Integração comercial internacional do Brasil”, é a abertura
econômica. O fim de barreiras comerciais resultaria em benefícios imediatos:
ampliaria o acesso a máquinas e insumos importados, aumentaria a competição e
inibiria a informalidade. Nos setores expostos, empresas informais pouco
produtivas cederiam lugar àquelas com chance de conquistar novos clientes no
exterior.
Por isso são tão relevantes as negociações
entre Brasil e Estados Unidos para reduzir o tarifaço de Donald Trump. A
abertura do mercado brasileiro a produtos americanos pode destravar as
negociações e, ao mesmo tempo, aumentar a competição por aqui. Outra
contribuição poderá vir da aprovação do acordo Mercosul-União Europeia, prevista
para este mês. É alvissareiro que uma gestão do PT — em geral afeito a dogmas
protecionistas — pareça enfim ter descoberto as vantagens do livre-comércio,
crucial para combater a pobreza e a desigualdade.
Governo do Rio comete erro ao facilitar aprovação
no ensino médio
Por O Globo
Medida pode até reduzir taxa de evasão e
melhorar nota no Ideb, mas representa retrocesso pedagógico
O governador do Rio, Cláudio Castro, assinou
decreto para que os 515 mil alunos da rede pública possam passar de ano mesmo
que sejam reprovados em até seis disciplinas, se estiverem no primeiro e no
segundo ano do ensino médio,
ou em até três, se estiverem no terceiro. O objetivo da nova política de
progressão é reduzir a evasão escolar, motivando o aluno a recuperar o conteúdo
não aprendido sem prejudicar sua formatura. Mas parece evidente que um
estudante com seis disciplinas pendentes, cerca de metade da grade, não terá
condições de aprender tudo o que não aprendeu e, além disso, absorver novos
conteúdos.
No primeiro ano do ensino médio, a evasão em
2022 chegou a 10%, ante média nacional de 6,5%, segundo o Instituto Nacional de
Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), vinculado ao MEC. É
até possível que o índice melhore com a nova política. Mas de que adianta se os
estudantes não tiverem boa formação? A reprovação não pode ser regra, mas é
preciso haver limites. O sistema de progressão continuada deve ser condicionado
ao número de disciplinas e às condições para o aluno aprender os conteúdos
pendentes. Seis é um número excessivo, no entender de Cláudia Costin,
presidente do Instituto Equidade.Info, ligado à Universidade Stanford, e
ex-diretora global de Educação do
Banco Mundial.
Redes de ensino que lançam mão da progressão
continuada precisam garantir que, no ano seguinte, o estudante terá todo o
reforço pedagógico necessário para recuperar o conteúdo que não aprendeu no ano
anterior. “Permitir que o estudante com notas baixas em seis disciplinas seja
aprovado dificulta muito esse trabalho no ano seguinte”, afirma informe do
movimento Todos Pela Educação.
Pelos últimos dados disponíveis, referentes a
2023, o Rio obteve nota 3,3 no Índice de Desenvolvimento do Ensino Básico
(Ideb). É o penúltimo colocado no país, melhor apenas que Rio Grande do Norte.
Como o Ideb é calculado com base nas taxas de aprovação e nas notas dos alunos
no Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), a nova política de
“aprovação automática” deverá ter impacto positivo na nota do Rio.
Mas sem avanços pedagógicos. “Não estão
enfrentando estruturalmente o problema da evasão”, afirma o coordenador-geral
do Fórum Estadual de Educação do Rio, Waldeck Carneiro. “Não houve diálogo com
as escolas, nem o Conselho Estadual de Educação foi consultado sobre a medida,
que interfere no cotidiano escolar e tem problemas de concepção e método. Não
se trata de cultuar a repetência. O que não se pode é negar ao aluno o direito
ao conhecimento.”
É preciso fazer o possível para manter os alunos na escola, mas não se pode esquecer que o objetivo principal continua o mesmo: eles aprenderem.
Câmara tem de cassar Eduardo, Ramagem e
Zambelli
Por Folha de S. Paulo
Deputados fugitivos têm condenações na
Justiça; filho de Bolsonaro tramou contra o país e falta sessões
Com provável condenação de Eduardo, os três
ficarão inelegíveis; cassação acrescentaria rejeição de práticas ofensivas ao
mandato popular
A Câmara dos
Deputados depara-se com a inusitada situação de ter de lidar
com um trio de parlamentares que fugiu do país para escapar das garras da
Justiça. Mandatos eletivos, conferidos no exercício da soberania popular,
deveriam ser cassados só em situações excepcionais pelos pares —chegou-se a
esse ponto nos três casos.
Carla
Zambelli (PL-SP), presa na Itália
enquanto aguarda a
conclusão de processo de extradição, e Alexandre
Ramagem (PL-RJ), que se evadiu
para os Estados Unidos, têm contra si diplomas de condenação
criminal transitada em julgado expedidos pelo Supremo Tribunal Federal.
A deputada foi condenada a dez anos de prisão
por invasão do sistema computacional do Conselho Nacional de Justiça e emissão
de um mandado falso de prisão contra o ministro Alexandre de Moraes. Em outro
processo, pegou mais cinco anos pela famigerada perseguição, de arma em punho,
a um provocador na véspera do segundo turno de 2022.
Ramagem, ex-chefe da Abin na administração
Jair Bolsonaro (PL), foi sentenciado a 16 anos de prisão no mesmo julgamento
que condenou o ex-presidente e outros seis réus por tentativa de golpe de
Estado. Como não cabe mais recurso desta decisão, tampouco das contra Zambelli,
a cassação dos mandatos decorre de um comando constitucional.
No artigo 15, a Carta de 1988 abre poucas
exceções a permitir a anulação dos direitos políticos, sendo uma delas a
"condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus
efeitos". Resta em aberto, como tema de longa controvérsia, o modo como
essa ordem deve ser cumprida.
O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB),
parece inclinado a submeter a decisão, no caso da dupla condenada, ao plenário
da Casa. Não é despropositado consultar todo o corpo dos deputados, já que os
pares deveriam resolver sobre perda de mandato, e espera-se que a ampla maioria
vote pela cassação em obediência à Constituição.
A situação do fujão Eduardo
Bolsonaro (PL-SP) é distinta, embora ele mereça a mesma
punição. Saiu do país
para tramar com o governo dos Estados Unidos contra a soberania
e a economia brasileiras e falta às sessões desde março último. Nesse período,
os contribuintes já desembolsaram R$ 1 milhão para sustentar a estrutura do representante
que não representa mais ninguém.
Pelas regras da Câmara sobre ausências, o seu
posto de deputado poderá ser declarado vago em março de 2026.
Concomitantemente, responde à revelia a um processo no STF por
coação que deverá colocá-lo na mesma situação de Zambelli e Ramagem.
Com a provável condenação de Eduardo
Bolsonaro, os três ficarão inelegíveis pelos próximos ciclos eleitorais, o que
para políticos já significa castigo severo. A cassação dos mandatos
acrescentaria a seus deploráveis currículos a rejeição, pelos pares, de
práticas incompatíveis com o exercício da função parlamentar.
A mal explicada decisão de Toffoli no caso
Master
Por Folha de S. Paulo
Sem justificativa clara, ministro do STF
decreta sigilo em caso sobre suspeitas graves de fraude bancária
Banco Master, sob comando de Daniel Vorcaro,
é investigado por desvio de R$ 12,2 bi e quebra espetacular que custará R$ 41
bi ao FGC
Em um despacho de míseras três páginas, o
ministro Dias Toffoli,
do Supremo Tribunal Federal, transformou o caso do Banco Master em
um enigma impenetrável.
Com ligeireza espantosa, o magistrado
determinou a remoção do processo da Justiça Federal para as mãos
da corte mais alta do país, invocando a prerrogativa de foro de um
deputado federal mencionado em contrato apreendido pela Polícia
Federal.
Também difícil de entender foi a imposição
de sigilo mais elevado, expandindo o grau de confidencialidade a um
patamar que impede o acesso às letras iniciais de identificação das partes, ao andamento
do processo e às próprias decisões judiciais.
No texto sucinto de Toffoli, não há
justificativa compreensível para a manobra. Em apenas um parágrafo com quatro
linhas, o ministro se limita a afirmar que a investigação "supostamente
dirigida contra pessoas com foro por prerrogativa de função, conforme inclusive
já noticiado pela mídia formal" respaldaria a competência do Supremo.
Em contraste com a peça rarefeita, há
evidencias sólidas de corrupção, possivelmente sistêmica, envolvendo o caso. O
Banco Master, sob o comando de Daniel Vorcaro, é suspeito de fraudes
bilionárias —contratos fictícios, desvio de R$ 12,2 bilhões e uma quebra
espetacular que custará R$ 41 bilhões ao Fundo Garantidor de Créditos, cujos
recursos são custeados em última instância por milhões de poupadores.
A decisão mal explicada não contribui para a
credibilidade da corte nem do magistrado. Toffoli não é um novato em medidas
que despertam questionamentos, como nas sucessivas anulações de processos
contra réus confessos da Operação Lava Jato.
A imagem do Supremo se desgasta com a
percepção crescente de permeabilidade a interesses particulares, seja na
flexibilização de normas que regulam conflitos de interesses, seja nos
encontros entre ministros e políticos e empresários com causas em potencial na
corte.
O caso em tela é particularmente grave
devido à extensão da
influência do dirigente do Master, abarcando esquerda, direita e
centro. Vorcaro era patrocinador voraz de eventos que reuniam a elite política
e jurídica de Brasília.
O Master recebeu generosas aplicações de recursos de fundos previdenciários estaduais, incluindo o do Rio, e municipais, em escolhas de difícil compreensão. A própria demora do Banco Central em liquidar o banco demanda esclarecimentos. Dos ministros do STF se exigem agora rigor e clareza de propósitos.
A força dos jornais centenários
Por O Estado de S. Paulo
Se a imprensa profissional em geral é o
anteparo das sociedades abertas contra seus inimigos, mais ainda o é a imprensa
centenária, justamente homenageada pela ANJ
A Associação Nacional de Jornais (ANJ)
homenageou no dia 4 passado os 13 jornais centenários que a integram, entre os
quais este Estadão,
que neste ano celebra 150 anos. Como bem enfatizou o presidente-executivo da
ANJ, Marcelo Rech, “os jornais centenários são guardiões da história do País,
responsáveis por documentar a vida pública ao longo de gerações e por manter
vivo o compromisso com a verdade factual”.
A mera existência de jornais com mais de um
século de atuação mostra que, ao contrário das aparências, ainda há no Brasil
quem se interesse por informação de qualidade, apurada com rigor e editada
conforme os mais altos padrões éticos e técnicos. Intuitivamente, esse público
parece saber que é desse tipo de informação que depende a própria existência da
democracia, pois não é possível participar do processo político coletivo se não
houver consensos minimamente razoáveis sobre a realidade que se pretende mudar.
Não é à toa que os liberticidas celebram quando um jornal fecha – é menos um
para contradizê-los em suas maquinações contra as instituições.
Se a imprensa profissional em geral é o
anteparo das sociedades abertas contra seus inimigos, mais ainda o é a imprensa
centenária. Um veículo que sobrevive mais de cem anos num país econômica e
politicamente instável como o Brasil transforma-se naturalmente numa espécie de
reserva moral do País. Com erros e acertos, esses jornais tradicionais
tornaram-se referência no debate nacional porque parecem existir desde sempre,
já que estão na memória de gerações de brasileiros.
Desse modo, jornais com tais características
tornam-se autoridades no melhor sentido da palavra. Não se ganha esse status da
noite para o dia. São necessárias décadas de bom jornalismo, numa construção
permanente de credibilidade. Por mais críticos que sejam os leitores dessas
publicações, todos reconhecem neles, em seu conjunto, a estatura de uma
instituição democrática indispensável para tomar decisões, das mais comezinhas
às mais graves.
Eis aí a autoridade da imprensa profissional,
que não se impõe pela força, mas pela legitimidade. Jornais tradicionais
influenciam decisivamente a política porque atuam como o pulso da própria
sociedade, de cujas transformações ao longo do tempo foram testemunhas e
cronistas. Os cidadãos sabem que é nas páginas desses veículos que está sendo
escrita a sua própria história.
É por isso que há tantos inimigos da imprensa
em geral e dos jornais tradicionais em particular. Para os que desejam
reescrever a história segundo seus gostos pessoais, os veículos jornalísticos
sérios são um formidável empecilho, que deve ser desmoralizado a todo custo.
Nessa empreitada antidemocrática, os
liberticidas ganharam aliados poderosos – a inteligência artificial, que a
custo baixíssimo permite a distorção da realidade, e as redes sociais, cujos
algoritmos arruínam o debate público ao dar maior visibilidade à fraude e à
violência, monopolizando a atenção e drenando receitas publicitárias.
O velho e bom jornal, nesse contexto, trava
uma luta quase quixotesca pela sobrevivência. Mas é preciso destacar que a
tecnologia usada para ameaçar a imprensa profissional é a mesma que abre um
enorme campo de possibilidades de atuação para esses veículos que souberam
atravessar grandes mudanças tecnológicas ao longo de mais de um século.
Jornais velhos, portanto, não podem
significar jornais antiquados: o grande desafio é explorar o admirável mundo
novo da digitalização da vida sem perder a capacidade de servir aos cidadãos e
ao País como mediador confiável do real e como infraestrutura democrática.
Aliás, a tecnologia hoje disponível permite ir ao encontro do ideal de Julio
Mesquita, que fez do Estadão uma
espécie de rede social de seu tempo, um veículo que desde aquela época congrega
seus leitores, de todos os cantos do País, por meio do jornalismo, construindo
a partir disso sua sólida opinião.
É por isso que a permanência de jornais como
o Estadão e
os demais veículos centenários é essencial: ao refletir o sentimento dos
cidadãos e expressar com vigor suas demandas, os jornais tradicionais servem
como limite ao poder.
Morde e assopra
Por O Estado de S. Paulo
É conveniente para Lula culpar o Congresso
pelo ‘sequestro’ do Orçamento ao mesmo tempo em que avaliza um inédito
calendário para garantir o pagamento das emendas a deputados e senadores
A campanha à reeleição do presidente Luiz
Inácio Lula da Silva já começou, e o petista escolheu seu inimigo. Com o
ex-presidente Jair Bolsonaro preso e definitivamente fora da disputa, Lula só
precisava definir um antagonista para culpar pelos problemas que ele não quis
ou não conseguiu resolver, e o Congresso, ao menos neste momento, vestiu a
carapuça.
De um lado, a combinação entre inflação mais
baixa e desemprego no menor nível histórico já deixa o terreno confortável para
o incumbente em um pleito que é, de certa forma, um plebiscito sobre a
aprovação ou reprovação de seu mandato. Já as trapalhadas do clã familiar de
Bolsonaro na tentativa de livrá-lo da cadeia presentearam o petista com a
bandeira da soberania nacional no malfadado tarifaço dos Estados Unidos.
Em contrapartida, Lula tem na segurança
pública um enorme telhado de vidro, e sua insistência em tratar do assunto pelo
viés da desigualdade social, mesmo após o apoio da população à megaoperação
policial nos Complexos do Alemão e da Penha no Rio de Janeiro, fez seu índice
de rejeição voltar a subir após meses de recuperação nas pesquisas. Mas, como a
candidatura da oposição ainda parece indefinida, o Congresso tem facilitado
bastante a vida do presidente na busca de um adversário com quem rivalizar.
A aprovação de pautas-bomba e a derrubada
indiscriminada de vetos presidenciais à nova lei do licenciamento ambiental são
os episódios mais recentes a piorar a imagem do Legislativo. Ademais, se
encaixam bem na releitura que Lula tem feito da narrativa do “nós contra eles”,
retomada desde a tramitação do projeto que isentava o Imposto de Renda para
quem ganha até R$ 5 mil mensais e taxava os mais ricos.
Mas o petista não é ingênuo e sabe que não
pode prescindir completamente do Congresso para governar. Por isso, investe em
um conveniente morde e assopra e sabe bem onde pisar. O discurso é duro, mas
suas ações são um verdadeiro afago e focam naquilo que mais importa aos
deputados e senadores.
Afinal, o presidente que criticou abertamente
a obrigatoriedade de pagamento das emendas parlamentares e acusou o Congresso
de ter “sequestrado” o Orçamento é o mesmo que discretamente assentiu com a
criação de um inédito calendário para a execução dessas indicações.
Estabelecido na Lei de Diretrizes
Orçamentárias (LDO), aprovada na semana passada pelo Congresso, o calendário
era uma demanda antiga dos parlamentares e vai garantir que 65% das emendas
individuais, Pix e de bancada terão de ser pagas até o fim do primeiro semestre
de 2026. Isso significa que mais de R$ 12 bilhões chegarão às bases dos atuais
deputados e senadores a poucos meses da eleição.
Para Lula, o estabelecimento da
obrigatoriedade das emendas, aprovado por meio de emenda constitucional, foi um
“grave erro histórico”, mas a medida, segundo ele, só cairá quando mudarem “as
pessoas que governam e que aprovaram isso”. Ora, se Lula realmente acreditasse
no que disse, ele jamais poderia ter compactuado com o calendário incluído na
LDO. O artifício certamente vai desequilibrar a disputa a favor de quem já tem
mandato, contribuindo para perpetuá-los no poder e, assim, manter o caráter
impositivo das emendas.
A questão é que Lula não sairá de mãos
abanando. Com o acordo, os parlamentares deram ao governo autorização para
ignorar o centro da meta fiscal e mirar em seu limite inferior em 2026. Assim,
em vez de buscar um saldo positivo de R$ 34,3 bilhões entre receitas e
despesas, o Executivo poderá registrar um déficit de até R$ 23,3 bilhões.
Lula, portanto, poderá gastar mais e ainda
assim dizer que tem responsabilidade fiscal, uma vez que a meta será cumprida.
Já o Congresso pode até ser alvo das críticas do presidente, mas não correrá o
risco de ver suas emendas bloqueadas.
Providencialmente, em meio à sessão na qual a
LDO era aprovada, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), telefonou
para o Palácio do Planalto para questionar a que Lula se referia quando
mencionou o “sequestro” do Orçamento, mas nem por isso deixou de aprovar a
proposta. O combinado, afinal, só saiu caro para a sociedade.
O poder paralelo dos bandidos
Por O Estado de S. Paulo
Prisão de políticos acusados de conluio com
facções expõe sociedade acuada pelo crime
A prisão preventiva do presidente da
Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), Rodrigo Bacellar (União
Brasil), por suspeita de ligação com a facção criminosa Comando Vermelho (CV),
é mais uma peça na apuração sobre a eventual infiltração do crime organizado
não apenas na economia formal, mas também no poder público. Bacellar é acusado
de ter vazado informações sigilosas da investigação policial que há cerca de
três meses resultou na prisão do então deputado pelo MDB Thiego Raimundo dos
Santos Silva, o TH Joias, sob a mesma acusação de envolvimento com o CV.
No fim de semana anterior à prisão, Bacellar
ocupava interinamente a cadeira de governador do Estado, substituindo Cláudio
Castro (PL), que viajara ao Peru para acompanhar a final da Copa Libertadores.
A sucessão direta de Castro por Bacellar, antigos aliados, faz parte de um
arranjo político que culminou com a renúncia, em maio, do vice-governador
Thiago Pampolha, indicado para o Tribunal de Contas do Estado. Bacellar, que
até pouco tempo preparava candidatura a governador em 2026, precisava ganhar
visibilidade.
Pelo menos nisso não se pode dizer que tenha
fracassado. O deputado nunca esteve tão em evidência quanto nos últimos dias,
preso durante a Operação Unha e Carne, da Polícia Federal. A presumível
associação de facções criminosas em atividades econômicas formais e na política
institucionalmente constituída também vem ganhando destaque nacional. Em
agosto, a Operação Carbono Oculto revelou ligações da facção paulista Primeiro
Comando da Capital (PCC) com fintechs e empresas do setor de combustíveis.
O sequestro da atividade formal pelo crime
organizado desafia o Estado Democrático de Direito. Em setembro, quando TH
Joias foi preso, o Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro (TRE-RJ)
anunciou uma série de medidas que visavam a reduzir a interferência de
traficantes e milicianos nas eleições de 2026. A principal delas é a mudança de
endereço de dezenas de seções eleitorais no Estado. Na época, o vice-presidente
do TRE-RJ, Claudio de Mello Tavares, destacou que eleitores de áreas sob o
domínio do crime votam com medo. Ou seja, o eleitor, que parece ter se livrado
do voto de cabresto do antigo coronelato político, agora se vê acuado pelo
crime.
O ex-deputado TH Joias, aliado de Bacellar na
Alerj, é um suspeito reincidente. Em 2017, foi preso pela Delegacia de Combate
às Drogas (DCOD), acusado de ser articulador do tráfico de drogas e armas do
Rio. De acordo com a acusação, lavava dinheiro para as três facções rivais do
Rio. Apesar do histórico, concorreu nas eleições de 2022 e conseguiu uma
suplência, assumindo o cargo dois anos depois, com a morte do deputado titular.
Depois da nova prisão, foi imediatamente expulso do partido.
O controle dos partidos políticos deveria ser rigoroso já no processo de filiação, funcionar como um filtro dos candidatos a cargos eletivos e aumentar ainda mais ao longo dos mandatos. Se o crime está, de fato, conseguindo se embrenhar com tanta facilidade no Estado, é porque, entre outras razões, os partidos têm permitido que criminosos se filiem e usem a política como blindagem e meio de ampliar poder e riqueza.
A visão de mundo do governo Trump
Por Correio Braziliense
Assim como ocorreu no século 19 e em outros
períodos da história, a estratégia nacional atualizada pelo governo Trump
pretende ampliar a influência militar e econômica na América Latina
Na última sexta-feira, o governo de Donald
Trump anunciou sua visão de mundo e como pretende agir nos próximos anos no
contexto global. A Casa Branca divulgou documento no qual detalha a nova
estratégia nacional dos Estados Unidos, com o resgate de uma das diretrizes
mais importantes da política externa norte-americana: a Doutrina Monroe.
Lançada em 1823 pelo então presidente James Monroe, ela cunhou uma ideia que se
tornou um mantra para o atual incumbente republicano: "A América para os
americanos".
Assim como ocorreu no século 19 e em outros
períodos da história, a estratégia nacional atualizada pelo governo Trump
pretende ampliar a influência militar e econômica na América Latina. "Após
anos de negligência, os EUA reafirmarão e farão cumprir a Doutrina Monroe para
restaurar a preeminência americana no Hemisfério Ocidental (América Latina) e
proteger nosso acesso a áreas-chave em toda a região", atesta o documento.
"O Corolário Trump à Doutrina Monroe é uma restauração sensata e eficaz do
poder e das prioridades americanas, consistente com os interesses dos
EUA", prossegue o texto de 33 páginas.
A atualização da política externa
norte-americana pode ser vista como a formalização de tudo que o presidente
Donald Trump tem dito e feito nos últimos anos — e que o levou a conquistar um
novo mandato na Casa Branca. O resgate da Doutrina Monroe vai ao encontro do
lema "Make America Great Again", conhecido pela sigla Maga. Trata-se
de uma estratégia voltada para reposicionar a maior potência militar e
econômica diante de um mundo repleto de desafios nos quais, muitas vezes, os
Estados Unidos exercem um papel fundamental.
Oficialmente, o governo Trump pretende
ampliar suas ações na América Latina. As operações militares na região do
Caribe e a ofensiva contra a ditadura de Nicolás Maduro na Venezuela
representam um grau acima no nível de intervenção norte-americana na região. As
operações têm alcançado tamanha contundência que há suspeitas da ocorrência de
crimes de guerra no enfrentamento ao tráfico de drogas.
Em outra frente, o presidente republicano
mantém evidente seu posicionamento ideológico ao autorizar o apoio bilionário
para o governo de Javier Milei seguir adiante com as reformas na Argentina. E
conduz uma negociação tarifária lenta e gradual com o Brasil, após anunciar
punições a autoridades por meio da Lei Magnitsky e repudiar uma suposta
"caça às bruxas" nos processos judiciais contra o ex-presidente Jair
Bolsonaro e seus seguidores.
Há outros pontos relevantes no Corolário
Trump. O governo norte-americano reafirma o ceticismo em relação à Europa,
classificada como um continente decadente. E sustenta, de forma categórica, que
a imigração e o federalismo representam uma ferida de morte aos países-membros
do bloco, fragilizados em sua soberania. "Se as tendências atuais
continuarem, o continente será irreconhecível em 20 anos ou menos", prevê
Washington. Mais uma vez, os EUA avisam que não pretendem financiar a
segurança militar na região, deixando para os europeus a tarefa de controlar a
política autocrática e expansionista de Vladimir Putin.
A visão de mundo externada pelos Estados Unidos serve de alerta para a diplomacia brasileira. Após os avanços na redução do tarifaço, é fundamental persistir na histórica relação bicentenária mantida pelos dois países e evitar divergências de rasa natureza ideológica, desprovida de pragmatismo. Os EUA deram um recado ao mundo. É preciso tirar o melhor proveito da mensagem.
Dezembro Vermelho: os avanços na luta
Por O Povo (CE)
Ao atingir o menor número de mortes por aids
em 32 anos, o Brasil precisa refletir que o investimento no SUS, ao oferecer
gratuitamente tecnologias modernas de prevenção, diagnóstico e tratamento, é
necessário a fim de permitir alcançar as metas de eliminação da transmissão
vertical como problema de saúde pública
No mês em que se celebra o Dia Mundial de
Luta contra o Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV, sigla em inglês), uma
notícia ajuda a intensificar a conscientização sobre HIV e aids. Pela primeira
vez em três décadas, o Brasil registrou menos de 10 mil óbitos por aids. Os
números apontam que foram 9,1 mil mortes no ano de 2024, o que representa uma
queda de 13% quando comparado ao ano de 2023. Ou seja, mais de mil vidas
salvas.
Os dados foram divulgados pelo recente
boletim epidemiológico, publicado pelo Ministério da Saúde (MS). De acordo com
o documento, os casos de aids também apresentaram redução no período. Houve
queda de 1,5%, passando de 37,5 mil em 2023 para 36,9 mil em 2024.
Além disso, o Brasil eliminou a transmissão
vertical do HIV da mãe para o bebê, considerado um problema de saúde pública. O
País manteve a taxa de transmissão vertical abaixo de 2% e a incidência da
infecção em crianças abaixo de 0,5 caso por mil nascidos vivos. Também
conseguiu atingir mais de 95% de cobertura em pré-natal, testagem para HIV e
oferta de tratamento às gestantes que vivem com o vírus.
São dados que refletem que os cuidados com a
saúde, se priorizados, promovem avanços. As ações de prevenção, diagnóstico e,
principalmente, acesso gratuito pelo SUS a terapias de qualidade são capazes de
tornar o vírus indetectável e intransmissível. Isso aumenta a qualidade de vida
da população, trazendo mais bem-estar, o que é positivo para todos.
Ao atingir o menor número de mortes por aids
em 32 anos, o Brasil precisa refletir que o investimento no SUS, ao oferecer
gratuitamente tecnologias modernas de prevenção, diagnóstico e tratamento, é
necessário a fim de permitir alcançar as metas de eliminação da transmissão
vertical como problema de saúde pública. E assim sendo, é uma questão que
interessa a toda a sociedade. Embora haja avanços, é preciso entender que o
Dezembro Vermelho (em referência à conscientização sobre HIV e aids) serve como
uma data de alerta para enfrentar as desigualdades no acesso universal à
prevenção e ao cuidado continuado.
De acordo com o Ministério da Saúde, o SUS
mantém oferta gratuita de terapia antirretroviral e acompanhamento a todas as
pessoas diagnosticadas com HIV. Mais de 225 mil utilizam atualmente o
comprimido único de lamivudina mais dolutegravir, combinação considerada de
alta eficácia, melhor tolerabilidade e menor risco de efeitos adversos a longo
prazo. Como há a concentração do tratamento em uma única dose diária, o esquema
favorece a adesão e melhora a qualidade de vida.
Assim, aprimoram-se as estratégias a fim de
fornecer à população a garantia dos princípios fundamentais de direitos
humanos. É preciso estar atento à cobrança aos governos para que haja,
sobretudo, vidas protegidas e um sistema fortalecido de saúde no País.

Nenhum comentário:
Postar um comentário